Por Tamer Mansour
A desabilitação de 11 frigoríficos avícolas brasileiros responsáveis por 65% dos embarques de frango à Arábia Saudita mostra que o maior mercado da Liga Árabe e o segundo principal destino do produto no exterior está avançando rapidamente em seus planos de alcançar a autossuficiência alimentar.
Conhecido como Visão 2030, o plano saudita anunciado há mais de uma década para fazer uma transição segura da economia do reino para a era pós-petróleo a partir de investimentos em inovação, energia renovável, segurança alimentar e diversificação econômica, foi turbinado na pandemia, com o recente aporte de US$ 1,8 bilhão na saudita Alamanni para dobrar a atual capacidade produtiva de derivados avícolas da empresa.
Se antes a meta da Visão 2030 era ter 60% da demanda de frango atendida por empresas locais até 2030, audaciosamente, os sauditas agora miram o percentual de 80%, estágio em que terão condições, inclusive, de iniciar a reexportação do frango para países vizinhos a partir das zonas de processamento de exportações já instaladas para essa finalidade nos portos do reino.
Na pandemia, que acentuou em todos os países árabes a necessidade de diminuir a dependência externa de alimentos, a Arábia Saudita parece ter renovado sua disposição de investir o capital petrolífero acumulado em décadas na aquisição das tecnologias necessárias para viabilizar a produção de frango em larga escala num país desértico, com baixa disponibilidade de água e quase nenhuma produção de grãos.
É fato que os recentes movimentos do governo saudita têm preocupado exportadores brasileiros de frango e derivados avícolas com negócios no reino, alguns datando de 1977, quando o primeiro embarque foi realizado pelo Brasil, em troca de combustível fóssil, na esteira da Crise do Petróleo.
Afinal, o Brasil foi durante todos esses anos um parceiro confiável no fornecimento de alimento, sempre dentro das quantidades demandadas e especificações de sanidade, qualidade e metodologia produtiva exigidas pelas autoridades da Arábia Saudita e pelo consumidor muçulmano.
É necessário compreender, no entanto, que a Arábia Saudita há tempos vem dando mostras de que gostaria de avançar na relação com o Brasil para além da compra e venda de mercadorias, rumo a uma cooperação estratégica na área de segurança alimentar.
Aos sauditas, pode interessar a ampliar a participação de seus fundos soberanos e privados nas empresas brasileiras de alimentos, a exemplo da bem-sucedida parceria Minerva-Salic, que fez do frigorífico o maior exportador de carne bovina no Brasil, especialmente para os países da Liga Árabe.
Aos sauditas, pode interessar uma cooperação mais estreita com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para viabilizar o desenvolvimento de cultivares capazes de produzir nas severas condições climáticas do país árabe, num plano conjunto para viabilizar cadeias produtivas locais de alimentos e, quem sabe, de energia renovável e itens necessários à produção agropecuária, como genética, vacinas, grãos.
Aos sauditas, pode interessar uma cooperação mais próxima com as empresas brasileiras no sentido de viabilizar investimentos produtivos locais, a exemplo do que já fez a BRF no país, com a aquisição de plantas por lá, que darão acesso a um dos mercados mais demandantes de proteína avícola do mundo.
A Arábia Saudita vai continuar sendo um importante mercado para o frango brasileiro, assim como outros países na Liga Árabe, nomeadamente o Iêmen e Egito, que vêm intensificando o ritmo de compras de proteína avícola brasileira de forma consistente e compensando as restrições no mercado saudita, ao menos em alguma medida.
O mais rico país da Liga Árabe está se tornando um mercado ainda mais relevante para as soluções tecnológicas do agronegócio, além de um parceiro estratégico na viabilização de investimentos produtivos que beneficiem os dois lados da parceria.
A relação bilateral está se transformando. Cabe a todos nós escolher que papel teremos na mudança.
*Tamer Mansour é CEO e secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe Brasileira.