São Paulo – Sejam bem-vindos a um universo de homens fortes e mulheres doces e sensuais. De personalidade marcante também. Malandros, heróis, coronéis, trabalhadores, mães, esposas, namoradas, prostitutas. Um leque de personagens que ficou mais rico e mais interessante com a inclusão de árabes e seus descentes nas tramas escritas por Jorge Amado, um dos mais famosos escritores do Brasil. E um dos mais talentosos em descrever a gente e a paisagem de sua terra: a Bahia, no Nordeste do país. Autor de 32 livros, Jorge Amado foi o romancista brasileiro que mais visibilidade deu aos imigrantes vindos do Oriente Médio, como foi o caso do sírio Nacib, o dono do Bar Vesúvio em Gabriela Cravo e Canela.
“Jorge Amado deu magnitude e espaço à figura do árabe entre nós, mostrando-o como parte integrante da nossa nacionalidade e da nossa cultura”, explica Ana Ramos, professora da Faculdade de Letras da Universidade Federal da Bahia (UFBA). “A história de amor do imigrante sírio Nacib com a mulata Gabriela encantou leitores dos quatro cantos do mundo”, afirma.
Segundo a diretora da Fundação Casa de Jorge Amado, em Salvador, na Bahia, Myriam Fraga, Nacib é sem dúvida o mais famoso personagem árabe criado pelo escritor, mas há outros igualmente importantes, como Fadul Abdala, de Tocaia Grande, e Fuad Maluf, de Farda, Fardão e Camisola de Dormir. “Para avaliar a simpatia do autor pelos árabes, que no Brasil, segundo ele, são muitas vezes confundidos com turcos, podemos citar o livro A Descoberta da América Pelos Turcos, com personagens inesquecíveis como Adma, Raduan Murad e Jamil Bechara”, diz.
De acordo com Myriam, os romances do escritor foram traduzidos para 49 idiomas e vendidos em 55 países. No acervo da Fundação, há exemplares em árabe de Capitães da Areia, São Jorge dos Ilhéus, Gabriela Cravo e Canela, Seara Vermelha, Dona Flor e seus Dois Maridos, Farda, Fardão e Camisola de Dormir, O Cavaleiro da Esperança, Tenda dos Milagres, Tereza Batista Cansada de Guerra, Terras do Sem Fim e Velhos Marinheiros.
A quantidade de obras traduzidas para o idioma natal dos patrícios não seria tão grande se Amado não fosse tão próximo da comunidade. E de onde vem tanta afinidade? “Ela decorre dos laços de amizade dos familiares do autor com famílias de imigrantes do Oriente Médio estabelecidas na Bahia, como os Nazal, os Adami, os Medauar e os Soubs, por exemplo”, diz Ana. “Vale ainda destacar a descrição que ele faz dos contatos travados desde a infância com representantes do povo árabe através da figura do mascate, que levava sonhos e “civilização” para as “roças de cacau”, explica a professora.
Foi por causa do cacau, aliás, que esse grupo foi parar na Bahia, estado que junto com São Paulo, Rio Grande do Sul e Pará recebeu o maior número de imigrantes, que começaram a chegar ao Brasil no final do século 19. “O auge da economia cacaueira impulsionou o comércio na região sul da Bahia, o que atraiu os árabes”, explica o professor de História Augusto Spínola. “Hoje, até mesmo em Feira de Santana, no Nordeste do estado, há registros de famílias com essa origem”, afirma.
Para o professor de História e coordenador do Centro de Documentação e Memória Regional da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), em Ilhéus, André Luiz Rosa Ribeira, os patrícios estabelecidos em terras baianas trabalhavam principalmente com o comércio, mas também chegaram a ser proprietários de terras, alguns inclusive com forte participação na política local. Atividades econômicas à parte, segundo ele, o principal legado da presença árabe no estado foi mesmo a culinária. “Em qualquer boteco de Ilhéus é possível comer quibe, sendo o mais famoso o do Bar Vesúvio, que aparece em Gabriela e de fato existia e existe até hoje na cidade”, explica. “A adaptação desses imigrantes à cultura local foi muito rápida”, diz André.
É exatamente essa integração que a literatura do escritor reflete. “Personagens como Nacib e Fadul Abdala, outro protagonista cheio de humor e alegria, representam dois valores que constituem a nação brasileira na opinião do escritor: o trabalho e a solidariedade”, afirma Ana. “Para o autor, o sentimento de identidade nacional é formado a partir da diversidade”, explica. A mesma diversidade que permitiu que a Bahia e Jorge Amado recebessem os árabes de braços abertos.