São Paulo – O novo patamar de preços do petróleo em torno de US$ 60 por barril pode mudar o mapa da economia mundial e colocar as nações árabes num dos maiores desafios da sua história recente. Donos de algumas das maiores reservas de petróleo do mundo e capazes de explorar a commodity a custo baixo, os países do Golfo terão que lançar mão, no futuro, de novas formas de se sustentar, pois outras fontes de energia deverão cada vez mais ocupar o espaço que hoje pertence aos derivados do petróleo.
Diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires observa que os preços do petróleo têm ciclos de preços altos e baixos. Foi assim nos anos 1970, no fim dos anos 1980, nos anos 1990, ocorreu novamente com a crise econômica de 2008 e agora se repete. Em junho, o barril de petróleo tipo Brent era cotado a US$ 110. Em 15 de dezembro, foi negociado a menos de US$ 60. Quando o preço do petróleo voltar a subir, contudo, talvez não tenha uma valorização como nos ciclos anteriores.
“A demanda está mudando devido à questão climática e à necessidade de desenvolver as outras fontes de energia. Já temos mais carros elétricos e híbridos. Quando o crescimento [econômico] voltar, ele não deverá vir mais da indústria, como ocorreu no passado. Após o ciclo de preço baixo, a tendência é o petróleo perder força como matriz energética. Ele está ficando velho como fonte principal de energia. O mundo vai deixar de consumir petróleo não porque ele vai acabar, mas porque as matrizes energéticas irão mudar”, diz Pires.
Custos e gasto social
Economista e professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP), Edmilson Moutinho dos Santos observa que os grandes produtores de petróleo árabes experimentaram grande crescimento econômico até a crise de 2008, quando os preços estavam altos. Além de investir em projetos dentro de seu território, nações do Golfo fortaleceram seus fundos soberanos em busca de ativos em outros países.
Agora, afirma Santos, talvez os países árabes precisem utilizar parte das reservas soberanas para compensar as perdas com a receita do petróleo e manter o consumo da população, que é um dos motores da economia. E, mesmo tendo os custos de produção mais baixos do mundo, essas nações têm desafios. “Há a tendência de que os árabes ‘voltem para casa’, usem o dinheiro em que é possível mexer (que não está aplicado em projetos de longo prazo) para financiar sua jovem população e alimentar o consumo”, diz.
“A despesa com a produção de petróleo pode ser baixa nos países árabes, mas por outro lado este preço baixo paga pelos custos da elite, pelos custos da juventude, esses países (do Golfo) têm poucos impostos, têm um custo fiscal enorme, concedem muitos subsídios e têm pouca eficiência energética. O petróleo acaba pagando esse elevado gasto social. Nos Estados Unidos, o custo de exploração de petróleo a partir da fratura de rochas é conhecido, entre US$ 70 e US$ 80. Mas a exploração barata nos países árabes tem outros custos”, observa.
Brasil e árabes
A relação comercial entre o Brasil e os países árabes não deverá ser prejudicada pela recente queda nos preços do petróleo, pelo menos não por enquanto. Santos lembra que o Brasil se beneficiou de uma relação próxima com nações do Oriente Médio nos anos 1970, quando a situação econômica brasileira era ruim. Na ocasião, o País fez parcerias com nações árabes, que garantiram fornecimento de petróleo.
“O Brasil pagava com produtos, como armas e automóveis, e com serviços de engenharia. As empresas deste setor tiveram oportunidades que não teriam em outras condições. Isso acabou em 1991, com a primeira guerra do Golfo e quando as exportações de petróleo iraquianas foram limitadas”, recorda Santos. A partir deste momento, o Brasil concentrou suas vendas aos árabes em alimentos e commodities, diversificou os fornecedores de petróleo e passou a explorar suas próprias reservas.
O Brasil é um grande fornecedor de alimento aos árabes até hoje. Como alimentos são produtos essenciais, os árabes não deverão deixar de importá-los do País neste momento. “No curto prazo, [as vendas] aos países árabes não deverão sofrer grandes impactos porque eles compram alimentos do Brasil. Talvez as exportações brasileiras a estas nações se reduzissem se exportássemos produtos de luxo, ou manufaturados a eles”, analisa Santos.
Diretor-geral da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Michel Alaby aposta também na manutenção das relações comerciais entre árabes e Brasil. “Eles poderão ter uma elasticidade de consumo menor, mas o consumo de alimentos não vai cair. Eles mantêm a propensão de comprar porque alimento não se para de consumir. Talvez comprem menos produtos supérfluos ou menos essenciais. Pode ser que exista um impacto no setor de construção civil com a redução dos cronogramas de execução das obras”, avalia Alaby.
Em 2013, o Brasil exportou o equivalente a US$ 14 bilhões aos países árabes. Os principais produtos exportados foram carnes e derivados, e os principais compradores foram Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Argélia. No sentido contrário, o Brasil importou o equivalente e US$ 11,4 bilhões, principalmente em petróleo, derivados e fertilizantes. Os principais fornecedores foram Arábia Saudita, Argélia, Marrocos e Kuwait.
Quem ganha
O contexto atual de petróleo barato poderá beneficiar os países que importam a commodity. “Os maiores beneficiários desta mudança de preços são China, Egito e Jordânia, países que importam e irão pagar pouco”, afirma Alaby.
Já Santos observa que esta é a oportunidade para economizar com subsídios e investir em setores importantes. “Os países podem aproveitar o momento para mudar suas leis de subsídios, afinal o preço baixo não resultará em aumento de preços aos consumidores. Em tese, os governos poderão se beneficiar desta situação ao controlar a inflação, estimular sua economia e reduzir sua consciência energética. Também poderão não repassar essa queda de preço aos consumidores, manter os impostos e aproveitar que todos já estão acostumados com o preço local dos combustíveis, e tributar o importador de petróleo, que está pagando pouco. Isso pode ajudar o governo a investir em saúde, educação, comprar armas”, diz.
A Petrobras também deve ganhar com esta nova realidade, mas não no curto prazo, pois passa por uma fase turbulenta, enfrentando denúncias de corrupção. Até a terça-feira (23/12), a companhia não havia divulgado o balanço do terceiro trimestre, apenas resultados operacionais. Além disso, suas ações perderam metade do valor em um ano.
Além desses problemas, a Petrobras tem pela frente o desafio de explorar o petróleo da camada de pré-sal num momento em que os preços não ajudam as empresas que têm dívidas elevadas e planos de investimento ambiciosos. É o caso da Petrobras.
A boa notícia é que a companhia, segundo Santos, tem “gordura” e pode ser uma empresa mais eficiente. Ela pode, por exemplo, trocar fornecedores e se beneficiar da produtividade de seus poços. Além disso, tanto Alaby quanto Santos afirmam que a Petrobras, que é uma estatal, tem o apoio do governo para executar seus projetos.
Quem perde
O preço do petróleo está baixo porque a oferta do produto está elevada e a demanda, baixa. Embora os Estados Unidos estejam se recuperando da crise de 2008, outros “motores” da expansão econômica não conseguem sair da crise. É o caso dos países europeus, Japão e países emergentes. A China ainda cresce a um ritmo de 7% ao ano, porém, abaixo do esperado.
No fim de novembro, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) se reuniu e decidiu manter a produção em 30 milhões de barris por dia. A decisão foi adotada pelos 12 países que compõem a entidade, mas não agradou a todos. A medida foi uma aposta de países com custo de exploração baixo e orçamento equilibrado, como é o caso da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos.
Estes países apostam que os produtores dos Estados Unidos não deverão aguentar por muito tempo explorar petróleo a partir das rochas a um custo de US$ 70 se o preço do barril se mantiver em torno de US$ 60. Por isso, creem que o preço da commodity não deverá demorar a subir. Algumas estimativas indicam que os sauditas produzem petróleo a um custo menor do que US$ 10 por barril.
Pires afirma, porém, que qualquer mudança na cadeia de produção não ocorre rapidamente. Ele acredita que os países exportadores de petróleo terão que cortar gastos e avalia que o preço da commodity não deverá ter grandes aumentos nos próximos quatro anos.
Venezuela e Rússia já têm problemas pela frente. Os dois, que são grandes exportadores, fizeram seus orçamentos e gastos com base em um preço maior para o barril de petróleo. “Os países que dependem das receitas do petróleo e não têm uma economia tão bem organizada terão problemas. É o caso de Rússia, Venezuela e Nigéria. Já aqueles que têm foco na boa administração e não têm gastos elevados poderão consumir menos, mas estes têm uma propensão a usar mais suas reservas para investimentos em infraestrutura, por exemplo. É o que deve ocorrer com Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos”, afirma Alaby.
Essas são as tendências, mas Santos observa que nem sempre o que foi imaginado ocorreu. “Não há porque esperar uma mudança substancial nos preços do petróleo em pouco tempo. Mas já houve ocasiões em que não se esperava grandes mudanças e o preço disparou ou caiu em pouco tempo”, alerta.


