São Paulo – Instituída em 1810, pouco depois da chegada da corte portuguesa ao Brasil, a Biblioteca Nacional, no Centro do Rio de Janeiro, é, hoje, dona de um dos dez maiores acervos de bibliotecas do mundo. Esse arquivo, que ultrapassa o universo dos livros e se estende por mapas, jornais e selos, entre tantas outras coleções, vai estar cada vez mais na internet e a serviço dos brasileiros e dos estrangeiros.
Empossado como presidente da Fundação Biblioteca Nacional (FBN) em maio, mas nomeado em janeiro, o poeta, ensaísta, tradutor e imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) Marco Lucchesi (na imagem acima) tem o objetivo de, nos próximos anos, “aprofundar no imaginário dos brasileiros” a importância da instituição para o Brasil e ampliar a presença da Biblioteca Nacional para além das fronteiras do País. “Temos grandes riquezas que pertencem ao planeta Terra e precisamos disponibilizá-las”, diz. Esse patrimônio, de fato, já está a serviço do mundo, como deseja Lucchesi, que presidiu a ABL entre 2018 e 2021.
Em acordo recente celebrado com a Marinha do Brasil, a FBN irá enviar publicações suas ou com as quais tenha contribuído para bibliotecas nacionais de outros países à medida que embarcações brasileiras atracarem em portos internacionais. A Estação Antártica Comandante Ferraz é uma das contempladas por este serviço. Uma renovação de acordo com a Biblioteca Nacional da Argentina, um novo acordo com a Biblioteca Nacional de Cuba, em Havana, e parceria com as instituições similares da África também estão em curso para diversas atividades.
A relação com os países árabes é longa. A FBN é guardiã de um acervo de jornais e impressos que os imigrantes árabes produziam no Brasil. Parte desta coleção já está digitalizada. “São escritos em árabe clássico e popular, o que é muito importante. Quando são bilíngues, são um laboratório da própria tradução, a forma como se apropriam das palavras. Eles (os jornais árabes) se conversam com outros jornais igualmente de outras línguas publicados no Brasil, o que demonstra mais uma vez a biodiversidade do nosso País”, diz. “O que os imigrantes trazem, independentemente de uma condição de vida melhor, é a construção de uma utopia e o desejo de dar concreção a essa utopia. E os jornais mostram muito isso”, afirma o presidente da FBN.
Conhecedor da cultura e estudioso da língua árabe, Lucchesi já esteve no Líbano, onde visitou os campos de Sabra e Chatila, que foram alvo de um ataque em 1982, uma experiência que ele relata no livro “Os olhos do deserto”. Também foi ao Egito, onde conheceu o Nobel de Literatura Naghib Mahfouz (autor, entre outros, de “Noite das mil e uma noites” e dos volumes da “Trilogia do Cairo”), assim como também conheceu o poeta sírio Adonis. “A literatura é o exercício máximo da empatia, é a chave que nos leva a compreender o diferente”, diz ao recordar que ainda menino se encantava com os caixeiros viajantes de origem árabe que via na rua.
Os caminhos da FBN se entrelaçam aos países e à cultura árabe também por meio do Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior. Entre os autores traduzidos para as nações do Norte da África e do Oriente Médio, há desde contemporâneos, como Ana Maria Machado com a obra “Infâmia”, lançada no Egito, até clássicos, como Machado de Assis, com “Dom Casmurro”, também no Egito. Dois Irmãos, de Milton Hatoum, por sua vez, foi traduzido e lançado no Líbano.
“O que foi produzido no laboratório da Andaluzia foi depois repensado pelos intelectuais árabes aqui no Brasil que consideravam aqui como essa nova Andaluzia. Com o renascimento da literatura árabe, que passa por São Paulo, também pelo Rio de Janeiro, os autores brasileiros de origem árabe brilham no Brasil e fora”, afirma. “Há um imaginário construído nesta nova Andaluzia que ficou em muitas obras literárias importantíssimas do século 20, para o mundo árabe, pensada a partir da migração, da presença sobretudo aqui no Brasil e na América Latina como um todo. Por outro lado, o Brasil tem uma força, uma diferença que são as línguas aqui praticadas, a diversidade realizada em nosso território e a alta qualidade da literatura brasileira que nos últimos anos se ampliou de forma fantástica”, diz.
Lucchesi afirma que a Biblioteca Nacional tem objetivos e necessidades, como se tornar cada vez mais digital, em razão do número de acessos pela internet, que aproximam dos 100 milhões, precisa de mais “braços” para executar as tarefas da instituição e mais investimentos. Parte deles já começaram a chegar, com o aporte de R$ 22 milhões pelo Ministério da Cultura para ampliação do prédio anexo da instituição.
“A Biblioteca Nacional está entre as dez mais importantes bibliotecas segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em termos de qualidade intrínseca, da riqueza que ela abriga. E, portanto, a grande tarefa é aprofundar no imaginário brasileiro o espaço importante da Biblioteca Nacional. Ela é de todos, ela é para todos, ela é aberta”, afirma.
Ele diz que há o objetivo de que a Biblioteca Nacional seja, para a sociedade brasileira, “um espelho” de forma que ao olhar para ele, ninguém se sinta excluído. Como parte desta iniciativa, estão ampliar a memória dos quilombos, as línguas indígenas e fotos de aldeias. Em agosto, foi depositada na instituição a primeira tradução da Constituição para uma língua originária, o nheengatu, língua amazônica originária do tupi. A cerimônia contou com a então presidente do Supremo Tribunal Federal, a ministra Rosa Weber, primeira visita de um chefe do Judiciário à instituição em cem anos.
“Acreditamos que a BN tem uma tarefa de levar adiante a diplomacia do livro, realizar uma espécie de geopolítica da paz e mostrar que o Brasil pode neste momento participar do concerto das nações a partir dos seus grandes valores culturais”, conclui Lucchesi.