Brasil, Argentina e Arábia Saudita levam amanhã para a reunião de cúpula do G-20 (grupo dos 20 países mais industrializados do mundo), em Londres, as propostas dos 22 membros da Liga Árabe e 12 países da América do Sul contra o protecionismo e pelo “estabelecimento de um sistema financeiro internacional que impeça a especulação financeira e integre regulações adequadas”. As sugestões são resultado da segunda cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), que terminou ontem em Doha, no Catar. Os líderes também ressaltaram a importância de organizar “uma conferência internacional patrocinada pelas Nações Unidas para debater a crise financeira internacional”.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como coordenador da Aspa, e a presidenta chilena, Michelle Bachelet, como dirigente da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), inauguraram o encontro. “O mundo estará atento para saber se a América do Sul e os países árabes são capazes de tomar medidas que evitem que a crise financeira se transforme em um terreno social e político”, disse Lula. Bachelet mencionou o Golfo Pérsico em seu discurso de integração e ouviu uma correção do emir do Catar, Hamad bin Khalifa al-Thani. “Estamos no Golfo Arábico”, afirmou o emir. Ainda que as duas denominações sejam aceitas, “pérsico” se refere ao Irã, cuja população não é árabe.
Apesar da decisão conjunta de lançar um “pronunciamento forte e unido” para a reunião do G-20, os árabes não conseguiram o apoio uníssono dos sul-americanos para defender o presidente sudanês, Omar Al-Bashir. O Tribunal Penal Internacional emitiu uma ordem de prisão contra o sudanês, acusado de crimes de guerra e contra a humanidade na região de Darfur. Na segunda-feira, Bashir recebeu o apoio da Liga Árabe, que questionou a imparcialidade do tribunal.
Dessa forma, a declaração final da cúpula da Aspa se limitou a pedir o respeito aos direitos humanos e “uma solução urgente para a crise de Darfur”. Bachelet e o presidente venezuelano, Hugo Chávez, apresentaram pontos de vista diferentes sobre a questão. “A soberania é muito importante, mas o respeito à pessoa humana também. Chega uma hora em que a soberania já não é suficiente. Existem valores universais, como os direitos humanos”, disse Bachelet, que sofreu durante a ditadura chilena de Augusto Pinochet.
Chávez, por sua vez, questionou por que o TPI não persegue o ex-presidente norte-americano George W. Bush, “um genocida que governou os Estados Unidos durante oito anos e mandou bombardear o Iraque”. “É um desvario jurídico e um atropelo político não só para o Sudão, mas para todos os povos do Terceiro Mundo”, defendeu Chávez. O venezuelano também propôs a criação de uma “petromoeda” — a partir da riqueza do petróleo, para substituir o dólar no comércio internacional —, além de um banco da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
Outro ponto discutido foi a criação do Estado Palestino. “Não é possível que, após tantos anos de negociações, não haja ainda um Estado Palestino. É importante que o novo governo em Israel se comprometa com o processo de paz”, disse Lula, que também teve uma reunião bilateral com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas. “Depois do 11 de setembro, alguns disseram que a democracia e os árabes eram incompatíveis. Ignoraram a contribuição árabe na história para a democracia. A Aspa nos ajudará a fazer renascer essa aliança de civilizações”, continuou o brasileiro. Hoje, Lula almoça com o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e os dois seguem de trem, pelo Canal da Mancha, para Londres.