Sanaa – O Iêmen, palavra que significa “no sul”, é um daqueles lugares que a gente tem que conhecer. Berço de civilizações, o país conserva em boas condições parte importante de seu patrimônio histórico e a vida cotidiana mantém tradições seculares. Basta sair pelas ruas da capital Sanaa para ver os transeuntes usando trajes típicos que parecem saídos das ilustrações de um livro de história.
O homem iemenita comum usa a guthra, pano decorado na cabeça, uma camisa, a futah, espécie de kilt enrolado na cintura, e um cinturão para acomodar a jambiya, adaga curva que é um acessório quase que indispensável. O toque ocidental e mais moderno fica por conta do paletó usado especialmente no inverno.
Mas não deixe a jambiya te impressionar, ela é um símbolo de masculinidade que completa a vestimenta como se fosse uma gravata. “No interior principalmente não levam muito a sério quem não portar uma jambiya”, disse o diretor-executivo de Relações Internacionais do Ministério da Informação, Abdul Salam Al-Mathil.
O povo, na realidade, é muito hospitaleiro e é fácil socializar, especialmente para os brasileiros. A paixão pelo futebol e pelos ídolos do esporte abre portas em todos os cantos do mundo árabe. É possível até que um menino nas ruas de Sanaa saiba mais das vidas de Ronaldo e Kaká do que você.
Um pouco da história do país pode ser conhecida no Museu Nacional, instalado no palácio Dar Al-Shukr, da época da dinastia de imãs que durou até a década de 1960. Lá estão peças que datam do período pré-islâmico até artefatos mais modernos. Para o turista, no entanto, o museu poderia ser mais didático.
A grande atração de Sanaa, porém, é a Cidade Antiga, rodeada por muralhas que na Idade Média tinham seis portões. O principal deles, e até hoje a principal via de acesso ao centro histórico, é o Bab Al Yemen, ou Portal do Iêmen. Caminhar pelo labirinto de ruas estreitas é uma volta no tempo e uma ótima oportunidade para ver a arquitetura singular do país, onde são comuns prédios de vários andares feitos de pedra ou tijolos de barro. Até hoje muitas construções seguem as mesmas linhas, embora sejam utilizados materiais modernos.
A Cidade Antiga é um lugar especial para se conhecer os souqs, os tradicionais mercados árabes. Pequenas lojas, uma atrás da outra, vendem artesanato, roupas, especiarias, jóias e todos os tipos de utensílios. Não é algo só para turistas, uma vez que os habitantes locais também fazem compras por lá. Na hora de comprar, como é comum no mundo árabe, é preciso barganhar.
As oficinas dos artesãos ficam por perto, então é possível ver carpinteiros, fabricantes de jambiyas, sapateiros e ourives em ação. Uma das cenas mais inusitadas sãos os pequenos moinhos existentes no local. Em espaços pequenos e escuros, camelos amarrados a uma espécie de pilão de madeira giram em torno de uma base de pedra para produzir óleo de gergelim.
A quantidade de mesquitas também impressiona, uma infinidade de minaretes pontilha a paisagem. Entre elas está a Grande Mesquita, que é a mais antiga da cidade, erguida cerca de 20 anos após a morte do profeta Maomé. O Islã chegou cedo ao Iêmen.
Abertura
Muito fechado até a década de 1960, quando terminou a monarquia dos imãs no Norte e o domínio Britânico no sul, e depois palco de conflitos entre o Norte islâmico e o Sul comunista, o Iêmen se manteve isolado do resto do mundo por bastante tempo. A unificação do país só ocorreu em 1990 e hoje ele merece o título de “Beleza Escondida”, estampado em camisetas vendidas como souvenir nas ruas de Sanaa.
Antes dos muçulmanos a região era habitada por judeus e cristãos, que substituíram religiões antigas que veneravam uma miríade de deuses. A presença judaica pode ser percebida em casas que ainda hoje têm a Estrela de Davi entalhada nas portas de madeira.
Segundo o diretor-geral de Relações Públicas do Ministério da Indústria e Comércio do país, Mohamed Abdul Aziz Ghaleb, a maior parte dos judeus que ainda viviam no Iêmen migrou quando da criação do Estado de Israel. De acordo com ele, no entanto, uma comunidade judaica de cerca de 4 mil pessoas continua a viver no país. “Mas eles são iemenitas como todos os outros”, afirmou.
O Iêmen tem relevância especial na conformação do mundo árabe. Após a decadência dos reinos pré-islâmicos e antes da chegada da religião muçulmana, muitos habitantes locais migraram para regiões que hoje fazem parte de Omã, Emirados Árabes Unidos, Catar e Bahrein.
Comércio
Do lado de fora dos muros da Cidade Velha o comércio também é intenso. As ruas da moderna Sanaa são repletas de lojas, também uma ao lado da outra. Esse é o varejo típico do Iêmen. Não espere ver shopping centers ou grandes redes de supermercados, embora existam alguns.
Uma categoria de loja típica são as de mel, produto local de fama internacional. Vários tipos de mel são expostos em grandes potes e vendidos por peso, um quilo pode variar de US$ 12,50 a US$ 60, dependendo da variedade. Tais estabelecimentos comercializam também remédios naturais, cosméticos, perfumes e incenso.
