Cláudia Abreu, Débora Rubin e Geovana Pagel
São Paulo – Entre um gole e outro de café, Aristóteles Martins de Oliveira, produtor de café no Sul de Minas Gerais, conta como era produzir o grão nos anos 30. Lembra de como os cafeicultores combatiam a broca, praga que prejudicou muitas lavouras. Os produtores usavam arsênico. Colocavam o café num buraco, jogavam arsênico e deixavam durante uma noite. Quando abriam, o inseto causador da broca tinha morrido. O problema era que o produto tóxico prejudicava os produtores. Alguns morreram. Os tempos são outros. Hoje, as pragas do café são combatidas com genética.
Por todo o Brasil, institutos e universidades buscam soluções para melhorar o plantio do café brasileiro. Desde 2004, o país detém o maior banco de dados sobre o genoma do café. O Projeto Genoma Café é uma iniciativa do Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café (CBPD/Café), que reúne mais de 40 instituições de pesquisa e é coordenado pela Embrapa Café. No Projeto Genoma, especificamente, nove delas estão diretamente envolvidas.
O banco contém mais de 200 mil seqüências de DNA, o que permitiu a identificação de cerca de 30 mil genes de expressão. "Que são os que apresentam maior tolerância à seca e mais resistência às pragas", explica Gabriel Ferreira Bartholo, gerente-geral da Embrapa Café. Agora, os técnicos passaram para a segunda fase, na qual eles checam se esses genes promovem resistência a fatores externos. "Queremos identificar quais são os genes que interferem no florescimento e na maturação, visando a melhoria da qualidade do fruto", explica Bartholo.
Existem mais de 100 tipos de café, mas apenas dois são plantados comercialmente, o arábica e o robusta. "Só que essas outras tantas variedades podem carregar genes que podem ser usados no melhoramento genético desses dois tipos comerciais", explica o gerente da Embrapa Café.
Bartholo acredita que dentro de dez anos já será possível testar esses cruzamentos genéticos na lavoura. Um dos objetivos é aumentar a produtividade, apostando em espécies que sejam mais resistentes às pragas e doenças – e diminuindo os custos do produtor, que gasta até 12% do custo da produção com agrotóxicos. Com essas espécies mais resistentes, a produção pularia da média atual de 19 sacas para 30 a 32 sacas por hectare.
Foram investidos até agora R$ 9 milhões no projeto, sendo que metade dos recursos vem do Funcafé (fundo voltado para o setor cafeeiro) e a outra do Ministério de Ciência e Tecnologia. O banco é dividido, uma parte fica na Unicamp, em Campinas, e a outra na Embrapa Café, em Brasília. Bartholo acredita que dentro de um ano, o banco estará aberto para outros pesquisadores de fora do Consórcio. Segundo o gerente, o banco já é uma referência mundial para o setor e o Consórcio vem trabalhando em parceria com o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica (Cirad), da França, que tem tradição em pesquisa do tipo robusta.
120 anos de tradição
Um dos parceiros da Embrapa Café no Projeto Genoma é o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), tradicional reduto de pesquisa sobre o café. O IAC, aliás, foi inicialmente criado para pesquisar especificamente o fruto. Isso há exatos 120 anos. "Dos quatro bilhões de café arábica plantados no Brasil, 90% são variedades desenvolvidas ou selecionadas pelo IAC", diz Luiz Carlos Fazuoli, diretor geral do Centro de Café, do Instituto.
A espécie robusta também está nos planos futuros do IAC, já que existe uma demanda pela espécie em São Paulo, que compra cerca de 1,7 milhão de sacas de robusta do Espírito Santo e de Rondônia.
Em 2004, pesquisadores do IAC descobriram por acaso uma variedade de café arábica descafeinado. Os grãos estavam no banco de germoplasma do IAC há quase 40 anos. Segundo Fazuoli, a variedade foi trazida da Etiópia para melhoramento genético em 1965. Em outubro de 2003, os pesquisadores do IAC, em parceira com a Unicamp, decidiram testar os grãos e verificaram que seu teor de cafeína é de 0,06%. Um grão convencional tem de 1% a 1,2% de cafeína.
