Por Osmar Chohfi
Em 2 de julho de 1952, um grupo pioneiro de empresários decidiu criar uma câmara de comércio com a finalidade de estreitar laços econômicos entre empresas brasileiras e organizações da Síria e do Líbano, países de origem da maioria, bem como de seus pais e avós, que décadas antes aportaram em nosso País em busca de uma nova vida de realizações e prosperidade pessoal.
Mais tarde, a entidade, com estrutura profissionalizada e bastante atuante no meio empresarial, ganhou da Liga de Estados Árabes, por meio de seu braço econômico, a União das Câmaras Árabes, a responsabilidade de atuar em favor dos interesses econômicos do Brasil e dos 22 países representados na organização, que juntos cobrem um território do tamanho da América do Sul, abrigam uma população de 420 milhões de pessoas e têm hoje um PIB total de US$ 2,81 trilhões.
Nesses 69 anos de história, a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, em colaboração com governos, entidades setoriais e empresas, vem exercendo um papel importante nas relações bilaterais entre o Brasil e o Mundo Árabe, apoiando negócios dos dois lados da parceria. O resultado mais evidente desse esforço é o fato de que em seu conjunto os países membros da Liga Árabe se tornaram em 2017 o terceiro destino das exportações brasileiras no mundo, atrás somente da China e dos Estados Unidos, além de que se consolidaram como o segundo maior comprador dos produtos brasileiros do agronegócio.
A parceria comercial começou a tomar corpo mesmo no fim dos anos 1970, no auge da crise do petróleo. Foi quando o Brasil passou a trocar com os países árabes combustível fóssil por produtos demandados no bloco, entre os quais se incluíam o frango halal (aquele produzido em respeito às tradições culturais dos povos islâmicos), aviões, veículos de passeio, além de serviços de construção de grandes projetos de infraestrutura na região, sobretudo no Iraque.
Em momentos políticos delicados se apresentaram dificuldades para realizar trocas comerciais com os países árabes. Apesar disso, o Brasil posicionou-se como nação amiga e confiável no fornecimento de produtos, especialmente o alimento necessário para garantir a segurança alimentar das populações daquela região, muitas das quais vivem em territórios com limitações de água e de solos aráveis para a produção agropecuária.
O fato de que, tradicionalmente, o Brasil se posicionou de forma equânime e equilibrada em causas que interessam às nações árabes nos proporcionou um quadro de estabilidade e incremento do intercâmbio.
Com a pandemia, renovou-se entre os agentes da parceria comercial entre Brasil e Liga Árabe a importância de uma cooperação bilateral ainda mais estratégica e benéfica para os dois lados que, com afinco, buscamos realizar na esfera de influência da nossa instituição.
Hoje a Câmara Árabe-Brasileira atua com foco no estreitamento da interlocução com governos e associações empresariais. Também busca a retomada das negociações dos acordos de livre comércio entre o Mercosul e os países árabes, mirando um possível aumento no já relevante intercâmbio comercial, além de contribuir para estruturar um modelo de comércio exterior digital, que esperamos poder inspirar as relações do Brasil com seus demais parceiros comerciais.
Uma das iniciativas mais importantes nesse sentido é a estruturação da Plataforma Ellos, que contará com serviços de desembaraço aduaneiro digital, espaços virtuais de showroom e de negociação para empresas árabes e brasileiras. A documentação aduaneira de carregamentos destinados ao Catar e ao Kuwait já é validada pela plataforma de forma totalmente digital, sem papel, sem envios físicos, num processo infinitamente mais rápido, prático e seguro em relação ao anteriormente em vigor. Esperamos estender esse serviço a todos os países árabes.
No escopo do estreitamento de relações com governos, entidades e empresas, vamos abrir escritórios da Câmara Árabe em Brasília e mais dois novos pontos de presença, em Riad (Arábia Saudita) e no Cairo (Egito), que vão se somar à unidade aberta em Dubai (Emirados Árabes) em 2019. A expectativa é a de, além de ampliar nossa interlocução e promover o intercâmbio, projetarmos a presença da Câmara Árabe no âmbito de influência regional daqueles mercados.
Na esfera cultural, estamos estruturando a Casa Árabe, um espaço de diálogo e contatos entre o Brasil e o Mundo Árabe, onde esperamos poder valorizar os muitos traços sociais e culturais que aproximam árabes e brasileiros ao longo da história.
Também vamos continuar a valorizar a contribuição das mulheres atuantes na relação comercial bilateral por meio do recém-criado Comitê Wahi – Mulheres que Inspiram, numa atuação sempre em linha com modernos padrões de governança e sustentabilidade, na condição de entidade signatária do Pacto Global das Nações Unidas.
Embora muito já tenha sido feito em benefício da relação do Brasil com o Mundo Árabe, é fato que o comércio e a cooperação econômica ainda estão longe de seu pleno potencial, razão pela qual a Câmara Árabe, ao completar seus 69 anos de existência, segue buscando uma atuação modernizada e um futuro comum ainda mais promissor para árabes e brasileiros. Então, que venham os 70 anos!
Osmar Chohfi é presidente da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira. Foi Embaixador do Brasil na Espanha e no Equador, serviu nas embaixadas brasileiras na França, Argentina, Bolívia e Venezuela, foi secretário-geral do Ministério de Relações Exteriores entre 2001 e 2002 e chefiou a missão permanente do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA).