Abu Dhabi – Você já teve a sensação, ao visitar um museu pela segunda ou terceira vez, que está em um novo local? Pois no final do ano passado estive no Louvre Abu Dhabi, depois de tê-lo conhecido em 2018, e vi ali outro museu. Não é que a coleção tenha sido toda renovada ou tudo estivesse diferente. Ocorreram sim mudanças de peças e há exposições que são temporárias, mas, mais do que isso, entendi que uma nova visita é uma oportunidade de ver de um outro jeito, em um novo momento e maturidade, o que já foi apreciado antes. Então, em dezembro, visitei o mesmo Louvre Abu Dhabi, mas novo.
A minha passagem há seis anos pelo Louvre Abu Dhabi tinha sido rápida, fiz a visita num fim de tarde, em meio a muitos compromissos de trabalho. Não consegui ver tudo e me detive em uma bela exposição para crianças sobre a qual escrevi na época. Recordo que tive um curto tempo para um café na área externa do museu e gatos encantadores andavam pelas redondezas. Na visita mais recente também um gato andava de passeio perto da entrada do museu quando cheguei. Me senti em casa. Para quem não sabe, os queridos gatos estão entre os animais de estimação preferidos dos árabes.
Há muita coisa linda no Louvre Abu Dhabi e aqui não vou relatar tudo, mas fazer o recorte do que ficou em mim. Não sou especialista em arte. As criações expostas no museu árabe dessa vez me falaram ao coração sobre a humanidade e me fizeram refletir sobre nossa trajetória coletiva como gente e a transitoriedade daqui. Há muito de quem trafegou antes de mim por essa terra ali no Louvre Abu Dhabi. Outros virão e descobrirão mais, esculpirão mais, pintarão novas reflexões ou farão outro tipo de arte, cuja palavra que a define ainda nem conhecemos. Estarão elas em Abu Dhabi? Parece que sim.
As máscaras funerárias em ouro expostas no Louvre me fisgaram logo na entrada do museu. E acho que estando ali nos primeiros passos da visita, elas trazem um recado sobre a nossa indiscutível unicidade como sujeitos. O uso das máscaras funerárias de ouro foi registrado em diferentes lugares do mundo, como na Síria e Líbano, em 600 a 300 anos antes de Cristo, no Peru 100 anos antes de Cristo até 700 anos depois de Cristo, e nas Filipinas, entre os anos 900 e 1.200 do tempo atual, segundo mostra o museu.
Alguém enviou e-mail dividindo a prática para que isso acontecesse? Não. Além do recado sobre o quanto nós somos nós, as máscaras de ouro do Louvre Abu Dhabi e da humanidade falam sobre a esperança da eternidade que todos temos. “O ouro brilha na escuridão das tumbas, mas apenas ossos foram encontrados por trás dessas máscaras. A imortalidade parece ser a esperança universal da humanidade quando confrontada com a morte”, diz uma das placas informativas do Louvre sobre o objeto funerário.
No mesmo Louvre, algumas salas adiante, como não parar diante de Ramsés II, respirar fundo e desfrutar da beleza daquilo? Na legenda da peça, o Louvre Abu Dhabi diz que ali está Ramsés II em uma pose convencional que indica sua posição de faraó. O museu também relata a barba, o trono, o colar. Mas diante da imagem, encontro beleza em ver aquele tempo de longe, anos provavelmente duros para alguns que o viveram e cheio de gosto para outros. E penso: “Que bom que chegamos até aqui, Ramsés II”. Nos tempos de Ramsés, falaria eu, a comunicadora, com Ramsés? Com o faraó do Louvre consigo falar.
No meu novo Louvre Abu Dhabi teve dragão, um belo dragão em bronze, no meio da sala, sendo fotografo. As palavras escritas sobre ele dizem que é uma criatura imaginária híbrida composta de vários animais reais: o jacaré, a ave de rapina, o felino, o cervo. Mas aquele dragão também pode ser para mim a representação de todos os desenhos que vi e histórias que ouvi sobre essa criatura. Dependendo do ângulo em que é fotografado, ele é grande e carrega toda a força da imaginação que o criou. Se o foco e a distância são outros, ele se torna pequeno, uma simples matéria no Louvre de Abu Dhabi. No museu que fala de humanidade, faz muito sentido ele estar ali como o dragão de todos nós.
No Louvre de 2023 também olhei para vitrais religiosos. São vitrais coloridos e ali meus olhos conseguem descansar porque se trata de um cenário de paz e proximidade para mim. Em alguns quadros ou peças de um museu, me sinto em casa, como com o gato da área externa. Assim é com o vitral. A explicação ao lado da peça fala de luz e da sua ligação com a espiritualidade desde a Antiguidade, discorre sobre como a iluminação entra através dos vitrais das catedrais cristãs, representando o Divino.
A arte neoclássica também está pelo Louvre de dezembro de 2023, assim como os consagrados quadros que o mundo aprecia se espalham por uma bela sala. “Efeito do vento, série dos álamos”, de Claude Monet, é um deles. Lindo. O museu que desenhei para mim na visita tinha tudo isso, mas eu quis ver mais de perto a bela composição feita de panelas da Arábia Saudita.
Essas panelas também ficaram sendo o Louvre Abu Dhabi daquela visita para mim. A descrição da peça informa que, usadas para fazer ensopado de cabra, estão escurecidas pelo uso no fogo. Maha Malluh, a autora da obra, fez daquilo um poema visual em tributo à poesia árabe clássica. Há beleza nas dobras que o uso deixou nas panelas sauditas.
São as marcas do tempo e de quem nos transformamos que nos fazem ver um museu visitado e revisitado de um jeito novo? Um museu como o Louvre Abu Dhabi traz uma imensidão de arte e história que nem dá para captar em uma passagem. Da próxima vez que você for lá, vá sem pressa, olhe os gatos da redondeza se você gosta de bichos, e experimente construir o seu Louvre árabe. O que chega até você, da arte que está na frente dos olhos, é o museu que vai levar contigo.
A jornalista viajou a convite da Embaixada dos Emirados Árabes Unidos em Brasília