Belém – Eles são agricultores que produzem praticamente o ano todo. Se a safra do cupuaçu já acabou, dá para tirar o cacau da árvore. Logo depois, é tempo de apanhar o açaí. No município de Tomé-Açu, no interior do estado do Pará, uma parte da população encontra rendimentos no decorrer do ano todo em um modelo de cultivo amigável ao meio ambiente chamado de Sistema Agroflorestal (SAF), em que plantas produtivas de fins comerciais se misturam a espécies florestais, reproduzindo o ambiente da mata.
Uma das principais propagadoras da ideia na região foi a Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (CAMTA), criada na década de 1930, então com outro nome, por japoneses que imigraram para o Brasil de olho em produzir cacau. Após experiências com várias culturas e o enfrentamento de doenças em algumas delas, hoje os cooperados da CAMTA mantêm SAF em sete mil hectares. A área total deles é de 45 mil.

A CAMTA tem 170 produtores como cooperados, 10% deles japoneses e 50% descendentes de japoneses. De acordo com o presidente da cooperativa, Alberto Oppata, a CAMTA impacta na região em torno de 10 mil pessoas diretamente e indiretamente. A produção dos agricultores inclui açaí, cacau, cupuaçu, murumuru, maracujá, andiroba, pimenta-do-reino, dendê, em um total de 15 produtos diferentes.
Quando a cooperativa começou a juntar as culturas em uma mesma área com espécies florestais, chamava isso de sistema consorciado. “Na década de 1990 mudou para SAF”, explica Oppata. A prática local deu ao sistema um adendo em referência ao município: Sistema Agroflorestal de Tomé-Açu ou SAFTA. Quando inclui o dendê, a CAMTA denomina o modelo de SAF Dendê.

Oppata explica que o sistema agroflorestal na cooperativa é movido por um tripé: econômico, social e ambiental. “O objetivo principal é fazer com que o agricultor tenha renda dentro da propriedade e, de preferência, contínua, porque nós temos despesas contínuas. Nesse sistema, se (o agricultor) tiver pelo menos três culturas, ele consegue ter uma receita mensal”, afirma o presidente da CAMTA.
A outra frente é social. “Social porque emprega muita gente. Nesse sistema agroflorestal, uma pessoa consegue cuidar de em torno três a quatro hectares. Em uma agricultura familiar, três pessoas conseguem cuidar de uma propriedade de 10 hectares”, relata. E há ainda o meio ambiente. “Esse sistema ajuda, no nosso entender, a criar um microclima similar a uma floresta”, afirma.

Ernesto Katsunori Suzuki é um dos produtores de Tomé-Açu com ascendência japonesa que trabalha com SAF. Em uma das suas áreas é mantida unidade demonstrativa de pesquisa, em que o dendê é inserido no sistema agroflorestal, iniciativa na qual a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) participa. Trata-se de um dos últimos avanços do modelo. A pesquisa começou em 2008 por causa do interesse da empresa de cosméticos Natura em óleo de dendê produzido de maneira sustentável, segundo Suzuki.
Quando esse trabalho começou, um dos questionamentos era se o dendê seria produtivo no SAF. “Nós temos uma produtividade igual ou até superior ao monocultivo do dendê, além de mantermos acima da média a produtividade do cacau, e não só a produtividade, mas a qualidade da amêndoa (de cacau) também”, afirma Suzuki. O coordenador técnico da CAMTA, Pedro Silva, conta, inclusive, que o sistema está sendo adotado em áreas que antes eram pastagens degradadas, com bons resultados.

Outro agricultor de ascendência japonesa que produz no modelo agroflorestal em Tomé-Açu é Armando Tamotsu Mineshita, cooperado da CAMTA. Ele mantém cerca de 15 hectares com cacau, pimenta-do-reino, açaí, cupuaçu, banana, pitaya, rambutão, mangostão, baunilha e limão, em área que chama de consorciada. “Esse tipo de consórcio favorece a vida microbiana do solo, mantém uma temperatura estável e agradável para a colheita na sombra e diminui a mão-de-obra na hora da limpeza da área e da adubação”, informa.
A CAMTA extrai óleos e manteigas de vários produtos, entre eles sementes de cupuaçu, maracujá e amêndoa de cacau, e a produção total disso é fornecida para a Natura. A cooperativa também recebe dos cooperados produtos secos, como pimenta-do-reino e cacau, e processa em sua agroindústria outros, como açaí, acerola, maracujá, abacaxi e cupuaçu, para fazer polpas de frutas e sorbet. Na agroindústria, a capacidade de produção é de 10 mil toneladas, com o açaí como carro-chefe, com 5 mil toneladas/ano.
Os produtos processados na agroindústria não são vendidos pela CAMTA com marca, mas fornecidos como matérias-primas para outras empresas no Brasil e no exterior. A cooperativa exporta para países como Alemanha, França, Israel, Portugal, México, Argentina, Japão, e está de olho na China e na Índia. A empresa também tem interesse em fornecer aos países árabes, de acordo com Oppata. “Nós queremos, sem dúvida nenhuma, atender o mercado árabe”, afirma ele. Os cooperados fornecem o dendê para terceiros.
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*A jornalista viajou a convite da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)


