Alexandre Rocha, enviado especial
Cuiabá, Rondonópolis e Alto Araguaia (MT) – O Mato Grosso viu sua produção agrícola crescer em oito vezes em menos de 20 anos, se transformou no maior produtor brasileiro de soja e algodão e tem hoje na exportação de commodities agrícolas uma das bases de sua economia. No entanto, a infra-estrutura de transportes não acompanhou o desenvolvimento da agricultura. Com receio de um "apagão logístico", termo de uso corrente hoje no Brasil, a iniciativa privada começou a investir pesado no setor para superar, pelo menos em parte, os gargalos existentes.
Até agora foram investidos R$ 1,5 bilhão na construção da Ferronorte, estrada de ferro de 500 quilômetros que liga a fronteira de São Paulo com o Mato Grosso do Sul a Alto Araguaia no sudeste do Mato Grosso, e mais R$ 281 milhões na hidrovia Madeira-Amazonas, ambos empreendimentos privados. Outros R$ 1 bilhão devem ser investidos até o final de 2006 na pavimentação de rodovias estaduais, sendo que metade desse valor será bancada por prefeituras e produtores rurais numa espécie de parceria público-privada apelidada de "PPP Caipira".
A Ferronorte e a hidrovia Madeira-Amazonas respondem hoje por 41% do transporte de grãos e fibras do estado, ou 9 milhões de toneladas, quando até o ano 2000 praticamente toda a safra era transportada por caminhões até portos como os de Santos, em São Paulo, e de Paranaguá, no Paraná. Na última safra, o estado produziu quase 22 milhões de toneladas de soja, milho, arroz, sorgo e algodão.
"Só vão ocorrer obras de infra-estrutura neste estado com a participação da iniciativa privada. Não temos a expectativa de que o governo federal vá gastar muito por aqui", disse o secretário de Projetos Estratégicos do Mato Grosso, Cloves Vetoratto.
Ferrovia
O último trecho da Ferronorte, de 100 quilômetros entre Alto Taquari e Alto Araguaia, ambos municípios matogrossenses, foi inaugurado no ano passado, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas o terminal de Alto Araguaia, cidade localizada no sudeste do estado na fronteira com Goiás, já funciona na prática desde 2002. Hoje a estrada de ferro, controlada pela empresa Brasil Ferrovias, responde pelo transporte de 7 milhões de toneladas de farelo e soja, ou quase um terço da produção de grãos e fibras do Mato Grosso e leva fertilizantes na viagem de volta.
A chegada do trem a Alto Araguaia já começou a dar retorno para os produtores locais. "No ano passado, houve, por baixo, uma redução de 40% no custo do frete para quem se utilizou da ferrovia", disse o secretário de Desenvolvimento Rural e presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Mato Grosso (Famato), Homero Alves Pereira. Levou também empresas e desenvolvimento para a região.
"Os clientes da Ferronorte são grandes tradings que operam grandes volumes de carga e para elas o frete é altamente vantajoso. A ferrovia é imbatível. Nos locais aonde ela chega praticamente monopoliza o transporte", acrescentou José Roberto Walker, porta-voz da Brasil Ferrovias.
Hidrovia
O outro empreendimento privado não está localizado no Mato Grosso, mas atende à produção do oeste e noroeste do estado e foi executado por uma empresa local, o grupo André Maggi, que pertence ao governador Blairo Maggi, hoje o maior produtor individual de soja do mundo.
Trata-se da hidrovia Madeira-Amazonas, inaugurada em 1997 e que, como próprio nome já diz, percorre os rios Madeira e Amazonas, desde Porto Velho, em Rondônia, até Itacoatiara, no Amazonas. Em Itacoatiara a carga é embarcada em navios, segue pelo Amazonas até o Oceano Atlântico e de lá para seus destinos no exterior.
"Já nos anos 80 a região (oeste e noroeste) era considerada uma fronteira agrícola no Mato Grosso, mas o alto valor do frete inviabilizava a produção e inibia o crescimento da agricultura que já existia. Por questões comerciais, o grupo Maggi tinha interesse na expansão da área agrícola da região e tinha também propriedades por lá", disse o presidente da empresa, Pedro Jacyr Bongiolo.
