Mazagão (Amapá) – O jovem Osvaldino dos Santos Nunes, 23 anos, nunca viajou a um país árabe e nem fala o idioma da região. Desde os seus 13 anos, porém, em todo mês de julho ele sobe em cima de um cavalo para se transformar em mouro, nome dado aos antigos árabes berberes. Nunes nasceu em Mazagão Velho, distrito do município de Mazagão, no Amapá, criado em 1770 a partir da população transferida de uma cidade do Marrocos. Os primeiros habitantes do distrito foram trazidos ao país pelos portugueses, que resolveram deslocar para o Brasil os moradores de uma cidade marroquina chamada Mazagão, ao perderem o domínio do seu território para os árabes.
Naquela época, os portugueses eram donos algumas regiões na África, como no Marrocos, e também das terras brasileiras. Mazagão foi uma das últimas cidades que os lusitanos perderam para os mouros, depois de longas batalhas entre os séculos 16 e 18. Em Mazagão Velho, hoje um pequeno vilarejo no meio da floresta amazônica, são poucos os moradores que não conhecem essa história. Recentemente foram encontrados vestígios arqueológicos da antiga comunidade, como ruínas de uma igreja e ossadas de moradores no distrito. E há 229 anos, em todos os meses de julho, a população revive os últimos dias da Mazagão marroquina.
Moços de uniformes e espadas na mão montam cavalos e viram mouros. Outro grupo de rapazes se transforma em portugueses. E ali eles encenam a luta entre os dois grupos. Os atores não são profissionais. São pessoas da própria comunidade. Nunes, por exemplo, nascido no distrito, faz papel de mouro há dez anos. No próximo ano vai interpretar São Tiago. O personagem, contam os moradores, foi um soldado português que se destacou na batalha. Nunes está orgulhoso. Foi escolhido por sorteio. Mas em 2008, quer voltar a ser mouro. Para usar a roupa suntuosa e bonita. É o que ele explica.
O estudante Elton Tiago Jacarandá Barreto, 19 anos, participa da encenação desde os seus cinco anos. Já interpretou portugueses e também árabes. Mas gosta mesmo é de ser mouro. “É mais divertido, a adrenalina é maior porque dá para correr mais de cavalo”, explica. A encenação é feita durante o decorrer do dia 25 de julho enquanto uma festa popular acontece pelas ruas do distrito. Em vários momentos do dia, personagens invadem a área ocupada pelo público, em seus cavalos ou a pé, para mostrar uma parte da disputa. De acordo com o subprefeito de Mazagão Velho, Luiz Fernando Pinto, o festejo, que ocorre entre 16 e 28 de julho, atrai 50 mil pessoas.
A Festa de São Tiago, como é chamada, é o que ajuda a manter viva na cabeça da população as origens de Mazagão Velho, que em sua fundação era chamada de Nova Mazagão. O distrito chegou a ser sede do município nos primeiros anos da chegada dos moradores do Marrocos. A população, porém, começou a se transferir do local por volta de 1781, quando uma epidemia de cólera chegou na cidade. Alguns anos depois foi fundada a nova sede do município, onde hoje fica Mazagão, a cerca de 30 quilômetros do distrito, e Mazagão Velho passou a ser apenas uma vila.
A chegada de Mazagão
É Mazagão Velho, porém, que mantém ainda hoje toda a memória do berço marroquino. A cidade foi povoada, na verdade, por 176 famílias transferidas pelos lusitanos. Foi a própria coroa portuguesa que mandou o governo do então Grão Pará, região onde hoje estão os estados do Amapá, Amazonas, Pará e Roraima, construir as casas para os novos moradores, de acordo com informações do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco, que fez as pesquisas arqueológicas na região.
A Mazagão marroquina, hoje onde fica a cidade de El Jadida, cidade litorânea, era um centro de comércio na época. E o local onde foi construída a Nova Mazagão, no Amapá, considerado estratégico para os portugueses para a defesa da região amazônica. “A coroa portuguesa tinha medo que os holandeses ou os franceses invadissem a Amazônia pela costa”, conta o responsável pelo Departamento de Cultura da Subprefeitura de Mazagão Velho, Antônio José Pinto (foto acima). O distrito é banhado pelo rio Mutuacá, que tem saída para o rio Amazonas, que, por sua vez, deságua o Oceano Atlântico.
Muitos dos povoadores da cidade do Amapá nasceram no próprio Marrocos, mas eram de origem portuguesa. No século 18, com eles também vieram os negros, como escravos. São eles que hoje formam a maior parte da população. Antes da cidade passar pelo surto de cólera, que ocorreu, Nova Mazagão era considerada um dos grandes pólos de produção local, já que com o seu algodão e arroz abastecia Belém, por meio do rio.
Mazagão de hoje
Hoje, o rio Mutuacá, inserido no vilarejo, ajuda a conferir uma paisagem bucólica a Mazagão Velho. Com cerca de 1,2 mil moradores, o distrito vive da plantação da mandioca, do milho, do feijão, da pesca e da caça. No rio Mutuacá, os mazaganenses pescam aracu, traíra, andam de barco até o rio Amazonas e até tomam banho. Mazagão Velho tem três escolas, duas igrejas, um restaurante e está se tornando chamariz para turistas brasileiros e estrangeiros em função da sua história.
De acordo com o subprefeito do distrito, depois das descobertas arqueológicas, que começaram a ser feitas há cerca de dois anos, o fluxo de turistas aumentou bastante. A maior parte deles procura Mazagão Velho na época da Festa de São Tiago, que aliás, não é a única que ocorre durante o ano no distrito. Muito festeiros e católicos, os moradores de Mazagão Velho promovem festas, a maioria religiosa, o ano inteiro. As atividades começam em janeiro, com a Festa de São Gonçalo, e terminam só lá pelo final do ano, com a Festa da Mandioca.


