São Paulo – A pesquisa em um novo acervo vem trazendo descobertas a respeito da imigração árabe no Brasil, inclusive mudando partes da história já conhecida e escrita sobre o assunto. Quem foi o primeiro imigrante árabe que viveu no País e qual foi o primeiro jornal árabe publicado na América Latina são algumas das revelações obtidas a partir do arquivo do Projeto de Digitalização da Memória da Imigração Árabe no Brasil.
O projeto disponibilizou para consulta em março do ano passado uma coleção digitalizada com 100 mil peças, entre páginas de livros, revistas, periódicos e fotos elaborados pelos imigrantes nos primeiros anos da chegada ao Brasil. O arquivo, que permite acesso a informações diretamente da época, já tem 120 mil materiais digitalizados e se tornou fonte para pesquisadores, que trouxeram novas luzes sobre os fatos da imigração.
O acervo vem sendo usado por pesquisadores do Brasil, Argentina, Chile, Líbano e da Europa, segundo o historiador brasileiro Roberto Khatlab, diretor do Centro de Estudos e Culturas da América Latina (Cecal) da Universidade Saint-Esprit de Kaslik (Usek), do Líbano, e a vice-presidente de Comunicação e Marketing da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, a historiadora Silvia Antibas. As duas instituições são as responsáveis pelo projeto.
Segundo Khatlab, os pesquisadores que usam o arquivo são principalmente de doutorado e pós-doutorado. Entre os assuntos buscados estão o movimento de oposição ao Império Otomano, que dominava o Líbano na época da imigração ao Brasil. Como no país árabe era proibido fazê-lo, os intelectuais da imigração escreviam sobre o assunto em território brasileiro, onde moravam, e enviavam os jornais ao país árabe.
Com o decorrer do tempo, muitas dessas publicações foram impedidas de entrar no Líbano. “Agora estão procurando esses documentos antigos da imigração porque ali tem uma história que se for procurada no Líbano, não há”, diz.
Pesquisadores também buscam no arquivo respostas sobre como viviam os imigrantes árabes no Brasil. Está sendo feito um levantamento, por exemplo, a partir dos anúncios dos jornais elaborados pela comunidade da época. Os comerciantes faziam propagandas de suas lojas nessas publicações e os novos imigrantes chegavam até os donos desses estabelecimentos – para se oferecer para vender produtos como mascates – por meio dos anúncios. “Pela publicidade você começa a encontrar as famílias que estavam bem naquele momento”, diz Khatlab.
O próprio Khatlab tem feito estudos em cima das informações do arquivo. Foi assim que ele se deparou com documento que cita o nome de quem pode ser o primeiro imigrante árabe do Brasil: Joseph Ibrahim Nehmé, que se mudou para o Brasil em 1795. O fato aumenta a idade da imigração árabe no Brasil para 228 anos em vez dos cerca de 140 anos conhecidos. “Joseph é uma referência, mas pode ter imigrante mais antigo”, diz o historiador. Khatlab faz a ressalva, porém, que a Grande Imigração ocorreu a partir do final do século 19.
Khatlab também relata que do acervo faz parte uma cópia do que pode ser o primeiro jornal publicado em árabe na América Latina, o Al-Fayha, Mundo Largo, em 1894, feito por Salim Iuhana Balich, de Zahle, e veiculado em Campinas, no interior do estado de São Paulo. Até então se tinha registro apenas de um jornal de 1895. “Essa é uma característica da história, ela vai mudando conforme vão sendo descobertos documentos originais, e estamos dando acesso a documentos originais”, afirma Antibas, sobre o arquivo.
Acesso ao arquivo
O Projeto de Digitalização da Memória da Imigração Árabe no Brasil se inteira dos temas das pesquisas feitas a partir do acervo porque é preciso entrar em contato para acessar os documentos, que estão no idioma árabe. Também ao final do estudo realizado, o projeto pede que o autor envie uma cópia do livro ou da publicação realizados, assim gerando mais materiais e trazendo ao conhecimento as novas descobertas.
A biblioteca da Usek, onde fica esse material, é ligada a uma rede internacional de bibliotecas e dessa maneira, pesquisadores de várias partes do mundo, não apenas do Líbano e do Brasil, ficam sabendo do conteúdo do acervo e pedem acesso. “Esses pesquisadores todos vão trazer outras descobertas e outros pontos de vista”, diz Antibas. Professores da Usek também usam informações da coleção para dar suas aulas. A universidade, inclusive, leva adiante projeto assim também com outros países latino-americanos, como Argentina, Chile e México.
Digitalização segue
A Câmara Árabe tem no projeto uma das mais importantes ações da sua vertente sociocultural, segundo o presidente da instituição, o diplomata Osmar Chohfi. “É um projeto pioneiro. Já se escreveu bastante sobre a imigração sírio-libanesa, mas a recuperação da memória através da documentação que nós conseguimos com as entidades árabes brasileiras e as famílias dá uma nova dimensão para a história da imigração”, diz.
O projeto segue digitalizando novos materiais sobre a imigração árabe ao Brasil. “Aqueles que têm documentos, continuem oferecendo. Nosso objetivo é juntar todos esses documentos que estão espalhados pelo Brasil”, afirma Khatlab. De acordo com Antibas, o projeto vem sendo procurado por pessoas de outros estados para digitalização de peças, como Pernambuco e Rio de Janeiro, não apenas de São Paulo, onde esteve concentrada a maior parte do trabalho até então.
Interessados em disponibilizar publicações, revistas, fotos e outros materiais podem entrar em contato com a organização do projeto por meio do e-mail projetousek@ccab.org.br. Abaixo seguem contatos para pesquisadores, acadêmicos e interessados em ter acesso a informações e materiais do acervo. Os dados sobre os materiais disponíveis para consulta também podem ser encontrados no link abaixo.
Serviço:
Coleção Latino-Americana – Imigração Árabe
Universidade Saint-Esprit de Kaslik (Usek)
Acesse catálogo da coleção aqui
Consultas: reference@usek.edu.lb