Hoje a hidrovia transporta cerca de 2 milhões de toneladas de soja e milho por ano num trajeto de 1.150 quilômetros de Porto Velho até Itacoatiara, e depois mais 1.100 quilômetros de navio até o Atlântico. Na volta, assim como a Ferronorte, as barcaças do grupo Maggi são carregadas de fertilizantes importados.
Segundo Bongiolo, um estudo feito pelo grupo Maggi antes da criação da hidrovia mostrou que o rio traria uma economia de US$ 25 por tonelada transportada em comparação com o custo rodoviário. "A estimativa projetada realmente ocorreu na prática", garantiu.
Embora empreendimentos como a ferrovia e a hidrovia estejam ajudando na superação de gargalos de logística no Mato Grosso, eles estão localizados na periferia do estado e até fora dele. Para chegar até os terminais de embarque, a carga ainda tem que seguir por longas distâncias em cima de caminhões. "Estes empreendimentos desafogaram consideravelmente o transporte em Mato Grosso, mas ainda não foram a solução total, ainda há muito o que fazer", acrescentou Homero Pereira.
É preciso lembrar que o Mato Grosso está localizado na região centro-oeste do Brasil, distante centenas e até milhares de quilômetros do mar em qualquer direção. Pereira lembrou que uma infra-estrutura de transporte inadequada aumenta o custo do produtor e, conseqüentemente, causa perda de competitividade no mercado internacional. O que é um problema sério para um estado exportador.
Municípios que concentram uma grande produção de soja, como Sorriso e Sinop no médio-norte do estado, ficam a centenas de quilômetros de Alto Araguaia. Assim como Sapezal, centro produtor do oeste do Mato Grosso, está a 950 quilômetros de Porto Velho. Além disso, estradas ruins causam perdas materiais. Pela BR-364 que corta o sudeste do estado, região produtora de soja e algodão, é possível ver no acostamento uma verdadeira trilha de grãos de soja e flocos de algodão que caíram dos caminhões.
Rodovias estaduais
Nesse sentido, o governo local lançou um projeto de recuperação de estradas estaduais, em parcerias com prefeituras e produtores rurais, para melhorar o acesso aos "eixos estruturais" representados pelas estradas federais BR-174, BR-163 e BR-158, que cortam o estado de norte a sul pelo oeste, pelo centro e pelo leste, e que, junto com a BR-364, dão acesso aos terminais.
O programa, popularmente batizado de "PPP caipira" em alusão às parcerias público-privadas hoje em voga no Brasil, tem como meta asfaltar 3 mil quilômetros de rodovias até o final de 2006, quando termina o mandato de Blairo Maggi. Segundo Vetoratto, no início do governo, em janeiro de 2003, apenas 2 mil dos 26 mil quilômetros de estradas estaduais eram asfaltados. No ano passado, foram pavimentados mais 509 quilômetros, outros mil deverão ser asfaltados até o final de 2004, mais mil em 2005 e o restante em 2006.
O governo se comprometeu a arcar com metade do valor total estimado para as obras (R$ 1 bilhão) e as prefeituras e produtores vão bancar os outros 50%. No total, foram firmados convênios com 46 consórcios formados por municípios e produtores (cerca de 50 ao todo) que, ao final das obras, vão poder cobrar pedágio nas estradas. "Com estas obras, o Mato Grosso terá 5 mil quilômetros de estradas estaduais asfaltadas, por onde vai passar 90% da produção agrícola e 80% do trânsito de passageiros", declarou Vetoratto.
Mas ainda há muito no que investir e dificilmente grandes empreendimentos serão feitos sem a participação da iniciativa privada. Além da ampliação da ferrovia, o governo do Mato Grosso espera que, até o final do ano, a União realize licitação para a pavimentação dos trechos da BR-163 que ainda são de terra entre Cuiabá e Santarém no Pará. "A falta de pavimentação causa prejuízos de US$ 100 milhões, pois a estrada poderia colocar mais produtores em condições de competir", afirmou Vetoratto.
A partir de hoje a ANBA publica uma série de reportagens sobre a infra-estrutura de transportes e o agronegócio em Mato Grosso. Leia na segunda-feira (20) matéria sobre o desenvolvimento da produção agrícola no estado.