Débora Rubin
São Paulo – O ano era 1959. O local, Santa Rita do Sapucaí. A personagem central da história, Sinhá Moreira, uma mulher muito rica, bem relacionada e um tanto visionária. Ao retornar de uma viagem para o Japão, na década de 50, Sinhá Moreira estava encantada com o avanço tecnológico do país – que mesmo tendo acabado de sofrer os horrores da Segunda Guerra, já produzia tecnologia a todo vapor. Inspirada, ela criou a primeira escola técnica de eletrônica da América Latina, a Escola Técnica de Eletrônica (ETE). Estava plantada a semente. Hoje, Santa Rita é um dos mais bem sucedidos pólos de tecnologia do país, com 120 empresas que garantem 60% do PIB da cidade e empregam quase metade da população economicamente ativa de Santa Rita.
E se a cidade hoje é um exemplo de uma economia que se auto-sustenta, isso se deve aos investimentos em educação. Seis anos após a pioneira iniciativa de Sinhá Moreira, foi criado o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel). Ou seja, o aluno que se formava no Ensino Médio, não precisava mais sair da cidade para fazer faculdade. Hoje, o Inatel oferece até mestrado na área. Por fim, no começo dos anos 70, foi inaugurada a Faculdade de Administração e Informática (FAI) – o impulso que faltava para que a cidade tivesse não só engenhosos criadores mas também administradores com espírito empreendedor. Estava criada a base do que hoje é conhecido como o Vale da Eletrônica.
Mas foi só nos anos 80 que a interação entre o universo acadêmico e o empresarial começou a render frutos. "Percebemos que estávamos formando ótimos engenheiros e não estávamos aproveitando essa oferta de cérebros. Eles partiam para São Paulo, Rio de Janeiro e até para o exterior", conta Navantino Dionízio Barbosa Filho, que foi diretor do Inatel entre 1985 e 1990. "Foi aí que surgiu, de conversas entre as escolas e a administração pública daquela época, a idéia de fazer alguma coisa que gerasse empregos para a cidade, para que ela crescesse aproveitando essa vocação natural que as escolas propiciavam".
Navantino conta que, como diretor, ele começou a ter notícias de alunos que criavam produtos de forma precária, "dentro da República deles mesmo", e depois vendiam entre eles ou para parentes. "Quando fomos ver, existiam mais de 20 iniciativas surpreendentes que a gente nem conhecia", conta. Foi quando eles tiveram a idéia de organizar uma feira industrial na qual qualquer pessoa poderia expor, inclusive os alunos com suas invenções dignas de professor Pardal (personagem da Disney). A feira deu tão certo que hoje já é tradição na cidade. Naqueles tempos, Santa Rita não tinha muito mais que cinco empresas.
O passo seguinte foi a participação em uma feira do setor em São Paulo. Com a ajuda de um amigo publicitário, o pequeno grupo que reunia professores, empresários e políticos, criou o slogan Vale da Eletrônica, assumidamente inspirado no americano Vale do Silício. Durante a feira, eles distribuíram folders anunciando que a prefeitura oferecia benefícios para as empresas que se instalassem por ali. Clima de euforia. As empresas começaram a aparecer, os jornais fizeram matérias sobre a cidade e o que começou com uma escola inspirada no modelo japonês virou, de fato, o Vale da Eletrônica.
O Inatel logo viu que precisaria fazer algumas mudanças se quisesse manter seus alunos na cidade. Foi criada uma incubadora e os alunos passaram a ter aulas voltadas também para o empreendedorismo. "Hoje, o aluno não sai daqui apenas engenheiro. Ele sai com conhecimentos de legislação, tem que saber fazer um plano de negócios, enfim, sai pronto para ser empregado ou empresário", diz o Navantino. Referência em telecomunicações, a faculdade já formou quase cinco mil alunos desde a sua criação. A mensalidade é salgada, R$ 950. Ainda assim, atrai gente de todos os cantos do Brasil. "E temos programas de bolsa de estudos", avisa o Navantino, que ainda hoje é professor na faculdade.
Força-tarefa
Até 2006, eram 120 empresas no Vale. Juntas, elas faturaram R$ 650 milhões. Hoje, segundo o secretário de Ciência e Tecnologia da cidade, Elias Kallás, já existem mais 25 empresas, algumas ainda em fase de implantação. Desse total, a grande maioria é de micro e pequenas empresas. Poucas são grandes, umas quinze, no máximo. Um dos papéis da prefeitura, diz Kallás, é justamente fomentar o nascimento ou a ida de novas empresas para a cidade. "E damos sempre prioridade para as micro e pequenas empresas. Não que as grandes não sejam bem vindas. Mas são mais sensíveis às crises. Se uma empresa com 1,5 mil funcionários quebra numa cidade pequena dessas, é uma tragédia pública", explica Kallás.
A prefeitura também tem suas próprias incubadoras. A primeira, criada em 1999, tem como ênfase as empresas de TI (tecnologia da informação). A segunda, criada em 2006, tem como foco a eletrônica. Segundo Kallás, já há mais duas em fase de implantação, uma com foco em software e outra em agronegócios. "Se somarmos as nossas incubadoras com a do Inatel, seremos em breve cinco berços de criação de empresas. Como cada uma comporta entre 10 e 15 projetos, dá uma média de 50 a 60 projetos por ano. Considerando que cada uma pode ficar até três anos na incubadora, dá para dizer que em um futuro breve teremos de 10 a 12 novas empresas por ano", contabiliza o secretário.
Além das incubadoras, a prefeitura de Santa Rita tem um projeto ambicioso: criar um Parque Tecnológico de mais de um milhão de metros quadrados. A idéia é que ele comece a ser "habitado" pelas empresas já no segundo semestre deste ano. O Parque será construído numa fazenda comprada pela prefeitura a 20 quilômetros da cidade, próximo de outros municípios que também contam com Ensino Superior na área de tecnologia, tais como Pouso Alegre, Itajubá e até Campinas e São José dos Campos. Já existem, atualmente, condomínios industriais bancados pela prefeitura. Mas nestes, as empresas só usam o espaço como base até se estruturarem fora. O prazo máximo é de três anos.
Por fim, Kallás diz que ainda falta à cidade um centro de convenções para a Feira Industrial e outros eventos. "Atualmente usamos os espaços oferecidos pelas escolas, mas não é o ideal", diz. A prefeitura também já comprou o terreno para o centro.
Exportação de tecnologia
Do total do faturamento anual das empresas de Santa Rita, entre 20% e 25% vem da exportação. Apesar de parecer muito para uma cidade pequena, esse montante ainda está limitado a um pequeno grupo de empresas, normalmente as mais antigas ou de grande porte. Em dezembro, no entanto, o Sindicato das Indústrias de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares do Vale da Eletrônica (Sindvel) fechou um acordo com a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).
Durante um ano, o Sindvel vai contar com o know-how da Apex para participar de feiras internacionais, missões empresariais e cursos de capacitação para que os empresários associados ao sindicato (quase 100% das empresas da cidade) passem a exportar.
"Neste ano vamos participar de duas grandes feiras nos Estados Unidos e mais duas na Argentina. Além disso, faremos missões empresariais para os países vizinhos ao Brasil", explica Carlos Henrique Ferreira, vice-presidente do Sindvel e gerente do programa de exportação. Em junho, a cidade recebe dois grupos de compradores em potencial, um do México e outro do Chile. É a primeira vez que o Sindicato participa de iniciativas desse gênero.
Segundo Ferreira, o foco é a América do Sul para quem está começando. Não só pela questão da língua e da distância, mas também porque as exigências são menores. "As empresas mais tradicionais já exportam para Europa, Estados Unidos, entre outros países", conta o vice-presidente do Sindvel. A Linear Equipamentos, uma das mais antigas, criada em 1977, especializada em soluções para o transporte e distribuição de sinais de TV, por exemplo, já exporta para mais de 40 países.
Segundo Ferreira, o intuito é fazer com que as pequenas empresas tenham apoio necessário para exportar e, no futuro, que o pólo conquiste novos mercados, tais como os países árabes. "Produtos de qualidade e desejo de exportar nós já temos", anuncia.

