São Paulo – Dar voz à causa de sua vida foi o que moveu Fernando Botelho a se candidatar a uma das bolsas da Expo Live, braço socioambiental da Expo Dubai 2020. Ele foi o único brasileiro até agora a ser selecionado pelo programa, e o resultado foi ‘Letícia’, voz artificial que torna acessíveis as tecnologias a pessoas com deficiência visual.
E o currículo do brasileiro é extenso. Botelho já trabalhou em Nova Iorque, Zurique e Genebra. Ele também é deficiente visual, e é empreendedor social na consultoria que criou, a F123. “Já tínhamos a ideia de desenvolver uma voz de baixo custo e alta qualidade. Não é fácil achar um apoio financeiro com projetos assim inovadores, especialmente porque não iria gerar dinheiro, então tínhamos a ideia, mas não tínhamos começado a implementar. Quando apareceu a oportunidade achamos que seria fantástico”, explicou ele, que há dois anos passou no processo da Expo Live para empreendedores sociais.
Gratuita, a tecnologia consiste em um software que é o leitor de tela. É uma das chamadas tecnologias assistivas, que dão mais acessibilidade a atividades do dia a dia, como, por exemplo, é uma cadeira de rodas. “Leitores de tela são os mais comuns para pessoas que não enxergam. É uma forma diferente de fazer as mesmas atividades. Nós nos concentramos em um projeto que aumentasse o acesso a softwares de baixo custo, queríamos distribuir gratuitamente. A equipe tem eu, minha esposa, e muitas outras pessoas de sete países diferentes. A maioria são cegos desenvolvendo software ou fazendo traduções”, contou Botelho.
O app foi lançado em setembro de 2019, mas sem orçamento de marketing, ainda é divulgado no “boca a boca”, dependendo muito de compartilhamento dos usuários. As instruções para instalar o app estão nesta página do site da F123. A voz inclui 3.300 frases, em mais de nove horas de gravação com altíssima qualidade. E para chegar a um produto que não soasse robótico e, sim, natural, foi uma cantora quem emprestou sua voz ao aplicativo. O nome da tecnologia, inclusive, é o segundo nome da cantora Sara Letícia, que também é deficiente visual.
O núcleo principal da equipe foi todo formado por pessoas cegas: uma desenvolvedora de software, um especialista em linguística, e o próprio Fernando Botelho, que gerenciou os processos. A voz funciona tanto em celular quanto em computadores.
Botelho ainda não sabe como será a participação dos projetos contemplados pela Expo Live durante a feira Expo 2020, em Dubai. “Fomos o primeiro projeto no Brasil a ser apoiado por eles. Eles estão aumentando a divulgação e espero que tenhamos mais projetos. Ainda está em processo de organização, sendo definido se vamos fazer apresentação em estilo Ted Talk, ou demonstração, ou workshops onde ensinamos crianças cegas a montar seu próprio computador”, pontou ele.
Sociólogo com mestrado em Relações Internacionais, Botelho se dedica a desenvolver tecnologias de baixo custo para pessoas com deficiência desde 2007. “Eu morei fora muito tempo. Vi que toda pessoa com deficiência tem um grande potencial, mas que não é realizado por falta de tecnologia adequada. Sempre me considerei privilegiado por conta dos meus pais [terem condições], mas muita gente de países em desenvolvimento não tem esse acesso. Quis fazer um projeto que democratizasse esse acesso porque 80% das pessoas com deficiência moram em países em desenvolvimento”, relata.
Em sua trajetória, ele já havia liderado, em Nova Iorque, o desenvolvimento do eSightCareers, primeiro serviço na web visando oportunidades de trabalho para pessoas com deficiência visual. E, agora, além de ‘Letícia’, está desenvolvendo outros dois projetos com o apoio da Expo 2020. “Me dediquei sempre a acesso à tecnologia para pessoas cegas. E não tenho pensado em parar. Não sabemos o que o futuro vai trazer, mas enquanto houver oportunidade de ajudar nesse sentido, quero continuar”, concluiu.
Veja, abaixo, vídeo (em inglês) onde o brasileiro conta sobre o projeto para o site da Expo Live: