Por Qais Shqair
A cultura possui uma importância significativa nas relações econômicas entre os países árabes e o Brasil, o que vai além dos valores que normalmente regem as relações entre outras nações. Nos países árabes, os produtos do Brasil contam com a preferência dos consumidores por motivos relacionados ao elevado grau de afeto que os cidadãos árabes têm por esse País, e ao histórico das relações, repleto de posicionamentos políticos de apoio às questões árabes, especialmente a Causa Palestina. Mas, até que ponto podemos investir nessa particularidade como fator imprescindível para o aumento do intercâmbio comercial do Brasil com os países árabes e na promoção de investimentos conjuntos entre os dois lados?
Quanto ao Brasil, o fato de 6% dos brasileiros serem de origem árabe abre as portas para se considerar o impacto desse grande contingente de cidadãos no desenvolvimento das relações econômicas com o mundo árabe, dado ao conhecido papel ativo dessa comunidade nas mais diversas áreas no Brasil, como política, econômica e social, além de seu elevado nível de instrução.
O que significa o fato de o consumidor árabe preferir o produto brasileiro a outros? Como isso pode ser empregado no desenvolvimento das relações econômicas entre árabes e brasileiros?
Em primeiro lugar, para que possamos chegar a um modelo científico preciso, é necessário um estudo sobre as tendências do consumidor árabe, os fatores que determinam suas escolhas e as considerações que o levam a preferir certos produtos, considerando a sua origem. Esse modelo serviria para que o fabricante, o exportador e o investidor brasileiro o aproveitem a fim de potencializar as oportunidades de comercialização da commodity brasileira e neutralizar os obstáculos que possam impedir seu escoamento para os mercados árabes, inclusive a concorrência dos principais exportadores, liderados pela China, e determinar a vantagem comparativa dos bens e produtos capazes de competir a partir dessa análise. O estudo terá que priorizar a promoção de produtos brasileiros que ainda não tiveram acesso ao mercado árabe, mas que podem competir com seus congêneres de outros países, incluindo, mas não se limitando, aos cosméticos de origem brasileira.
Em segundo lugar, é preciso superar a barreira da distância geográfica, conforme a proposta de parceria estratégica, anteriormente apresentada, incluindo os principais portos do Mediterrâneo e o estabelecimento de polos industriais nessas regiões, com projetos conjuntos.
Em terceiro lugar, as considerações anteriormente mencionadas devem ser munidas pelo fortalecimento da presença cultural do Brasil nos países árabes, que é bem-vinda antecipadamente pelo consumidor árabe, instalando centros culturais brasileiros em alguns países árabes, a serem escolhidos em etapas, de acordo com o mercado-alvo. Esses centros seriam viáveis para divulgar a língua portuguesa e a cultura brasileira, assim como fazer o marketing midiático do produto brasileiro, criando um ambiente propício para que os produtos brasileiros possam competir com produtos concorrentes, com vantagem.
Do lado brasileiro, as raízes árabes, representadas por 11,6 milhões de brasileiros de origem árabe, impõem a necessidade de empregar o fator cultural no fortalecimento das relações entre árabes e brasileiros nos mais diversos segmentos, principalmente o econômico. Vamos começar pelo fator psicológico: o fato de as mercadorias brasileiras terem, em princípio, uma vantagem preferencial junto ao consumidor árabe deve constituir uma motivação relativa para o exportador brasileiro de origem árabe explorar oportunidades de investimento nos mercados árabes.
Talvez o aspecto mais importante do emprego da dimensão cultural no fortalecimento das relações econômicas seja o investimento do fator cultural na economia e do fator econômico na cultura. São dois aspectos mais entrelaçados do que quaisquer outros no cenário brasileiro. E daí surge a necessidade de investimentos árabes-brasileiros conjuntos no mercado brasileiro, que reúne mais de 210 milhões de habitantes, e que representa uma porta de entrada para muitos países da América do Sul.
Áreas de emprego da cultura no desenvolvimento das relações econômicas entre árabes e brasileiros:
Educação, tanto escolar quanto universitária
O ensino da língua árabe e a difusão da cultura árabe são dois eixos importantes para o emprego da cultura no estreitamento das relações econômicas e do emprego da economia a serviço da cultura. O campo mais amplo dessa equação se encontra no aspecto midiático, como o projeto de lançamento de um canal via satélite de língua árabe, publicação de documentários, filmes cinematográficos e séries em árabe traduzidos, em uma primeira fase, e dublados para o árabe, posteriormente, reforçando dessa forma o ensino e a aprendizagem da língua árabe, de forma a garantir quadros competentes capazes de responder às tarefas de tradução e dublagem. Esses programas e materiais cinematográficos e televisivos devem ser atrativos para o telespectador brasileiro e para o árabe-brasileiro em particular, proporcionando-lhe material cultural sobre a história e os principais temas de seu país, sua vida social atual e passada, da qual ele viveu uma parte.
Plataforma Cultural Digital Árabe Brasileira
A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira lançou recentemente o projeto da plataforma cultural árabe-brasileira, Casa Árabe, que é um projeto importante e prioritário, pelo seu custo relativamente baixo e alto retorno, abrindo caminho para o que se discutia anteriormente sobre emprego da cultura a serviço da economia, e vice-versa, desenvolvendo programas de ensino de árabe e português e divulgando as culturas árabe e brasileira nos dois universos. Nesse sentido, é possível perceber a experiência chinesa em lançar plataformas culturais com diversos países, inclusive alguns árabes, que incluem o ensino das línguas árabe e chinesa, e a divulgação da cultura chinesa em um caminho paralelo à expansão de suas exportações para os mercados árabes, entre outros.
Fortalecimento dos programas mútuos para o ensino das línguas árabe e portuguesa
Programas e cursos oferecidos pelos Ministérios das Relações Exteriores dos países árabes e do Brasil, bem como universidades e instituições acadêmicas, poderão contribuir para o estreitamento das relações bilaterais entre os países árabes e o Brasil. A introdução desses programas na qualificação de diplomatas e funcionários que atuam nas áreas comercial, econômica e de promoção de investimentos, terá um peso significativo e altamente eficaz.
Conclusão:
O caminho mais fácil para concretizar as ideias acima é que a iniciativa privada dos países árabes e do Brasil sejam parceiras na adoção de muitos desses projetos e de uma perspectiva lucrativa. Conforme mencionado anteriormente, a visão desse trabalho é baseada na utilização econômica da cultura e se beneficiando dela para o fortalecimento das relações econômicas árabes-brasileiras e a consequente cooperação em outras áreas.
O fato de o setor privado assumir essa tarefa nos países árabes e no Brasil não significa excluir o papel oficial dos governos, pelo contrário, a adoção dessa tarefa no plano oficial é a base para o lançamento de qualquer plano cultural que contribua para o desenvolvimento das relações econômicas entre os países árabes e o Brasil. A parceria entre os setores público e privado desses países terá um papel fundamental no sucesso de quaisquer projetos nesse sentido.
O embaixador Qais Shqair é chefe da missão da Liga Árabe no Brasil