São Paulo – Após dois anos de pandemia, com 81% da população vacinada, a vida voltou ao velho normal no Brasil no segundo semestre de 2022. As lojas reabriram, grande parte dos brasileiros retomou o trabalho presencial, os sorrisos voltaram a aparecer sem as máscaras. Mas ao menos um hábito mudou para sempre: a forma de comprar. Estima-se que, por causa do confinamento, mais forte e restrito no primeiro ano da covid-19, em 2020, quase 20 milhões de brasileiros passaram a comprar através de ferramentas digitais, ou seja, quase 10% da população.
O e-commerce mais que triplicou nesse período. “Com as lojas e supermercados fechados, gente que tinha aversão ao digital não viu outra saída a não ser se adaptar e aderir”, diz Roberto Kanter, consultor de varejo e professor de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Também houve uma evolução nos meios de pagamentos, ficou mais fluído, menos complicado, o que ajudou nessa adesão”.
A forma de comprar e vender no Brasil mudou. Os grandes marketplaces, como Mercado Livre, Magazine Luiza (Magalu), Americanas e Amazon, que já ofereciam diversidade de produtos e agilidade na entrega, se tornaram ainda mais procurados pelos clientes na pandemia. Em contrapartida, ficaram ainda maiores e velozes. Somente o Magalu teve um crescimento de 149% nesses dois anos. O Mercado Livre investiu até em frota própria de aviões, no final de 2020, para entregar cada vez mais rápido. Novatos que chegaram há pouco tempo, como a Shopee, já ganharam os corações – e cartões de crédito – dos brasileiros.
“Houve muito investimento em tecnologia, em especial do Mercado Livre, que hoje é o principal marketplace no Brasil”, diz Ricardo Pastore, professor do Núcleo de Varejo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e consultor. “O Mercado Livre, assim como a Amazon, está sempre mudando o modelo e aprimorando a logística”. De origem argentina, a empresa é hoje um imenso conglomerado que inclui outras empresas, como o Mercado Pago e Mercado Envios. Presente em 18 países, somente o Brasil representa 56% da receita líquida total da empresa (veja mais números da gigante do varejo no quadro acima).Pequenos também deram seus saltos. Vendas via Instagram, Facebook e WhatsApp garantiram a sobrevivência de quem precisou fechar as portas por meses. “A pandemia ainda acelerou o empoderamento dos vendedores, que tomam iniciativas e disparam ofertas pelos múltiplos canais. Todo mundo virou um shoptime ambulante”, diz Kanter. Vide a epidemia de livestream com ofertas da semana que perdura até hoje em muitas lojas físicas.
Essa mescla de físico e digital, que também veio para ficar e deve se aprimorar cada vez mais, já ganhou até nome: phygital. Conceito que inclui desde novidades futuristas como lojas onde não há caixas e tudo é feito pelo celular, inclusive o pagamento (como a Amazon Go, nos Estados Unidos), até coisas mais prosaicas como o restaurante que posta o cardápio todos os dias no status do Instagram e o envia aos clientes pelo WhatsApp. Ao longo da pandemia, especulou-se muito sobre inovações como tours virtuais por lojas com óculos 3D, aplicativos para provar uma roupa online, entre outras tecnologias que ainda são mais – como diria o professor Kanter – “para vender palestras e livros” que realidade. “São tendências, e como tais podem se concretizar ou não”, diz.
Para vender no Brasil
Com o e-commerce crescendo a cada ano no País, qualquer pessoa que deseja entrar no varejo brasileiro precisa estar presente online. Pode ser uma mera página de Instagram criada especialmente para vender itens importados do Líbano, ou a loja de um comerciante egípcio dentro do Mercado Livre.
O importante é lembrar que ninguém mais sai de perto do celular, o que o torna um instrumento de compra muito poderoso, uma espécie de supermercado 24/7, com uma infinidade de produtos e ofertas e sempre à mão. E que brasileiro ama rede social: somos o terceiro país do mundo que mais usa as redes, com 150 milhões de usuários acessando diariamente (conectando às 8h e desconectando às 22h, de acordo com um levantamento feito pela empresa de software NordVPN). Outra pesquisa, sobre hábito de compras feita pela CapTerra (também de software), diz que mais de 62% dos brasileiros já compraram via redes sociais. Logo, estar no Brasil significa estar dentro desses ecossistemas.
