São Paulo – “Tcharafna” é o que se diz quando se conhece uma pessoa, como um ‘prazer em conhecê-lo’”. É assim que o artista Gui Mohallem explica o nome da seção de seu site com fotos e vídeos de sua viagem ao Líbano. Ele conheceu o país de onde vieram seus antepassados como quem reconhece uma parte sua. “A gente é muito mais libanês do que percebe”, disparou ele, em entrevista por telefone à ANBA.
Mineiro de Itajubá, foi sentado à mesa com os primos libaneses que o artista reparou como eram parecidas as comidas e o hábito. “No Líbano, entendi uma coisa que não sabia antes. O café da tarde nos meus primos foi a mesma coisa que tinha [na minha casa] no Brasil. E sempre no mesmo horário. A única diferença é que lá eles tomam chá, e aqui era café. Quem trouxe essa cultura libanesa, do começo do século, foi minha mãe. E isso permanece da mesma forma até hoje”, revelou ele.
À mesa zattar, tomates, azeitonas, coalhadas e bolo. Às vezes, bolo com coalhada. A casa é da família formada por Rafic Youssef El Mouallem e Miriam Mohallem. O pai nasceu no Líbano e veio para o Brasil aos 19 anos. Já a mãe é filha de libaneses. Os dois contribuíram de diferentes formas para manter o contato com as origens, fosse na culinária, fosse nas palavras árabes ditas em meio aos jogos de baralho.
Gui Mohallem cresceu no sobrado, em cima da loja de confecção dos pais. A família também tem um sítio, onde já teve gado de leite, gado de corte, e tem plantações como de banana e café certificado orgânico. “Sempre frequento Itajubá. Mesmo viajando muito a trabalho, gosto de estar por perto, cozinhar com a minha mãe. Estar no sítio, onde meu pai planta figo, uva libanesa”, contou ele, que há 24 anos vive na capital paulista.
Fotografia e arte
O amor pelas artes veio em uma viagem para fora do País. “Sou o quinto filho de uma família grande, o temporão, então tive oportunidades como um intercâmbio. Lá, procurei fazer o que não conhecia. Fiz marcenaria, teatro, e tinha uma matéria que era audiovisual. Adorei e fui estudar Cinema e Vídeo, na Universidade de São Paulo”, disse.
Em paralelo à faculdade, Gui começou a fotografar. “Depois trabalhei para a Folha de S.Paulo, [revista] Bravo. Aí comecei uma carreira profissional de artista, expus em Nova Iorque em 2008, depois no Brasil. E já comecei a misturar fotografia e vídeo. Lancei meu primeiro livro em 2012, e foi o ano em que consegui um edital do Ministério da Cultura para ir ao Líbano”, contou ele.
Ir de novo ao Líbano
Com o material que desenvolveu a partir da viagem, o artista fez uma exposição que ficou em cartaz em Belo Horizonte, Minas Gerais. Já nessa primeira visita, o artista trouxe mais do que trabalhos. “No dia do aniversário do meu pai, quando ele fez 80 anos, eu voltei e trouxe um presente. Um vídeo com as pessoas da família contando histórias. Eu cheguei e fui direto na roça e eu lembro que ele assistia e começou a responder e eu expliquei ‘pai, eles não estão te ouvindo’. Ele falou ‘me deixa brincar’. Nesse dia, eu conseguia ver o olho dele e vi que estava chorando. Foi muito bonito”, contou.
Em uma espécie de troca de vídeo-cartas, o artista retorna ao Líbano em 2013 com um vídeo em que o pai responde a família. No caminho, Gui visitou ainda outro tio. “Os irmãos do meu pai estavam um no Líbano, outro na França, um em Brasília e o meu pai em Itajubá. Fiquei muito próximo do meu tio da França e, no fim de 2017, ele falou que queria que eu fosse buscá-lo para vir ao Brasil. Eu trouxe ele, e um mês depois, veio meu tio do Líbano. E aí ficaram os quatro irmãos pela primeira vez juntos em 54 anos”, lembrou.
A aproximação com a família e o próprio papel de elo ajudaram Gui a se conectar com sua própria história. “O Líbano é uma busca pelo pertencimento. Porque conviver com essas identidades, ser LGBT e ser libanês, a princípio era uma narrativa que não seria compatível. Então construir esse pertencimento, virar esse embaixador do meu pai, isso tudo eu já sendo ativista LGBT, é um grande passo de conciliação. Tem um trabalho meu que não tiro o mérito, mas também tem uma disposição dessa geração. De olhar para esse novo e ‘falar beleza, esse é meu filho e vamos juntos’”, destacou o artista.
No trabalho, outras misturas. Elas estão em plataformas como foto, vídeo, esculturas e instalações, como a última que fez no Museu Brasileiro da Escultura e da Ecologia, e na exposição que está em cartaz em Orlando, nos Estados Unidos. Elas também estão no trabalho como um todo, já que Gui também atua – e é fundador – na Vote LGBT, iniciativa que busca aumentar a representatividade de pessoas LGBT+ na política. “Incorporei as coisas do Vote LGBT dentro das artes contemporâneas. Nesse momento a vida estou em uma intersecção entre o trabalho de arte e de ativismo. E uma coisa alimenta a outra”, concluiu ele.
Contatos
Instagram: @gui.mohallem
Site: www.guimohallem.com