São Paulo – Pela primeira vez a Palestina apresenta aos seus moradores um quadro de Pablo Picasso. "Buste de Femme" ("Torso de Mulher") está exposto em Ramallah, na Cisjordânia, desde 24 de junho e poderá ser apreciado até o próximo dia 20 na Academia Internacional de Arte Palestina (IAAP, na sigla em inglês).
Ter um quadro avaliado em US$ 7 milhões no território ocupado não foi tarefa fácil. Começou em 2009 e foi preciso dinheiro de patrocinadores. Mas não foi tão difícil quanto passar pelos bloqueios israelenses. Mesmo depois de todas as dificuldades, o quadro, agora, pode ser observado pelos palestinos.
Com um metro de altura e 80 centímetros de largura, “Buste de Femme” retrata uma das mulheres de Picasso, Françoise Gilot, com quem ele teve dois filhos, Claude e Paloma. O quadro é considerado um dos melhores exemplos do expressionismo (movimento artístico que se destaca pela distorção das formas) de Picasso. Foi pintado em 1943, no mesmo ano em que ele, com 62 anos, conheceu Françoise, de 21.
A ideia de apresentar um quadro de Picasso aos palestinos surgiu no começo de 2009, quando o diretor artístico do museu, Khaled Hourani, decidiu que poderia trazer à região uma tela feita por um pintor famoso. Quem escolheu "Buste de Femme" foram os alunos da IAAP. Em setembro de 2010, Hourani entrou em contato com o Van Abbemuseum, da Holanda, dono do quadro. Após encontrar parceiros para levantar os US$ 200 mil necessários para tornar o projeto realidade, o museu holandês concordou em emprestar a peça à academia de arte palestina.
O dinheiro veio de doações de pessoas e de instituições como a Doen Foundation e a Mondriaan Foundation, ambas holandesas, além de instituições da Grã-Bretanha e da Palestina. De acordo com a coordenadora do projeto “Picasso na Palestina” e uma das curadoras da exposição, Fatima Abdulkarim, o quadro deixou o aeroporto de Eindhoven, na Holanda, e foi desembarcado no Aeroporto Internacional Ben Gurion, em Tel Aviv, Israel.
Para chegar ao seu destino, na Cisjordânia, a obra precisou passar por diversos postos de fronteira. Em cada um deles, soldados israelenses conferiram a documentação dos objetos. “Eles não nos permitem nada", afirma Fatima.
Ela acrescenta que os organizadores contrataram uma empresa palestina para escoltar a peça do aeroporto até Ramallah, mas, posteriormente, foram obrigados a contratar uma companhia israelense para levar a pintura do terminal aéreo até o posto de Qalandia, uma das passagens para a cidade palestina. Deste posto até o local da exposição, a pintura ainda percorreu 15 quilômetros escoltada pelos palestinos.
A exposição foi considerada histórica. “Milhares de pessoas de todos os cantos da Palestina já visitaram a exposição. Recebemos centenas de pessoas, muitos jovens, todos os dias”, diz Fatima.
Embora afirme que a tela esteja completamente a salvo na Palestina, Fatima reconhece que as condições não são as ideais. “Somos uma academia de arte, não um museu. Temos nossa segurança, nossos padrões. É claro que não é como um museu, não temos as luzes adequadas para exibição, não temos exato controle de temperatura e umidade dentro da sala”, afirma. Algumas adaptações foram feitas para a IAAP receber a tela.
O projeto não se resume à exposição. Tudo o que acontece na viagem de "Buste de Femme" deve virar documentário em 2012. A passagem desta tela pela Palestina é também um teste e pode determinar a chegada de outros quadros à região. “É um exame do que significa trazer uma pintura como esta para dentro da Palestina, enquanto nós não temos uma referência política ou legal", diz Fatima.
Além dos resultados políticos e diplomáticos que pode trazer, a exibição de um quadro de Picasso exerce outro tipo de influência. “Isto tem um significado cultural, no modo como está abrindo nossos olhos para muitas coisas, e nós testamos também a resistência e as capacidades das instituições culturais palestinas para, por exemplo, ter nosso próprio museu”, afirma a coordenadora do projeto. “A Palestina não passa por uma revolução. Essa, porém, é a revolução de Picasso”, completa.