São Paulo – Mais eficientes, sustentáveis, práticos e naturais. Assim deverão ser os produtos a partir da pandemia global provocada pela covid-19. Mas essas características, sozinhas, não serão suficientes para garantir a longevidade das empresas nem o sucesso das vendas, seja na loja, na prateleira do supermercado ou nas vendas pela internet. A pandemia vai criar novos hábitos e tendências.
De acordo com a economista e professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Cristina Helena Pinto de Mello, as tendências de consumo decorrentes da pandemia deverão ser divididas entre renda e faixa etária. Para os consumidores de renda baixa, espera-se poucas mudanças nos hábitos de consumo pelo fato de eles já conviverem com a falta de dinheiro. Deverão buscar produtos com preço atrativo e de qualidade.
Já quem tem renda alta buscará produtos com maior valor agregado, procedentes de pequenos produtores, locais e que contribuam para o ecossistema global. “O que deverá acontecer aqui, e já temos visto em outros países, é um boom de consumo inicial, à medida que as pessoas saem de casa, mas um consumo que não deverá perdurar, que deverá representar mais a vontade de estar em um lugar do que o consumo propriamente dito”, diz Mello.
Uma característica observada pela economista e que atinge as classes média e alta é o fato de não terem no momento da pandemia os seus auxiliares domésticos dentro de casa. Isso os faz executar hábitos que antes não realizavam. Por isso, pode-se esperar uma demanda por produtos de uso mais fácil e intuitivo, embalagens mais leves, práticas e recicláveis. Ela avalia, também, que os jovens deverão buscar o contato com outras pessoas, enquanto os mais velhos deverão ser mais cautelosos ao circular fora de casa.
Mello destaca, ainda, que serviços de carona por aplicativo deverão ter queda na demanda em razão da proximidade entre motorista e cliente. Por isso, quem vendeu o automóvel no passado e aplicou o dinheiro para usar os serviços de aplicativo poderá voltar a ter no carro próprio um refúgio e uma segurança. Mas, ao mesmo tempo, a indústria automobilística vai enfrentar o desafio de entregar ao consumidor o carro que ele deseja em centros urbanos já congestionados e com altos custos em impostos e manutenção.
Coordenadora da pós-graduação em Marketing no Varejo do Centro Universitário Senac, a professora Evange Elias Assis diz que algumas tendências já observadas antes deverão continuar a influenciar a decisão do consumidor, como a busca por qualidade de vida e mais consciência ambiental: “Cada setor deverá entender quais são as expectativas do seu público e oferecer produtos e serviços adequados à demanda, com os quais seus consumidores se identifiquem. Isso pode significar repensar o tamanho, o material da embalagem, os ingredientes, os componentes do produto, os canais de venda e distribuição, a maneira de atender seu cliente, ou ainda a forma de se relacionar com os stakeholders, dentre muitas outras adaptações possíveis”, afirma Assis.
Já o comércio online deverá ver sua participação crescer no consumo das famílias. Assis cita uma pesquisa da consultoria norte-americana McKinsey & Company, que mostra que 40% dos brasileiros entrevistados estão comprando mais online durante a pandemia e que aproximadamente 40% deverão manter este hábito após a crise. As vendas online já estavam crescendo antes da covid-19, o que deverá se consolidar. Mas, mesmo com essa nova realidade, o e-commerce pode enfrentar alguns desafios no Brasil. “O brasileiro gosta de ver o produto, de tocar o produto antes de comprar. Pode até ser que compre pela internet, mas só depois de vê-lo fisicamente”, diz Mello.
Nesta nova realidade pós-pandemia, restaurantes deverão apostar mais em entregas por delivery e o home office deverá ser cada vez mais comum para as empresas que mantêm funcionários em escritórios. Isso deverá acontecer, na avaliação de Mello, porque o custo físico de se manter um imóvel é elevado e, por isso, esse custo pode vir a ser eliminado.
“O home office vai continuar, pelo menos por alguns dias da semana, porque não teremos uma volta intensiva (aos locais de trabalho), então não é inteligente desmontar essa estrutura. O espaço será um custo desnecessário. Então, produtos que facilitem o trabalho em casa deverão se manter como opção após a pandemia”, diz. Ela afirma que até construtoras deverão mudar os projetos dos condomínios. Uma área de lazer que antes propunha a aglomeração poderá, a partir de agora, ser projetada para propor a individualização.
Tanto Mello como Assis afirmam, porém, que uma característica da nova economia já é um fato: a queda na renda. “Observamos que a insegurança com relação à economia, o medo de perder o emprego, a diminuição da renda afetam muito as intenções e prioridades de compra. As pessoas se planejam para comprar o necessário. Os consumidores estão mais conscientes, críticos e bem informados”, diz Assis.
* Reportagem de Marcos Carrieri, especial para a ANBA