Cairo – O secretário-geral da Liga dos Estados Árabes, Amr Mussa, disse, em entrevista exclusiva à ANBA, que as relações entre a América do Sul e os países árabes deram um salto qualitativo nos últimos anos, especialmente após a primeira reunião de cúpula dos chefes de estado das duas regiões, ocorrida em maio de 2005 em Brasília.
“Hoje posso dizer que a América do Sul se tornou importante para o mundo árabe e espero que o mundo árabe também esteja se tornando cada vez mais importante para os países da América do Sul”, disse o secretário.
Mussa, uma das personalidades que mais incentivaram esse processo de aproximação, iniciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante sua primeira visita ao mundo árabe em 2003, afirmou também que hoje a Liga vê a economia do Brasil “com grande admiração”. “O Brasil tem tido um desempenho econômico excelente nos últimos tempos”, declarou.
O diplomata egípcio foi um dos primeiros entrevistados pela ANBA, quando do lançamento da agência em setembro de 2003. “A ANBA está certamente contribuindo para a melhora do conhecimento mútuo entre as duas regiões”, ressaltou. Leia a seguir a entrevista:
ANBA – Qual avaliação o senhor faz do processo ocorrido principalmente após a Cúpula de Brasília em 2005?
Amr Mussa – Antes de falar de uma avaliação das relações entre os países árabes e a América do Sul eu gostaria ressaltar que existe muito em comum entre essas duas regiões. Nossos povos possuem muitas características em comum e podemos dizer que em vários momentos compartilharam inúmeros desafios. Além das afinidades naturais, a América do Sul adquire uma grande importância aos nossos olhos por causa da existência de importantes comunidades de origem árabe em países como o Brasil, Argentina e outros.
No que diz respeito à aproximação ocorrida, posso dizer que um longo caminho foi percorrido nos últimos anos, desde a visita do presidente Lula à Liga Árabe, momento em que ele nos propôs a realização da cúpula que ocorreu em Brasília [em Maio de 2005]. A cúpula representou um marco importante que ajudou a melhorar o conhecimento mútuo entre países Árabes e Sul Americanos e ela foi seguida com sucesso de todo o processo de aproximação que conhecemos hoje. Creio que todos aqueles que participaram desse percurso podem verificar que houve um salto qualitativo visível nas relações bilaterais. Hoje posso dizer que a América do Sul se tornou importante para o mundo árabe e espero que o mundo árabe também esteja se tornando cada vez mais importante para os países da América do Sul.
Em que aspectos as relações mais avançaram?
Creio que é importante dizer neste sentido que as duas regiões estão agora conscientes da importância que cada uma tem para a outra.
Como o senhor avalia o papel que o Brasil tem desempenhado, na América do Sul, no fomento das relações com o mundo árabe? é possível dizer que o país tem se mostrado o principal interlocutor na região?
O Brasil está finalmente realizando o seu imenso potencial e está se tornando uma verdadeira potência regional. Por isso o Brasil pode e está certamente contribuindo de maneira importante para uma maior aproximação. É claro que existe potencial para uma maior interação e intensificação da cooperação entre as duas regiões. Gostaria de citar como exemplo disso a recente e importante visita do ministro egípcio da Indústria e Comércio Exterior, Rachid Mohamed Rachid, ao Brasil. Ela ajudou a impulsionar de maneira visível inúmeros projetos de trabalho conjunto entre os dois países. Estou certo que esta visita ajudará a abrir inúmeras portas para uma maior cooperação nas áreas industrial e comercial.
A ANBA foi criada em 17 de setembro de 2003. O senhor foi um dos primeiros entrevistados e já deu várias entrevistas para a agência. Como o senhor vê o papel da ANBA no fomento das relações do Brasil com os países árabes?
A ANBA está certamente contribuindo para a melhora do conhecimento mútuo entre as duas regiões. Sempre considerei os meios de comunicação como tendo uma importância vital nas relações entre os povos, países e regiões. Por isso também esperamos que um maior número de agências árabes enviem correspondentes, ou abram escritórios no Brasil ou nos países sul-americanos, para que um maior fluxo de informações possa chegar aos países árabes.
