São Paulo – Geraldo Adriano Godoy de Campos (foto acima) não é descendente de árabes, mas é um promotor brasileiro e global do cinema, da literatura, das artes plásticas, da música e, principalmente, do conhecimento árabe. Brasileiro, formado em Relações Internacionais e doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), há três anos ele encontrou um novo desafio: levar o seu conhecimento para outro lugar, o Sergipe.
Concursado como professor de Teoria Política no curso de Relações Internacionais na Universidade Federal do Sergipe, criou com pesquisadores e estudantes, em 2019, o Centro de Estudos Árabes e Islâmicos (CEAI) na instituição.
“Ficamos surpresos com o interesse que o centro gerou. Logo no seu começo, trouxemos o artista plástico palestino Abdul Katanani e o sociólogo palestino Baha Hilo, e participamos das atividades culturais do Festival de São Cristóvão (FASC), que é muito popular por aqui. Pode-se dizer que esse foi o nascimento oficial do CEAI. Estamos dando um passo além, pois ele agora será o Centro Internacional de Estudos Árabes e Islâmicos, o que permite maior intercâmbio com o exterior, uma nova estrutura dentro da universidade”, diz Campos, sobre as possibilidades que o novo estágio do CEAI promete.
Oportunidades em outra região
“Filho” mais novo de Campos, o CEAI abre uma nova janela de discussão e estudos da sociedade árabe no Nordeste brasileiro. “De fato, há muita coisa já sendo feita no Rio e em São Paulo. Aqui no Nordeste tem muita coisa também, mas talvez o CEAI tenha essa função de reunir esses estudos e pesquisas, esse pensamento que existe e ainda está difuso”, diz.
Leia mais: Clube de leitura dedicado a títulos árabes é lançado
Não é só: o centro realiza uma outra atividade que se entrelaça com os objetivos de Campos: se aproximar das escolas e levar aos jovens estudantes a diversidade da cultura árabe. “O desafio proposto é que, ao mesmo tempo em que somos um centro de altos estudos, também estamos preocupados com a formação de jovens sobre o Oriente Médio. É um trabalho no sentido de desfazer preconceitos, trazer a pesquisa da universidade para os adolescentes”, afirma.
Mas o que levou o pesquisador, que inicialmente se interessava pelos fluxos migratórios latino-americanos e pelo samba, a mergulhar no mundo árabe?
Recordações da infância
“Meu pai é de Arceburgo, uma cidade de Minas Gerais com grande colônia italiana e árabe. As minhas memórias mais vivas da infância remetem à minha família apreciando os pratos árabes nas casas dos amigos dos meus pais. Depois de alguns anos, por volta de 2004 e 2005 eu, que sempre me interessei pela cultura no contexto das Relações Internacionais, acabei me interessando pelo árabe, fui estudar árabe e passei a participar das reuniões do Icarabe (Instituto da Cultura Árabe, em São Paulo). Me lembro de ouvir as explanações do professor Aziz Ab’Saber (geógrafo falecido em 2012) e anotar o que ele falava. Tínhamos discussões muito construtivas no Icarabe”, recorda.
Campos, então, ampliou seus estudos para autores como Edward Said, cineastas e artistas plásticos, entre tantos outros campos da cultura, que sempre foi um foco dos seus estudos e interesses. Ao mesmo tempo manteve as aulas na cadeira de Sociologia das Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), que só deixou em 2018 para se mudar para Aracaju.
Antes de partir para o Nordeste, Adriano participou de eventos fundamentais para a disseminação da cultura árabe em São Paulo. Em 2015, foi um dos criadores do concurso de curtas-metragens “Os Árabes e a 25 de Março” sobre a região da Rua 25 de Março, em São Paulo, promovido pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira. Foi, também, junto com o Icarabe, um dos organizadores e curador da Mostra Mundo Árabe de Cinema.
Um tesouro a partilhar
Em suas imersões pela cultura árabe, Campos leu livros e artigos, estudou, assistiu a filmes e percorreu os países árabes pesquisando a arte produzida atualmente. Compreendeu um universo repleto de características únicas, de povos singulares, de aflições e talentos. “Não consigo ver a minha vida de uma forma em que eu não esteja envolvido nessa cultura, nesses inúmeros povos. A riqueza é tão grande, tão potente, profunda e sofisticada…você descobre um tesouro e quer contar para todo mundo”.
Doutor pela Universidade de São Paulo com pesquisa sobre o cinema palestino e a arte palestina contemporânea, Campos não deixa de estudar e promover todas as formas de expressão artísticas da temática árabe por meio da cultura nas Relações Internacionais. Não concorda, por exemplo, com a visão de que existe apenas “um mundo árabe” único e separado das outras questões existenciais que afligem a sociedade contemporânea.
“Eu não preciso ser descendente de árabes para me sensibilizar, pois a arte árabe está conversando com o mundo contemporâneo, fala da dissolução dos laços sociais, dos refugiados, dos conflitos. Eu não posso assistir a um filme árabe e depois fechar essa porta como se fosse algo isolado, porque não é. É preciso sair das gavetas identitárias”.
*Reportagem de Marcos Carrieri, especial para a ANBA