São Paulo – Único setor da economia brasileira a registrar crescimentos seguidos mesmo em meio às últimas crises, o agronegócio poderá se tornar, nos próximos anos, o foco das fusões e aquisições e dos investidores estrangeiros no País. Fundos soberanos, como da Arábia Saudita, já aportaram recursos no Brasil, da mesma forma que empresas nacionais investiram em fábricas e escritórios no Oriente Médio e no Norte da África, caso da BRF que abriu unidade em Abu Dhabi e anunciou investimentos no mercado saudita.
Este movimento poderá ter novos capítulos em breve: além de se mostrar um fiador do fornecimento de alimentos mesmo na pandemia, o Brasil deverá registrar expansão na produção de café arábica, soja, açúcar, algodão e milho e o maior Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) dos últimos 30 anos, estimado em R$ 697 bilhões.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Francisco Turra, houve sondagens recentes de investidores estrangeiros por empresas do setor, mas elas não se concretizaram em negócios – ainda. Na avaliação de Turra, isso não deverá demorar a acontecer.
“Acho que o momento para estes investimentos é agora, pois o agronegócio vai sair desta crise mais forte do que nunca. Agora é hora de aportar recurso, aproveitar que o câmbio valorizado para as exportações promete um retorno (sobre o investimento) muito rápido. Os asiáticos estão atentos às oportunidades, a China vai fazer investimentos por aqui, e o mundo islâmico precisa aproveitar as oportunidades que existem”, afirmou Turra em entrevista à ANBA. “Tenho certeza de que o Brasil sairá desta crise (gerada pela covid-19) fortalecido e com a imagem de ser uma grande reserva na produção de alimentos. Os setores mais fortes da economia estão sendo aqueles ligados ao agronegócio”, diz.
Turra acredita que esta oportunidade deve ser aproveitada também pelo fato de o Brasil ser um garantidor de segurança alimentar a países que não dispõem das mesmas condições de infraestrutura agrícola ou têm uma demanda muito superior à sua capacidade de produção. Para estas nações, é mais efetivo investir no Brasil do que em uma produção local de alimentos. “A Arábia Saudita tentou, há alguns anos, produzir aves, mas não é fácil. Podem manter e ampliar seu conhecimento e know-how em setores em que são uma potência, como o de energia, e investir em parcerias com o Brasil no setor de produção de alimentos. Em parcerias fortes e que garantam a sua segurança alimentar”, diz.
A coordenadora de inteligência comercial da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Sueme Mori Andrade, também acredita que o Brasil tem as credenciais para atrair investimentos de outros países na sua agricultura e produção de proteína animal, mas não no curto prazo.
“A redução da atividade econômica mundial gera reflexos diretos na capacidade das empresas de investir. A cautela e a preocupação com a liquidez são prioridades neste momento. Enquanto esse cenário de incerteza existir, as empresas devem evitar fazer investimentos de longo prazo, como os produtivos. E isso não deve acontecer somente com o Brasil, mas no mundo todo”, avalia, citando perspectivas de retração no Produto Interno Bruto (PIB) dos países divulgadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Assim como Turra, Sueme observa que já havia, antes da pandemia, sondagens de árabes por investimentos no Brasil. “Antes da pandemia, o Brasil vinha recebendo manifestações da Arábia Saudita e de outros países da região interessados em investir na produção de alimentos aqui. Já sabendo disso, o Ministério da Agricultura organizou uma missão ao Oriente Médio, em setembro do ano passado. A CNA fez parte da comitiva que acompanhou a ministra Tereza Cristina e discutiu formas de ampliar tanto o comércio quanto os investimentos destes países no Brasil. Sem dúvida, os exportadores que não interromperam o fornecimento neste momento, como o Brasil, serão reconhecidos como parceiros confiáveis”, afirma Sueme.
Ser visto como um garantidor da segurança alimentar internacional é fator de muita credibilidade e de fonte de renda para o Brasil, observa Sueme. “Para garantir o abastecimento interno, alguns países restringiram a venda externa de alimentos e isso gerou preocupações nos países que dependem das importações para alimentar a sua população. A força das cadeias agroalimentares brasileiras garantiu não só o abastecimento interno como a manutenção e até o crescimento das exportações. De janeiro a abril, as vendas externas do agronegócio cresceram 5,9% em relação ao ano passado. Foram US$ 31,4 bilhões, ou US$ 1,75 bilhão a mais do que em 2019”, afirma.
Professora do departamento de Economia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (USP), Andréia Adami avalia que os investimentos em um determinado setor da economia ocorrem por uma conjunção de fatores, como: crescimento da população em um país ou região, maior poder de compra e introdução de novas tecnologias. Isso aconteceu na China e no Brasil. O país asiático experimentou nos últimos anos um aumento do poder de compra da sua população, o que leva à procura por produtos de maior valor agregado, como a carne.
“Se este consumo cresce, há também expansão no consumo de grãos (que são alimentos para os animais). Então, temos investimentos nos produtores de proteínas, mas também nos produtores de grãos”, analisa.
Outro fator que pode levar a um investimento maciço em um setor é a introdução de novas tecnologias. Adami cita um caso brasileiro como exemplo: os carros flex, que podem ser abastecidos tanto com álcool, um combustível produzido a partir da cana-de-açúcar, como com gasolina, produzida a partir do petróleo. “Foi uma inovação para o setor sucroalcooleiro, decorrente da introdução de uma nova tecnologia, que levou a um mercado nacional muito grande e promissor”, diz. Em decorrência da chegada desta tecnologia, empresas do setor sucroalcooleiro fizeram investimentos em suas lavouras e usinas. Algumas faliram anos depois, outras foram adquiridas, empresas deixaram o setor e outras empresas consolidaram sua presença seja por meio de investimentos seja por meio de joint ventures.
Adami lembra, ainda, que não são apenas os setores do açúcar, dos grãos ou das proteínas que podem se beneficiar de investimentos, sejam eles internos ou externos. Toda a cadeia produtiva do agronegócio pode ter parcerias, empresas e investidores estrangeiros, como já ocorre com o fornecimento de máquinas e insumos agrícolas. Ela cita os árabes como exemplo do que já ocorreu.
“Os árabes são um modelo do que representa o estabelecimento de parcerias. Primeiro, importaram carne de frango. Depois, nos anos 2000, as empresas brasileiras viram a necessidade de abrir escritórios nos países árabes e de se aproximar deles. Depois, consolidaram o processo de internacionalização e até abriram plantas industriais na região. Isso mostra um comprometimento, um aumento da parceria, pois passamos não apenas a exportar, mas também a trabalhar em parceria e a gerar empregos nos países árabes”, diz Adami.
*Reportagem de Marcos Carrieri, especial para a ANBA