Por Rubens Hannun
Durante muito tempo falou-se em números que variavam em unidades de milhões de pessoas a respeito da quantidade de árabes e descendentes residentes em nosso País. Seis, sete, 10, 12, 15 milhões. A diferença era grande.
Entretanto, quiseram os acontecimentos que em um período de 14 dias, entre 22 de julho e 4 de agosto de 2020, esse número não só fosse constatado, como seu conteúdo foi colocado à prova e mostrou seu valor.
No dia 22 de julho do ano passado, a Câmara de Comércio Árabe Brasileira divulgou um estudo probabilístico realizado pelos institutos de pesquisa Ibope Inteligência e H2R Pesquisas Avançadas com 2002 entrevistados (2 pontos percentuais de erro amostral) colocando fim às especulações. Chegou o estudo à conclusão que 6% da população brasileira atual é constituída de árabes ou descendentes de árabes, ou 11,6 milhões de pessoas distribuídas em todo território nacional.
Quatorze dias depois, uma tragédia no Líbano, país árabe, que destruiu o porto e grande parte da capital Beirute, deixando dezenas de mortos e feridos e milhares de desabrigados, colocou à prova não só o número divulgado duas semanas antes, mas também algumas constatações.
A comunidade árabe-brasileira, significativamente constituída por libaneses e sírios, nessa ordem, imediatamente se sensibilizou e começou a se organizar no sentido de somar esforços para minimizar as consequências do desastre e na tentativa de traçar caminhos mais promissores aos irmãos libaneses que vivem no país.
Muitos dos que no Brasil estão têm parentes, amigos ou conhecidos morando em Beirute, as ligações são muitas. Para os outros, a quem essas ligações não existem de fato, elas existem de coração, seja pela lembrança ou pelo orgulho de saber que em seu sangue corre um pouco do sangue daqueles que tanto contribuíram para o desenvolvimento da civilização e recentemente para o desenvolvimento de nosso Brasil. E não necessariamente é preciso ser descendente de libanês para isso, os sírios sentem o mesmo, assim como os palestinos, os marroquinos, os egípcios, os sauditas e todos os árabes residentes no Brasil.
O orgulho é forte. O sentimento de pertencimento, apontado na pesquisa, se mostrou real e aflorou. Uma extensa e consistente rede foi montada para troca de informações, opiniões, sugestões e doações. Pessoas da coletividade, conhecidas ou não, começaram a se falar, a se relacionar. As distâncias pareciam não existir, foram representantes de todos os estados, desde cidades minúsculas até grandes metrópoles, independente se zona rural ou urbana, se conectando para ajudar.
Esses esforços não se limitaram às fronteiras dos árabes e seus descentes, muitos brasileiros se incorporaram aos esforços e engrossaram as fileiras da ajuda humanitária com doações em dinheiro, remédios, alimentos, material de construção, etc. Afinal, também já se sabia que a comunidade está muito bem instalada no Brasil, muito bem integrada. Os brasileiros, de quaisquer origens, gostam de ter os árabes como amigos, parentes, colegas de trabalho, parceiro de negócios, médicos da família, etc.
Assim, com 6% da população, quem é que não tem um conhecido, um amigo que faz parte dessa coletividade? Alguém que em uma conversa não tem uma história para contar do que está acontecendo, das aflições, ou alguém que lhe convide para um quibe ou uma esfiha no restaurante próximo? Sempre tem um restaurante próximo que serve um prato árabe, que já não se sabe se é árabe ou brasileiro.
E mais que isso, ou como reforço a tudo isso, a pesquisa também detectou que a presença da comunidade árabe é ainda mais importante qualitativamente. Além de representar 6% da população brasileira, ela tem uma relevância qualitativa ainda maior, ela é líder de opinião, está mais bem posicionada socioeconomicamente e culturalmente do que a média geral do País.
Vinte e nove por cento (29%) da comunidade árabe brasileira têm instrução superior, 10 pontos percentuais maior que a população brasileira. Já 45% dos descendentes de árabes são da classe econômica AB, enquanto o total de brasileiros nesse percentual não passa de 24%. Provavelmente por essas razões essa comunidade está seis pontos percentuais mais ocupada com trabalho remunerado. Por essas e outras razões ela é ouvida, traça caminhos, influencia e cria tendências nas mais diversas áreas, mas, principalmente, no comércio, na culinária, nas artes, na política, na saúde.
O movimento de sensibilização da sociedade em prol da ajuda humanitária ao Líbano também tem muito a ver com isso. Ficou claro que a classe política se mobilizou, o que gerou a delegação liderada pelo ex-presidente Michel Temer, descendente de árabes do Líbano, motivada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, levando na bagagem doações de empresas e associações que não por acaso têm em suas lideranças uma participação de árabes ainda maior do que na população.
Considerando empresas de todos os setores e de todos os portes, nacionais e multinacionais, 10% das diretorias delas têm árabes ou descendentes em sua composição. A participação chega a 12% no setor agrícola. O protagonismo ainda é maior quando se verifica que em 26% das lideranças das associações empresariais brasileiras (em um quarto delas) a comunidade está presente com opiniões, sugestões, caminhos, dando sua contribuição.
Rubens Hannun é presidente da H2R Pesquisas Avançadas e foi presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira por duas gestões.