Cláudia Abreu
São Paulo – Quando o engenheiro alemão Rudolf Diesel levou o primeiro motor diesel à mostra mundial de Paris, na França, no início do século 20, usou óleo de amendoim como combustível. Onze anos depois, mesmo utilizando derivados do petróleo, ele teria afirmado: "o motor diesel pode ser alimentado também com óleos vegetais, isso ajudará no desenvolvimento da agricultura dos países."
Diesel acertou em cheio. Com estudos mostrando que as reservas comprovadas de petróleo no mundo somam 1,137 trilhão de barris e permitem suprir a demanda mundial apenas por 40 anos e o avanço do efeito Estufa, os países intensificaram a velocidade dos investimentos na produção do biodiesel. A União Européia (UE) deverá produzir 1 milhão de toneladas do combustível este ano. Nos Estados Unidos as usinas proliferam. São 35 em operação e 25 aguardando autorização.
E o Brasil também entrou na rota do biodiesel. Só a Petrobras anunciou investimentos de US$ 145 milhões, distribuídos em cinco anos, em projetos ligados à produção de combustível limpo. O dinheiro será aplicado na usina de Guamaré, no Rio Grande do Norte, que está em funcionamento e tem capacidade para produzir 6 mil toneladas de biodiesel por ano, e numa outra planta também no Nordeste do país.
Outros grupos como Brasil Ecodiesel e Agropalma, controlada pelo Banco Alfa, também estão apostando na produção do biodiesel. A primeira fez investimentos da ordem de R$ 10 milhões este ano em uma usina no Piauí com capacidade para 27 mil toneladas anuais. A matéria-prima é a mamona e o programa gera renda para pequenos agricultores do estado.
A Agropalma investiu R$ 3 milhões num empreendimento em Belém, no Pará. Além delas, outras quatro usinas de biodiesel estão operando no país. A produção deste ano será de cerca de 176 mil toneladas, segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP).
Os investimentos da Petrobras e da iniciativa privada têm um objetivo: atender ao programa de biodiesel do governo brasileiro. A metodologia do Brasil é similar à adotada pela UE: estipula uma porcentagem de combustível limpo que deve ser adicionado ao diesel comum. Os europeus começaram este ano usando o B2 – 2% de biodiesel misturado ao combustível mineral. Em 2010, eles terão cerca de quase 6% de combustível limpo misturado ao diesel comum.
No Brasil, a mistura B2 será obrigatória a partir de 2008. "Serão necessárias 800 mil toneladas de combustível limpo para atender à demanda brasileira quando a lei começar a vigorar", afirma Nivaldo Trama, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel (Abiodiesel). A intenção é aumentar a adição gradativamente e chegar a 5% – B5 – em 2013. Segundo o governo federal, o uso comercial do B2 representará uma economia anual da ordem de US$ 160 milhões na importação de diesel.
Um ensaio da economia prevista poderá ser observado a partir de janeiro do ano que vem. É que através de uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o governo se comprometeu a distribuir, por meio do B2, o volume de biodiesel produzido pelas usinas que comprovarem comprar matéria-prima da agricultura familiar. As aquisições serão feitas via leilões públicos realizados pela ANP. Brasil Ecodiesel e Agropalma já entraram com pedidos para participar dessas vendas.
Retomada
Apesar de ser o assunto do momento quando se fala em agroenergia, o biodiesel vem sendo pesquisado no país deste os anos 70. O combustível consiste numa reação química de óleos vegetais ou gorduras animais com etanol ou metanol. Na época, o governo federal criou um programa chamado Pró-óleo (Plano de Produção de Óleos Vegetais para Fins Energéticos), similar ao Proálcool. O do álcool evoluiu e deu bons resultados, mas o do óleo vegetal combustível estacionou e só foi retomado em meados de 2004, quando o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu sinais de que apoiaria os empreendimentos voltados à produção de biodiesel.
Brasília lançou primeiro um programa de biodiesel que dava incentivos às empresas interessadas em produzir o combustível a partir de mamona e palma – dendê – nas regiões mais carentes do país. Entenda-se Norte e Nordeste. Cerca de 40 variedades de oleaginosas foram pesquisadas, mas as duas foram escolhidas por alguns motivos: são bem adaptadas aos climas secos e geram empregos. "É possível promover inclusão e a mobilidade social", afirma André Luis Girdwood, diretor da Brasil Ecodiesel. Segundo o executivo, a cada três hectares de área plantada de mamona, um emprego direto é garantido.
Soja
O programa, no entanto, despertou o interesse de outros setores que já vinham fazendo pesquisas para a obtenção de biodiesel, como os sojicultores. Produtores argumentam que o grão é a saída para se ter, em 2008, a quantidade de biodiesel que o Brasil precisa para alimentar sua frota veicular.
"Só com mamona e palma não vamos conseguir atingir a meta do governo e o país domina a produção de soja, tem registrado ganhos recordes em produtividade, pode empregar a oleaginosa na fabricação de biodiesel", afirma Silvio Rangel, diretor da Ecomat, indústria que desenvolve óleos vegetais no Mato Grosso.
Nivaldo Trama completa: o Brasil é o único país do mundo que produz soja durante 11 meses. "Na Europa são quatro e nos Estados Unidos são cinco meses. Aqui temos três safras anuais, temos matéria-prima para o biodiesel praticamente o ano todo", afirma. Essa facilidade de produção associada aos custos baixos compensaria o fato do teor de óleo de soja (de 18%) ser menor do que o de outras oleaginosas como a mamona (de 45% a 50%), o girassol (38% a 48%), a canola (de 40% a 48%) e a palma (22%).
Outro fator a favor da soja: os custos. Segundo Trama, a mamona, custa, na ponta US$ 1.000 a tonelada, a soja cerca de US$ 250. O óleo de soja também tem demanda mundial reprimida, concorre com o de palma produzido pelos asiáticos. "E aí podemos solucionar outro problema do biodiesel hoje no Brasil, que é o valor do litro na bomba, mais caro que o diesel comum", afirma Cláudio Zattar, diretor da rede mineira de postos de gasolina Ale, a primeira a comercializar o biodiesel no Brasil e que espera vender 22 mil toneladas do combustível este ano.
Segundo o executivo, o litro da mistura B2 custa cerca de R$ 0,02 a mais do que o do combustível comum. "É uma barreira, o consumidor não quer comprar o biodiesel só porque é ecológico e socialmente correto. Ele também quer preço", afirma.
No entanto para colocar a soja definitivamente na rota do biodiesel, os empresários esperam incentivos dos governos federal e estadual e aportes de empresas estrangeiras. A maior parte das lavouras de soja está no Centro-Sul e não são de agricultura familiar, portanto não tem isenção fiscal. "Uma ação possível para esse segmento é o governo estabelecer quanto vai pagar por litro e quantidade que vai comprar. Isso possibilita a programação dos investimentos. Uma usina de soja para ser rentável, por exemplo, precisa processar, pelo menos, 100 toneladas por dia", explica Trama.
Sobre os investimentos externos, algumas empresas estrangeiras estão sondando o mercado brasileiro. Trama conta que já recebeu visitas de um grupo de empresários alemães. O governo da Venezuela também já enviou representantes para entender o processo de fabricação de biodiesel.