Geovana Pagel
São Paulo – O descompasso entre a baixa capacidade de armazenagem brasileira e o volume de grãos disponível gera um gargalo logístico para o país. Analistas do setor afirmam que hoje o Brasil apresenta um déficit de armazenagem de aproximadamente 34 milhões de toneladas.
De acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a capacidade total de armazenagem do país é de 94 milhões de toneladas de produtos, enquanto a safra 2004 deve ficar na faixa de 120 e 122 milhões de toneladas, 3,1 milhões a menos que a prevista, devido às secas no Sul e às chuvas no Norte e no Nordeste.
Das mais de 13 mil unidades de armazenagem existentes no país, somente 84 são da Conab. A superintendente de Armazenagem e Movimentação de Estoques da Conab, Denise Deckers, disse à ANBA que no ano passado o governo investiu somente R$ 5 milhões na manutenção dos seus armazéns e não há planos para a construção de novas unidades armazenadoras para os próximos anos.
“Desde a década de 1980 o governo não investiu na construção de novos armazéns, apenas modernizou as unidades já existentes”, declarou o especialista em economia rural, técnico da Conab e ex-secretário de Agricultura do Paraná Eugênio Stefanello. “Se tivéssemos tido uma safra cheia, o déficit seria ainda maior”, garantiu.
Segundo ele, um forte agravante para o problema de armazenagem é o fato de os armazéns não estarem perfeitamente distribuídos nas regiões de produção. “Falta infra-estrutura principalmente no Centro-Oeste e Brasil central. Os únicos investimentos na região são arcados por agroindústrias e produtores individuais”.
Já na região Sul, de acordo com o analista, o déficit é esporádico, menor e bem localizado. Stefanello cita o Paraná como sendo um exemplo de estado bem servido de armazéns, graças a investimentos principalmente de cooperativas agrícolas.
“Há 14 anos não ocorria estrangulamento na capacidade de armazenagem no Paraná, mas como houve atraso na comercialização da safra 2003 de trigo e milho foi registrado déficit no mês de fevereiro”, explicou.
Segundo ele, o que livrou o estado do déficit de armazenagem pós-colheita da soja neste ano foi a seca, que provocou uma redução de 2 milhões de toneladas.
Mesmo assim, de acordo com o analista, se o estado colher uma ótima safra em 2005 e novamente ocorrer um retardamento na comercialização da safra 2004 o fantasma do déficit pode voltar a assombrar.
Investimentos privados
Estatísticas revelam que o Brasil possui entre 5% e 6% de armazéns em propriedades rurais. Nos Estados Unidos, 65% estão nas fazendas e na União Européia, 40%. Na vizinha Argentina, as unidades de estocagem nas fazendas correspondem a 25%.
Atento ao potencial do setor, o grupo Kepler Weber, maior fabricante brasileiro de material de infra-estrutura e de equipamentos para armazéns, planeja inaugurar até o final de 2004 uma fábrica em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, com capacidade para processar 100 mil toneladas de aço ao ano.
A companhia está investindo R$ 105 milhões na nova unidade para ampliar o atendimento aos armazéns graneleiros.
“A safra cresce numa proporção bem maior que a capacidade de armazenagem. Muitos produtores são obrigados a encaminhar a carga diretamente para os portos. Daí o problema das filas intermináveis de caminhões”, explica Duílio de la Corte, diretor comercial do grupo.
Segundo ele, em decorrência das filas e da longa espera, as traiders acabam pagando multa diária de US$ 30 mil a 50 mil pelas cargas que ficam paradas e pelo atraso nas entregas. “Mas é o consumidor quem acaba pagando a conta no final”, comenta.
Companhias esmagadoras também estão realizando investimentos em armazenagem. A Caramuru Alimentos, por exemplo, construiu mais três unidades armazenadoras em 2003 para um total de 61 do grupo. De acordo com o vice-presidente, César Borges de Souza, a companhia, que ampliou outros dois armazéns, aumentou para mais de 1,8 milhão de toneladas o total da sua capacidade.
A Caramuru investiu R$ 20 milhões em obras e em expansão na rede localizada no estado de Goiás. Os recursos financiaram obras para abrigar modernas máquinas de secagem e moegas de recebimento de grãos, além de outras melhorias. A capacidade do armazém em Ipameri, Goiás, por exemplo, chega a 120 mil toneladas.
“Somente na área de recepção e armazenagem de grãos, investimos cerca de R$ 115 milhões nos últimos anos. A esse investimento somam-se os R$ 30 milhões que estamos aplicando na aquisição de dez locomotivas e 300 vagões, para otimizar nossa operação logística”, diz o vice-presidente da companhia.
Pólos de produção deficientes
Apesar dos investimentos e da construção de novas unidades pela iniciativa privada, a ausência de uma vasta rede de armazéns espalhada pelos pólos de produção impede o avanço das commodities agrícolas. “Um sistema de armazenagem bem localizado, especialmente dentro da propriedade, é essencial”, afirma de la Corte.
O programa destinado a projetos de armazenagem e de irrigação, o Moderinfra, a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), libera os recursos para este ano até junho. Dos R$ 400 milhões disponíveis desde agosto de 2003 especificamente para projetos de armazenagem oficialmente foram usados apenas R$ 250 milhões até janeiro deste ano.
De acordo com a superintendente da Conab, o Moderinfra foi criado há quatro anos para financiar exclusivamente armazéns construídos em propriedades rurais. O volume de dinheiro destinado para o programa e o limite de crédito por beneficiário, atualmente de R$ 400 mil, serão, segundo ela, aumentados.
“Também está sendo estudada a criação de uma linha de crédito para armazéns localizados na zona urbana”, afirmou. De acordo com a superintendente, o empréstimo cobra juros de 8,75% ao ano, oferece carência de três anos e prazo de pagamento de até oito anos.

