São Paulo – Desde menina, Lúcia Helena Galvão encontrou na literatura um caminho para entender o mundo. Filha de uma família simples do Rio de Janeiro, mudou-se para Brasília aos 10 anos, quando o pai, bancário, foi transferido durante o período de expansão da nova capital.
Em meio às incertezas da infância, dois autores a acompanharam desde cedo. Como ela mesma recorda: “eu tinha uma afinidade muito grande por Khalil Gibran e por Machado de Assis. Esses dois me acompanharam desde os doze anos de idade”.
Ela não imaginava que, décadas mais tarde, o poeta, escritor, filósofo e artista libanês se tornaria um dos pilares de sua vida intelectual. A descoberta de “O Profeta” o livro mais famoso de Gibran, veio por acaso, em um exemplar antigo, riscado e já amarelado, encontrado em casa.
A leitura, que não era incentivada pelo pai, abriu para Lúcia uma nova forma de entender o sagrado. Foi em Gibran que a carioca encontrou uma espiritualidade íntima, profunda e livre. “Sempre digo que Gibran me apresentou a Deus e Machado de Assis ao homem”, resume, explicando a força simbólica que moldou sua vida intelectual.
A vocação para a filosofia só se confirmou depois de alguns anos na universidade. Primeiro ingressou em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB), aos 17 anos, acreditando que suas perguntas estavam no mundo lá fora. Na sequência, conheceu a filosofia acadêmica, mas não se identificou.
A mudança decisiva veio aos 23 anos, quando encontrou a Nova Acrópole, escola de filosofia à maneira clássica onde, segundo ela, as reflexões finalmente faziam sentido para a vida concreta. Tornou-se professora e nunca mais deixou a instituição, onde atua há 37 anos.
Gibran deixou de ser leitura e virou propósito
No ambiente da Nova Acrópole, Gibran voltou com força. Ao recitar trechos do poeta em eventos internos, percebia que muitos admiravam a beleza das palavras, mas compreendiam pouco de seu sentido simbólico. Daí nasceram as palestras que viriam a se tornar uma das produções mais conhecidas de Lúcia: uma série publicada no YouTube explicando “O Profeta”, capítulo por capítulo.
“É fundamental, porque quando a gente só lê, acha que é somente um jogo de palavras bonitas, mas a definição de Gibran sobre trabalho e religião é filosófica, muito completa, muito bem elaborada, que deveria ser levada em consideração” afirma.
O trabalho se expandiu para outras frentes. Fascinada pelas mais de 600 cartas trocadas entre Gibran e Mary Elizabeth Haskell, Lúcia dedicou palestras e poesias a esse material que considera indispensável para quem deseja compreender verdadeiramente o autor. “Ali ele diz o que não diz a mais ninguém”, afirma.
A relação profunda com o poeta culminou em um de seus projetos mais marcantes: a peça O Profeta, escrita em cerca de três meses. A produção buscava unir trechos originais da escrita do libanês com explicações que ajudassem o público a captar a mensagem.
O papel principal foi interpretado por Sami Bordokan, músico de origem libanesa, considerado por Lúcia “simplesmente perfeito” para encarnar Al Mustafá. Com canções compostas especialmente para o espetáculo, a peça percorreu cidades de todas as regiões do País e recebeu elogios de nomes como Leandro Karnal.
A trajetória foi interrompida pela morte repentina do ator, fato que impactou profundamente a equipe. Ainda assim, Lúcia acredita que a peça deve ser retomada. “A pessoa certa vai aparecer”, diz, convicta de que o projeto ainda tem uma missão.
Aos 61 anos, vivendo em Brasília e consolidada como uma das principais divulgadoras de filosofia no Brasil, Lúcia Helena segue ampliando o alcance do poeta que conheceu na infância. Para ela, Gibran continua sendo uma ponte entre o humano e o divino, e sua missão é manter essa ponte acessível às novas gerações.
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Reportagem de Rebecca Vettore, em colaboração com a ANBA