Qual é a sua expectativa para a 2ª Cúpula América do Sul-Países Árabes, prevista para ocorrer no ano que vem no Catar? em que aspectos as relações devem avançar? quais os principais assuntos que a Liga levará para o encontro?
Estou certo que a cúpula do Catar dará um impulso ainda maior às relações de cooperação que já existem. As relações entre os dois blocos poderão ser intensificadas ainda mais e assumir uma nova dimensão. Quanto aos pontos que pretendemos abordar, eles constarão de um documento que será elaborado nos próximos meses pelo comitê preparatório da Cúpula de Doha, que acabamos de criar aqui na Liga Árabe.
Qual é a avaliação, na Liga Árabe, do atual desempenho da economia brasileira e da sua posição no cenário internacional?
Estamos olhando para a economia brasileira com grande admiração. O Brasil tem tido um desempenho econômico excelente nos últimos tempos. É um dos únicos países que não estão sendo severamente afetados pela recessão que vem ocorrendo nos Estados Unidos e nos países europeus. Além disso, o país teve recentemente a grande sorte de descobrir em sua costa uma importante reserva petrolífera, que contribuirá certamente para a realização do potencial deste grande país. Tenho certeza de que este fato impulsionará definitivamente o Brasil para uma posição de grande destaque na arena internacional.
A aproximação do Brasil com o mundo árabe contribuiu para o fortalecimento das posições das duas regiões em fóruns internacionais, como a OMC?
Esta aproximação está certamente ajudando esses países a formularem mais e melhor suas posições nos fóruns internacionais, e isso favorece as duas regiões. Esta coordenação entre países Árabes e da América do Sul já ocorria tradicionalmente em inúmeros encontros internacionais, mas ela foi reforçada com a recente aproximação entre as duas regiões. Em conseqüência disso, as posições das partes implicadas ficam reforçadas.
O mundo caminha para uma preocupação com a segurança alimentar e o Brasil é um dos grandes fornecedores de alimentos do mundo. Muitos países árabes, principalmente no Norte da África, também são agrícolas. Como as duas regiões podem trabalhar juntas para garantir uma futura produção mundial de alimentos?
O Brasil é um país com vastos recursos na área de agricultura. Por isso, tanto o Egito quanto um grande número de países árabes importam grandes quantidades de alimentos vindos do país. Enfim, quero dizer que os produtos alimentícios brasileiros já conquistaram vários mercados árabes graças à sua excelente qualidade e aos seus preços bastante competitivos. Além disso, contam com uma reputação cada vez mais sólida e digna da confiança dos consumidores da nossa região.
Quais são atualmente as principais preocupações e assuntos prioritários na pauta da Liga Árabe?
Temos inúmeras preocupações e prioridades internas e regionais na Liga Árabe. Não é segredo para ninguém que, no âmbito político, estamos constantemente ocupados com uma série de situações complexas e explosivas em nossa região, como é o caso dos problemas na Palestina, no Líbano, no Iraque e no Sudão.
No âmbito econômico, no entanto, nossa atual prioridade é a preparação da próxima cúpula econômica árabe, que deverá ocorrer no Kuwait em janeiro de 2009. Inúmeros esforços estão ocorrendo na preparação desse evento e esperamos que ele lance uma nova era na cooperação econômica entre os países árabes.
Qual o papel esperado pela Liga Árabe dos brasileiros de origem árabe ou das comunidades árabes instaladas no Brasil? como poderiam eles participar do processo de aproximação das duas regiões ou facilitar seu diálogo?
Certamente as importantes comunidades árabes do Brasil, especialmente a de São Paulo, podem e devem exercer um papel de ponte entre as duas culturas. Esses grupos podem ajudar a aumentar e expandir as relações entre as duas regiões em todos os níveis: político, econômico, comercial, tecnológico e cultural.