São Paulo – Em um mundo ameaçado pela redução do verde e pelo aquecimento global, uma organização não governamental do estado de Rondônia, no Norte do Brasil, faz um trabalho diário e persistente na contramão do desmatamento, levando a floresta de volta para lugares de onde ela saiu. Trata-se da Rioterra, considerada a maior restauradora da Amazônia brasileira e responsável por já ter recuperado seis mil hectares.
A Rioterra trabalha com projetos socioambientais e além de atuar bem junto à floresta, como na restauração, vem apoiando o estado de Rondônia na construção da lei de mudanças climáticas, que foi aprovada no final do ano passado. A sócia-fundadora e presidente da Rioterra, Fabiana Barbosa (foto), concedeu entrevista à ANBA durante a Rondônia Rural Show, feira multissetorial que ocorreu em Ji-Paraná, no mês passado.
A ONG foi fundada em 1999 e o trabalho de restauração na Amazônia acontece há mais de 12 anos. “Há 23 anos, um grupo de amigos se juntou e fundamos a Rioterra. Eu tinha 17 anos”, contou Fabiana. A entidade tem três eixos de atuação: a redução da vulnerabilidade social, a conservação da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas, com o incentivo ao reflorestamento e à manutenção da floresta em pé. A ONG já recebeu o título de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) pelo Ministério da Justiça do Brasil.
“Trabalhamos no combate à vulnerabilidade social porque para entender a importância da conservação ambiental e da biodiversidade, as pessoas que vivem na floresta precisam ter garantidas as suas necessidades básicas. A conservação da biodiversidade é o eixo ambiental, com a restauração de ecossistemas. E [o outro eixo é] a mitigação das mudanças climáticas, em que hoje temos linhas de projetos em que conseguimos acessar mais recursos e investimentos”, disse Fabiana.
A presidente conta que o Brasil tem feito vários acordos por ser um País que emite muitos gases de efeito estufa (GEE) com a retirada da floresta. “O desmatamento hoje no Brasil é o maior responsável pelos gases de efeito estufa”, informou.
Em 2020, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou uma iniciativa chamada Década da ONU da Restauração de Ecossistemas, que visa, em dez anos (até 2030) trabalhar com a restauração em países que têm como principal emissão a retirada da floresta. “O Brasil fez vários acordos para estar alinhado com essas políticas. A Rioterra alinha todos os seus projetos a essa iniciativa, aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e aos acordos climáticos, como o acordo de Paris”, disse Fabiana.
Um dos projetos da Rioterra é o Foresting 4US (em tradução livre, algo como “florestando para nós”), que tem como meta plantar 50 milhões de árvores até 2030. A campanha visa conectar pessoas e integrar ações pela restauração de áreas desmatadas da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia. O projeto já produziu 7,5 milhões de mudas até hoje, plantadas em seis mil hectares.
O viveiro Rioterra, que fica em Porto Velho, na capital do estado, tem capacidade para produzir 2 milhões de mudas por ano, e a coleta das sementes para essa produção vem de uma unidade de conservação federal chamada Floresta Nacional (Flona) do Jamari, que faz parte do bioma amazônico.
O viveiro tem 120 espécies nativas. Cerca de cinco delas são ameaçadas de extinção. Elas vêm de um banco de 600 árvores georreferenciadas marcadas na Floresta do Jamari e mais 300 porta-sementes em propriedades particulares. “Todas essas informações estão em um banco de dados. Nossos coletores vão fazer a coleta e nós sabemos quanto ele coletou de cada árvore, como está a saúde dela, entre outras informações”, disse.
“Cada árvore desmatada é um bioma, né?”, reforçou Fabiana. Com a conservação da floresta em pé e a cadeia de restauração, os animais retornam, a água retorna, todo um bioma é recuperado.
Hoje, a Rioterra tem 120 mil pequenas propriedades cadastradas nesse dispositivo do código florestal. “Precisamos recuperar áreas de mais de 90% [dessas propriedades] e o mercado internacional hoje está alinhado a essas leis internacionais de acordos que fizemos. O que o estado precisa fazer é dar condições para esse agricultor recuperar essas áreas e colocar seu produto no mercado atendendo a esses requisitos que o mercado internacional está pedindo”, disse.
Ou seja, é um caminho sem volta. Os agricultores precisam acessar créditos financeiros para produzir e precisam adequar essa produção, que hoje o mercado internacional pede que seja de áreas legalizadas, adequadas e regularizadas ambientalmente. “E para isso, a cadeia da restauração estar colocada em funcionamento é essencial. Eu trabalho com isso há mais de 12 anos, tanto para a cadeia da restauração quanto estudando essa questão da mitigação das mudanças climáticas”, disse Fabiana.
Vocação
“Os agricultores, seja pequenos, médios ou grandes, precisam se adequar para colocar a produção fora do País. Essa até hoje é a vocação do estado de Rondônia e a Rioterra vem trazendo essas propostas de colocar os agricultores regularizando ambientalmente seja qual tamanho for, e propondo projetos que aliem esse retorno econômico para eles também, tanto pela cadeia da restauração quanto por metas de créditos de carbono”, disse a presidente.
Como a Rioterra desenvolveu esse know-how e acumulou experiência para entender o que é o mercado de carbono e a cadeia de restauração, o estado de Rondônia convidou a entidade para ajudar a construir a lei de governança climática, que foi aprovada no ano passado.
“Agora, passamos para grupos de trabalho para construir diretrizes e normatizar como vai funcionar o mercado de carbono em Rondônia, o pagamento por serviços ambientais, a cadeia da restauração, então agora a gente caminha com essa ferramenta, de como vai funcionar aqui no estado. Seja para o governo, seja pra empresas privadas”.
As leis internacionais estão cobrando o mercado, e a conversão da floresta para a produção não é bem-vista. Mas Rondônia já tem uma produção estabelecida, então o que fazer? Fabiana aponta que hoje, o mercado pede regularização ambiental, preservação de áreas onde tem água nas propriedades, manutenção da floresta em pé, resgate da floresta onde havia desmatamento legal.
“E as próximas intensividades das lavouras, vir com arranjos de espécies florestais, de sistemas agroflorestais, a conversão de um adubo, a inserção de espécies florestais, isso tudo agrega valor, e regularizar ambientalmente que é o que a maioria do mercado pede, garantir que aquele produto não está vindo de uma área ilegal, uma área desmatada ilegalmente. Incluir a rastreabilidade, são tecnologias para regularizar ambientalmente. Tudo isso torna a produção sustentável”, informou Fabiana.
Investimentos
A Rioterra tem duas fontes de investimento, os editais governamentais, como é o Fundo Amazônia, que foi desbloqueado no início deste ano, e os investimentos privados que vêm de fundos privados. A Rioterra recentemente recebeu um investimento de R$ 85 milhões de fundos privados para trabalhar com projetos de restauração; um voltado a créditos de carbono, especificamente, nas áreas de restauração, e outro para trabalhar cacau e carbono.
Existe um terceiro modo de trabalho que é o blended finance, que significa mesclar as fontes de financiamento. “Hoje o Fundo Amazônia e o BNDES estão muito abertos a isso”, afirma. “Se o projeto custa R$ 50 milhões, o BNDES se propõe a financiar 50% e a instituição busca financiar os outros 50% com fundos privados”, diz.
A jornalista viajou a convite da Secretaria do Desenvolvimento Econômico de Rondônia (Sedec).
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