Os pesquisadores encaminharam a descoberta para a revista britânica "Nature". O passo seguinte foi retirar sementes, produzir mudas e iniciar o plantio comercial. Esse processo ainda está em andamento e pode demorar ainda 10 anos para o grão ser negociado comercialmente. "No Brasil apenas 1% do consumo de café é de descafeinado, mas nos Estados Unidos já chega a 10%", explica Fazuoli.
O trabalho do IAC também já cruzou as fronteiras do Brasil. De acordo com Fazuoli, 90% das lavouras de café da Costa Rica são de variedades selecionadas pelo IAC. Na Colômbia, que é o segundo maior produtor mundial, 70% das lavouras de café são formadas pro variedades também melhoradas pelo IAC.
Tecnologia mineira
Em Minas Gerais, que concentra metade da produção nacional, existem vários programas em direção ao melhoramento do café. "Busca-se uma produção mais econômica e otimizada, mas também existe uma forte pressão da sociedade pela preservação ambiental", explica Paulo Gontijo, gerente do programa de pesquisa em cafeicultura da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), outra parceira da Embrapa no Projeto Genoma.
Segundo Gontijo, 24 pesquisadores trabalham em tempo integral no projeto. Eles estão locados nas universidades – Universidade Federal de Lavras (UFLA) e Universidade Federal de Viçosa (UFV) – e em cinco fazendas experimentais no estado de Minas.
Em 2006, o grupo trabalhou em 68 projetos em diversas áreas, da questão genética e melhoramento do cafeeiro à climatologia. No que diz respeito ao melhoramento genético, o programa concluiu o melhoramento das variedades rubi, topázio, acaiá e cerrado.
"Elas se mostraram adaptadas às diferentes regiões cafeeiras do estado. Possuem rusticidade, uniformidade de maturação e são adaptadas à colheita mecânica, característica que lhes confere valor especial", explica Gontijo. Essas variedades continuarão a ser melhoradas e devem trazer ganhos de produtividade de 1% ao ano.
Cafeicultores unidos
A Cooperativa dos Cafeicultores de Guaxupé, a maior do país, também busca a melhoria dos grãos de seus associados por meio da tecnologia. Com 11 mil associados espalhados por Minas e norte de São Paulo, a cooperativa tem um grupo de profissionais que faz um corpo-a-corpo com os produtores – de todos os portes, segundo Lúcio Dias, superintendente comercial da Cooxupé.
Um dos trabalhos mais importantes é a análise de solo e foliar (das folhas). "A do solo garante a dosagem certa de insumos para a terra. A foliar é complementar, informa se a planta está respondendo bem às aplicações". Em 2006, a Cooxupé recebeu 4,4 milhões de sacas de café arábica. O volume foi maior do que o previsto no início do ano – 3,9 milhões de sacas. Para 2007 (ano safra), no entanto, a previsão é de 2,5 milhões.
Desafio: melhorar o conillon
Se por todo o país surgem iniciativas para o melhoramento principalmente do café arábica, no Espírito Santo, o desafio é aperfeiçoar o conillon – café considerado inferior, mas de suma importância para o mercado interno e externo. É a matéria-prima do solúvel. Neutro, ele pode ser adicionado sem alterar o gosto do arábica, apenas para fazer volume. No estado, produz-se os dois tipos. As regiões mais frias são adequadas ao arábica e as mais quentes, ao conillon. A safra 2006 chegou a 2,1 milhões de sacas de arábica, enquanto o conillon fechou em 6,9 milhões de sacas.
No Espírito Santo quem encabeça as pesquisas é Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) – outro parceiro da Embrapa – vinculado à Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (SEAG). Por meio do seu programa de melhoramento genético, o Incaper já lançou seis variedades de café conillon. O conillon vitória foi a última, lançada em 2004. Sua principal característica é a alta produtividade – 70 sacas por hectare sem irrigação, podendo chegar até 123 sacas em condições naturais.
Para os próximos anos, o Incaper aceitou um desafio: desenvolver um conillon não somente como bebida neutra, isenta de gosto, mas um café com boas características de aroma e sabor. Com os investimentos, o instituto prevê um cenário bastante positivo para o conillon no estado dentro de sete anos. A produção anual chegará a 12 milhões de sacas. Isso sem expansão da área, só com o aumento da produtividade média, que deverá passar de 22,5 para 40 sacas por hectare.