Randa Achmawi,
Especial para a ANBA
Cairo – O Brasil e os países árabes devem empregar o "capital" da amizade que une os dois povos para intensificar suas relações políticas, comerciais e econômicas de modo que seus interesses comuns possam ser defendidos no atual sistema de comércio internacional. A afirmação é do secretário-geral da Liga dos Estados Árabes, Amr Mussa, em entrevista exclusiva à ANBA, no Cairo, Egito.
Líder da principal organização diplomática que une os povos de 22 países árabes, ele admitiu que o fortalecimento dos laços entre Brasil e os países árabes poderá servir como incentivo aos investimentos destas nações no setor produtivo da economia brasileira.
Além disso, essa aliança, na prática, segundo ele, poderá ter como conseqüência a redução da dependência do comércio externo de árabes e brasileiros em relação aos países mais ricos.
"Acredito que o Brasil está em condição de se tornar um receptor dos investimentos árabes. O Brasil é um país amigo e sua sociedade é um exemplo bem-sucedido de mistura de culturas e raças", afirmou Mussa.
O secretário aponta os setores da economia brasileira que podem interessar aos investidores árabes: "Pelas informações que tenho do Brasil, a indústria e a agricultura, que contam com bases extremamente sólidas, fazem com que os investimentos sejam, seguros e lucrativos."
Ele classificou como histórica a visita que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fará aos países árabes, no final deste ano: "Ela (a visita) ressalta a importância que o Brasil dá às relações com o mundo árabe, e nós realmente acolhemos esse passo com o coração aberto." E se disse satisfeito com a iniciativa de Lula de convidar os 22 países da Liga Árabe para uma reunião com países sul-americanos, ainda este ano.
Carismático, Mussa, diplomata de carreira, goza de grande popularidade no mundo árabe. De 1991 até 2001, quando assumiu o cargo de secretário-geral da Liga Árabe, esteve à frente do Ministério das Relações Exteriores do Egito. Foi também embaixador do Egito na Índia e na Organização das Nações Unidas (ONU).
Leia a íntegra da entrevista:
ANBA – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva será o primeiro presidente da República brasileiro no exercício do cargo a visitar oficialmente os países árabes. Ao tomar uma tal iniciativa, o governo brasileiro está reconhecendo a importância dos países árabes e mostrando sua vontade de intensificar as relações comerciais com estes Estados. Como o senhor analisa a missão do presidente brasileiro? E quais são os resultados políticos e econômicos que esta poderá trazer para ambos, o Brasil e o mundo árabe?
Amr Mussa – Esta será, sem dúvida, uma visita histórica. Ela ressalta a importância que o Brasil dá às suas relações com o mundo árabe, e nós realmente acolhemos este passo com o coração aberto. Penso que, ao vir a esta região, o presidente Lula da Silva e seu time serão capazes de ver, em primeira mão, a corrente situação na região, e também adquirir uma melhor idéia sobre alguns dos nossos países. Esta visita vai certamente promover uma melhor compreensão, no Brasil, de nossas realidades. Todos os países que o presidente Lula visitará têm economias promissoras e mantêm boas relações com o Brasil. Desta maneira, penso que esta será, seguramente, um sucesso, e vai criar uma espécie de "momentum" para que as relações entre o Brasil e o mundo árabe se intensifiquem.
O senhor acredita que o fortalecimento dos laços entre o Brasil e o mundo árabe poderá servir como um incentivo para investimentos árabes no setor produtivo da economia brasileira? Quais são os setores da economia brasileira que interessariam aos investidores árabes?
Eu realmente acredito que o Brasil está em condição de se tornar um receptor dos investimentos árabes. O Brasil é um país amigo e sua sociedade é um exemplo bem-sucedido de uma mistura de culturas e raças. Segundo as informações que tenho sobre este país, nele ambos os setores da agricultura e da indústria têm bases extremamente sólidas, o que faz com que os investimentos sejam seguros e lucrativos. Espero que os investidores árabes, assim como investidores brasileiros, mantenham contatos constantes nos quais se possa mostrar e explorar, tanto de um lado quanto do outro, o caminho das oportunidades de investimento.
Como o mundo árabe avalia a posição do Brasil nos diferentes fóruns internacionais no que diz respeito às questões políticas dos países árabes, especialmente a causa Palestina?
Todo o mundo árabe preza enormemente o firme compromisso que o Brasil mantém com a causa Palestina, assim como com todas as outras questões árabes. O Brasil tem sido um partidário tradicional das posições árabes em todos os fóruns internacionais e esta é, certamente, uma atitude que apreciamos. No que diz respeito a esta causa específica (Palestina), continuaremos sempre a explicar nossas posições em todos os países fora do Oriente Médio, para que possamos fornecer uma melhor compreensão de nossa situação, assim como de nossas posições. E, desta maneira, obter o suporte de todos os países da comunidade internacional, e, especialmente, o de potências regionais como é o caso do Brasil. Enfim, de todos os países que mantêm um compromisso com os princípios da paz e da justiça, cujo apoio representa a pedra angular da legitimidade internacional.
O senhor poderia comentar as atuais relações entre a Liga Árabe e o Brasil e seu governo?
A Liga Árabe mantém relações bastante positivas e construtivas com o Brasil. Este sempre foi o caso e continua certamente a sê-lo neste momento. Isto especialmente com o presente governo brasileiro, pois notei que este pretende reforçar os canais existentes entre o mundo árabe e o Brasil. Por sua parte, o Conselho de ministros dos países da Liga Árabe acolheu oficialmente e com grande satisfação a iniciativa do presidente Lula de convocação de uma cúpula conjunta entre os países árabes e latino-americanos, antes do final deste ano. Eu recebi meu amigo, o ministro Celso Amorim, aqui na Liga Árabe durante sua visita, em junho. Nesta ocasião, falamos das relações entre os dois blocos, assim como da situação internacional como um todo. Dissemos um ao outro que o nosso desejo é que, daqui para frente, as ótimas relações políticas que já existem entre o Brasil e o mundo árabe sejam aproveitadas e expandidas para outros campos, como os das relações comerciais e econômicas.
Os especialistas brasileiros pensam que as atuais realidades políticas e econômicas pedem uma alternância de parceiros. Eles afirmam que os países desenvolvidos impõem cada vez mais barreiras e obstáculos aos países em desenvolvimento. Portanto, estes mesmos especialistas recomendam que o governo brasileiro chegue a um acordo sem precedentes com os países árabes na área do petróleo. O senhor acha que tal proposição é viável?
Penso que sim. E acho que esta não é unicamente viável, mas é também necessária. Como eu já disse antes, os dois lados deveriam empregar o capital existente de relações políticas amigáveis e avançar na direção de um caminho estipulado metodicamente. E isto num prazo breve, e de um modo onde seja possível que os interesses comuns possam ser defendidos no corrente sistema de comércio mundial. Penso que esta parceria poderia ser extremamente benéfica para ambos os lados. No mundo árabe, nós partilhamos algumas realidades comuns com o Brasil, especialmente no campo da agricultura. Por esta razão, deveríamos aproximar as nossas fileiras, para que nossas propostas possam obter acordos justos.
Uma aliança entre os árabes e os sul-americanos significaria, em termos práticos, a união dos dois blocos que mantêm as mais importantes reservas petrolíferas. Qual seria o benefício disso?
Bem, caso esta aliança ocorra – e penso que para alcançar uma tal meta, muito trabalho deve ser feito – os ganhos obtidos poderão ser, não unicamente nos campos de petróleo e produtos derivados, mas também nos campos da agricultura e da indústria. Nós podemos, da mesma forma, realizar benefícios comuns nas áreas de serviços, e possivelmente também no turismo. Estes são os campos de parcerias que devem ser explorados, e penso que os homens de negócios, dos dois lados, não deveriam se sentir intimidados com relação a eles, e tentar explorá-los da melhor maneira possível.
A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira acaba de criar uma agência de notícias, a ANBA. Esta deverá servir como um veículo de promoção das relações comerciais, políticas e econômicas entre o Brasil e o mundo árabe. Seu objetivo será o de criar um serviço de notícias que possa fornecer aos homens de negócios dos dois blocos um melhor conhecimento das oportunidades de comércio existentes. Como o senhor avalia esta iniciativa?
Creio que esta é uma excelente iniciativa. Penso mesmo que ela já poderia ter sido feita há bastante tempo, mas como nunca é tarde para começar, espero que este serviço possa preencher a grande lacuna existente em termos de informação entre o Brasil e o mundo árabe. Especialmente quando pensamos nas relações econômicas e políticas.