Aliás, o incenso teve um papel importante na história do país, pois era uma das principais mercadorias levadas por caravanas de camelos que saiam do Sul da Península Arábica em direção ao Mediterrâneo. Elas levavam também especiarias, ébano, tecidos, madeiras nobres, couros de animais e ouro, produtos muitas vezes originários da Índia e da África.
O país tem também importante tradição no comércio marítimo. Após a descoberta do caminho para as Índias pelo português Vasco da Gama, o Porto de Áden se transformou em um entreposto estratégico, disputado por potências européias e regionais. Hoje Áden é a capital econômica e comercial do Iêmen e o governo tenta promover novamente a região, no extremo sul da Península Arábica, como rota de comércio entre a Ásia e a Costa Leste da África.
Outro item de enorme relevância na história iemenita é o café. Foi lá que a planta originária da Etiópia começou a ser cultivada em escala comercial e exportada para o mundo inteiro pelo Porto de Mohka, no Mar Vermelho. A prosperidade trazida pelo café teve seu auge nos séculos 16 e 17, mas depois veio a decadência quando as potências européias levaram a cultura para suas colônias, entre elas do Brasil. O Iêmen ainda produz uma pequena quantidade de café de grande qualidade.
Qat
Segundo o presidente da Federação das Câmaras de Comércio e Indústria do Iêmen, Mohammed Abdo Saeed, boa parte das lavouras de café foram substituídas por plantações de qat, planta cuja folha tem qualidades estimulantes e é mascada em larga escala pelos iemenitas, assim como os povos andinos mascam a folha de coca. Na parte da tarde é difícil ver um habitante local sem a bochecha cheia de folhas.
O hábito, no entanto, tem sido alvo de críticas. O jornal Yemen Observer publicou no dia 26 de fevereiro uma reportagem intitulada “Qat: a praga do Iêmen”. Na matéria, assinada por três repórteres, o jornal revela que 40% dos recursos hídricos do país vão para a irrigação de lavouras da planta e que, em média, 17% da renda das famílias é gasta com a compra do produto, o que rende bons ganhos aos agricultores.
Isso, na visão do jornal, é um problema, uma vez que ocupa espaço que poderia ser utilizado para culturas de café, hortaliças, frutas e grãos, itens mais importantes para um país que não produz o suficiente para suprir suas necessidades e tem que importar todos os tipos de alimentos. Aliás, uma característica da imprensa iemenita, pelo menos a escrita em inglês, é sua visão crítica sobre fatos da sociedade e do governo local.
Economia
Em termos econômicos, o Iêmen é o primo pobre dos países da Península Arábica. Embora boa parte das receitas do país venha do petróleo, sua produção não garante a pujança existente nas nações vizinhas. Mas nem sempre foi assim, o Iêmen era conhecido como Arabia Felix, ou Arábia Feliz, pelos gregos e romanos por causa de sua intensa atividade comercial e terras férteis, que contrastavam com as vastidões desérticas do resto da região.
De forte tradição islâmica, é difícil ver nas ruas mulheres iemenitas sem a abaya, robe preto usado por cima das roupas, lenço na cabeça e véu no rosto que deixa apenas os olhos à mostra. Por outro lado, não é difícil ver mulheres trabalhando. Hoje, no entanto, o Iêmen sofre com o desemprego e com um alto índice de evasão escolar.
Mas o potencial está lá. O turismo já é uma atividade importante, atraindo especialmente europeus, mas pode crescer muito, na avaliação de Saeed, o presidente da Federação das Câmaras. Atualmente alguns locais, como Marib, o centro do antigo Reino de Sabá, sofrem com problemas de segurança.
Em Sanaa, onde é perfeitamente seguro andar pelas ruas, é possível ver uma boa quantidade de turistas, além de muitos asiáticos que trabalham principalmente em hotéis. Os simpáticos irmãos Mohammed e Ali, fanáticos por futebol como muitos garotos iemenitas, mostram a importância da atividade. Eles se aproximam dos turistas com um papo despretensioso e, quando você percebe, já estão te guiando pelas ruas da Cidade Antiga, mostrando coisas que poderiam passar despercebidas, como a Estrela de Davi nas antigas casas dos judeus e os pequenos moinhos movidos a camelo, em troca, claro, de uma gorjeta.
A agricultura também pode ser melhor explorada, assim como a pesca, afinal o país tem um litoral extenso, assim como as atividades de comércio exterior por conta da localização estratégica do país. Para Saeed, esses são os ramos de maior potencial hoje.
Recentemente foi aprovada pelo Parlamento local uma lei de livre comércio, que autoriza o vai e vem de mercadorias com a cobrança de taxas baixas. Já há alguns anos existe a Lei de Investimentos, que garante aos investidores estrangeiros benefícios para se instalar por lá, incluindo o direito de ter 100% do capital de diversos tipos de negócios. O Iêmen sonha também em, no futuro, integrar o Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), mercado comum que hoje reúne seus primos ricos Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Omã.
Leia amanhã (11), reportagem especial sobre a Arábia Saudita.