São Paulo – Quando foi convidado a fazer a primeira tradução do árabe para o português do "Livro das Mil e Uma Noites", em 2002, Mamede Mustafa Jarouche sabia que a obra iria consumir seu tempo e suas forças. Mas não imaginou o quanto. Ele não previu que acompanharia a queda de um ditador. Estava no Egito quando a revolução derrubou Hosni Mubarak do poder após 30 anos. De volta ao Brasil, o professor do departamento de Línguas Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) retoma o projeto, cujo início se deu há mais de 2.200 noites.
Atualmente, Mamede trabalha na tradução do quarto volume do livro. Isso não significa o fim. Este é o último volume proveniente da pesquisa em manuscritos. "Mas ainda resta a tradução do que pode ser chamado de ‘histórias da vulgata’, ou seja, as narrativas que se sedimentaram nas edições impressas do livro", afirma o professor.
Os dois primeiros volumes (do ramo Sírio) foram lançados em 2005. O terceiro, já do ramo egípcio, saiu em 2007. O quarto, conforme o cronogama, deveria ter sido publicado. "Está bem atrasado, admito. Tive de dispersar os meus esforços em outras frentes, o que me impediu de concluir o trabalho de tradução do quarto volume, que está em curso", afirma.
Mamede precisou tirar o pé do acelerador durante a tradução. "Fiquei reticente justamente por saber que seria algo demorado e que consumiria minhas forças. No começo, o projeto consumiu o meu tempo de maneira obsessiva, mas agora fui obrigado, para o bem da minha saúde física e mental, a dividi-lo com outras atividades e campos de interesse".
Entre um volume e outro do "Livro das Mil e Uma Noites", Mamede publicou outras traduções, como "Histórias para ler sem pressa" e não parou de estudar. Era justamente o que fazia no Egito quando uma revolta mudou os rumos do país. "Acompanhar a revolução foi inesquecível, algo que jamais se apagará das minhas retinas. Tolice tentar descrever aqui, até porque ainda estou envolvido emocionalmente com os acontecimentos", observa.
De volta ao livro, o ramo egípcio oferece seus desafios. É dividido em dois: antigo e tardio. Nele, as noites não seguem a ordem cronológica. "Foi no ramo egípcio que de fato o conteúdo da obra passou a corresponder ao seu título, isto é, a obra cujo título era ‘mil e uma noites’ passou a ter, efetivamente, mil e uma noites contadas", explica.
Até hoje não se sabe qual foi a data exata em que o "Livro das Mil e Uma Noites" foi escrito. Alguns manuscritos já teriam circulado pelos estados árabes no século nove. A obra só adquiriu as características e o título atuais entre a segunda metade do século 13 e a primeira metade do século 14.
Ao descobrir que a antiga companheira o traía, o rei Sahriyar decide que, a cada noite, irá se casar com uma mulher e matá-la no dia seguinte. Para escapar da morte, uma de suas esposas, Sahrazad, todas as noites conta uma história ao rei. Assim, preserva sua vida, pois o rei sempre espera para ouvir o próximo conto.
Com o ramo sírio e o egípcio prontos, ele terá sido o primeiro a traduzir um dos livros mais importantes da língua árabe para o português. Mas não se orgulha. "Me sinto muito contente por trabalhar com isso e por ter contribuído, de algum modo, para aproximar brasileiros da cultura árabe e estimulá-los a tentar compreendê-la. Isso é o mais gratificante", afirma.