Por Zana Bonafe*
Não há nada de novo em dizer que serpentes possuem má reputação. Do suicídio de Cleópatra até o poder assassino da Medusa, as cobras há muito tempo estão associadas à morte e ao horror. Os filmes de Hollywood que as retratam como répteis monstruosos, como em Anaconda ou Serpentes a Bordo, não são uma exceção. Na literatura, a série Harry Potter cimentou na mente de milhões de jovens a ideia de uma serpente como ser maligno com Nagini, um dos companheiros de Voldemort, o Senhor das Trevas.
Apesar de tudo isso, uma residente de Dubai de 10 anos de idade afirma que ama essas criaturas. “Eu acho as cobras muito fofas”, diz ela, quando perguntada sobre as serpentes. Foi através de seu amor por estes répteis que Maya Azeredo-Badreldin, estudante da 5ª série do NLCS Dubai, minha filha, conseguiu um estágio no renomado Instituto Butantan em São Paulo.
O instituto brasileiro, criado em 1901, é o maior produtor de imunobiológicos e biofarmacêuticos da América Latina e um dos maiores centros de pesquisa biomédica do mundo. É reconhecido mundialmente por sua coleção de cobras venenosas, assim como as de aranhas, lagartos, insetos e escorpiões. Ao extrair os venenos dos répteis e dos insetos, o instituto desenvolve soros e medicamentos contra muitas doenças, como a tuberculose, raiva, tétano e difteria.
Dentro do Butantan está localizado o Museu Biológico, onde vivem dezenas de répteis e anfíbios resgatados. Eles desempenham um papel importante na pesquisa do instituto, além de serem a principal atração educacional para as milhares de crianças que visitam o museu a cada ano. Em geral, as crianças podem observar os animais em exposição através de vidros espessos. Maya teve a oportunidade de passar dias nos bastidores do museu, com os biólogos, cientistas e veterinários que supervisionam os cuidados desses animais.
De nacionalidade brasileira, nascida e criada em Dubai, minha filha tornou-se a primeira criança a fazer um estágio no Museu de Biologia, onde ela limpou os recintos das serpentes, alimentou lagartos, cobras e sapos, aprendeu sobre construção de cenários para viveiros e sobre classificação de espécies com o diretor do museu, Dr. Giuseppe Puorto. Ela até mesmo deu banho em um par de dragões barbudos.
Maya tem se interessado por animais desde muito jovem e se tornou especialista em cobras há alguns anos. Autodidata, ela pode explicar em detalhes, e com grande entusiasmo, a mistura genética das diferentes morfologias de pítons-bola ou a rotina de alimentação de cada espécie de cobra. ‘As serpentes podem passar muitas semanas, até mesmo meses sem comer. Elas tendem a entrar em uma fase de hibernação antes de mudar de pele ou após uma refeição’, diz ela com confiança. O convite para o estágio veio de Cintia Lucci, diretora de projetos estratégicos do Butantan, com o apoio de Cris Mantovani.
Como parte de sua experiência, Maya também passou um tempo no departamento veterinário, aprendendo sobre as diferentes doenças das cobras, como identificar se uma cobra é macho ou fêmea – na maioria dos casos é impossível a olho nu – e o processo de quarentena para os animais resgatados. Ela manipulou os animais com perícia, incluindo grandes tarântulas e as gigantescas baratas de Madagascar. Mas suas favoritas foram as cobras: boa, píton-birmanesa, píton-bola, cobra-cipó, cascavel, sucuri, coral, cobra-do-milho e dezenas de outras espécies. Os répteis venenosos eram apenas observados, mas para todas as espécies não venenosas, Maya colocou a mão na massa, literalmente.
A última parte da experiência dela incluiu ser uma monitora mirim por um dia, aprendendo a como se comunicar com o público sobre a importância destes animais no equilíbrio de nosso ecossistema.
“Eu não entendo porque as pessoas têm medo deles. Como qualquer outro animal selvagem, eles não atacam os seres humanos ou outros animais por maldade”, diz Maya. “As cobras são animais solitários, que gostam de ficar estocados durante a maior parte do tempo. Elas só mordem para se defender ou se estiverem com fome e identificarem uma presa apropriada”.
Maya adotou e é cuidadora de uma píton-bola de sete anos, que mede cerca de 1,2 m. A cobra é um macho, chamado Graveto, e vive na sala de estar da nossa família, entre seus outros animais. Ela está profundamente interessada em zoologia e lidera o clube de ciências da sua escola. Quando perguntada sobre seus planos para o futuro, Maya diz que está indecisa entre biologia, zoologia e veterinária. Ainda com um longo caminho pela frente antes de ter que decidir sobre uma profissão, uma coisa é certa: a estagiária mais jovem do Instituto Butantan sonha com animais todas as noites.
O museu biológico do Butantan está aberto para visitação diariamente, exceto às segundas-feiras. O Instituto também possui um serpentário, a fazenda de venenos, o museu histórico, o museu biológico e o museu de microbiologia.
*Zana Bonafe é escritora, autora e residente nos Emirados Árabes Unidos
As opiniões emitidas nos artigos são de responsabilidade dos autores.