Pastore afirma que o Brasil está fora da rota mundial, é um lugar difícil chegar, e que não é fácil entender as burocracias locais e lidar com o custo Brasil. “Mas graças ao online, hoje é mais fácil estar aqui. Antes, um estrangeiro que queria vender no País tinha que contratar representando comercial, equipe, gastar uma grana. Hoje, com o marketing digital, parcerias e estratégias B2B (business to business, entre empresas), facilitou muito”.
Ainda assim, o consultor aconselha: é preciso conhecer o Brasil. Estudar o que funciona e o que não dá certo para cada produto. Vale a pena criar uma loja virtual dentro dos grandes marketplaces apenas para vender azeitona? Ou é preciso estar nos atacarejos? Compensa vender a granel e embalar aqui para baratear o produto? Isso tudo vai depender do preço pelo qual se quer vender e o público que se pretende atingir. Para quem vende alimentos, é importante lembrar a importância que os supermercados têm na vida do brasileiro: mesmo com os hábitos online pós pandemia, o consumidor daqui ama bater perna em mercado. “Hoje, os atacarejos respondem por 50% da venda dos alimentos no Brasil. Se uma marca de azeite estiver em apenas dois atacarejos brasileiros, já chegará em 20%, 30% do mercado consumidor com apenas dois clientes”, calcula Pastore, que destaca ainda o sucesso dos minimercados, como a rede mexicana Oxxo, que não para de crescer.
Para Kanter, se o objetivo é ser conhecido e vender o máximo possível, é preciso estar em todos os lugares através do que ele chama de estratégias de penetração. Se é um produto do ramo de alimentação, ele tem que estar nos mercados de todos os tamanhos, nos restaurantes, em especial os que entregam via iFood (outra empresa que teve um crescimento exponencial durante a pandemia), nas lojinhas online dos grandes hubs e em lojas físicas de parceiros. Se é roupa ou eletrônico, a presença online deve ser ainda mais forte.
Também é fundamental conhecer os hábitos de compra dos brasileiros. O Natal, por exemplo, ainda é a data com o maior número de vendas, sendo roupas e itens de valor mais baixo os mais procurados. A Black Friday, em novembro, que já se estabeleceu como uma importante data no calendário nacional, tem como foco produtos de tíquete mais alto como eletrônicos e eletrodomésticos. “As pessoas esperam pela data para trocar o celular, o computador, a geladeira com um desconto mais generoso”, diz Pastore.
Por fim, lembrar que há um enorme campo para crescer com produtos importados por aqui. “O Brasil trabalha mal os importados, baixa muito a régua do produto”, acredita Pastore. “Não temos as melhores azeitonas do mundo, os melhores azeites do mundo, os melhores vinhos do mundo. Mas vale a pena investir, conhecer e se adaptar. É um mercado enorme e sempre ávido por novidades”.
Voo livre
Um dos azeites mais conhecidos do público brasileiro, o português Andorinha, presente nas mesas dos restaurantes e nas gôndolas dos mercados, também aderiu ao modelo online. Em 2021, eles lançaram o site www.compreandorinha.com.br, que fica dentro da plataforma do Mercado Livre. Na lojinha virtual, há todo o portfólio da marca, que pertence ao grupo Sovena, incluindo produtos com foco em um público mais exigente e amante de azeites, como o Andorinha Criações do Brasil por Bela Gil e o Andorinha Primeira Colheita, feito com azeitonas mais frescas e jovens. Entre as vantagens de comprar online, há o parcelamento em até 12 vezes e entrega no mesmo dia, a depender da cidade (algumas capitais como São Paulo e Salvador). De acordo com a empresa, a presença digital é cada vez mais determinante na construção da interação diferenciada com os consumidores. A Andorinha está há mais de 90 anos no Brasil e domina 25% do mercado de azeite importado.
*Reportagem de Débora Rubin, especial para a ANBA.