São Paulo – Um time feminino vem se destacando no Brasil quando o assunto é mundo árabe. Principalmente cultura árabe. Nos últimos meses, em que a Primavera Árabe trouxe os temas da região para os espaços de debate no Brasil, elas são vistas atrás de microfones, dando entrevistas, palestras e aulas, falando com propriedade sobre os países árabes, sua história, seu direito, seu idioma. São mulheres como Arlene Clemesha, presença certa quando o debate envolve história árabe, Soraia Smaili, sempre por trás de eventos sobre cultura e imigração árabe, ou mesmo Samantha Maranhão, especialista em temas do arabismo.
Num Brasil onde é comum a manifestação e até mesmo o comando das mulheres – vide a presidente Dilma Rousseff e seus ministérios com nomes femininos – a voz menos grave dando seus pitacos sobre política ou guerra não é um problema. Mesmo que o mundo sobre o qual elas falam seja reconhecido, globo afora, por sua cultura predominantemente masculina, como é o caso dos países árabes. Mas elas se sentem bem recebidas aqui e lá. “A receptividade é muito boa”, diz Clemesha, que dá palestras aqui e no exterior.
Clemesha, aliás, é uma das mulheres que melhor ilustra esse grupo de intelectuais femininas especialistas em mundo árabe. Diretora do Centro de Estudos Árabes da Universidade de São Paulo (USP), ela dá aulas na graduação e na pós-graduação da instituição sobre história árabe geral. O conteúdo abarca desde o período pré-islâmico até o século 20. Se você perguntar sobre as migrações na Península Arábica no terceiro milênio antes de Cristo, ela vai responder. Se você perguntar sobre a formação do Império Otomano na região, ela também saberá.
Mas Clemesha faz mais do que dar aulas e a dirigir o departamento na USP. Também pela universidade, ela lidera mostras de cinema árabe, está organizando um livro com artigos dos alunos da pós sobre o orientalismo na história, e já fez parte, com participação bem ativa, do Instituto de Cultura Árabe (Icarabe), onde estão algumas das melhores intelectuais da causa árabe em São Paulo, como Soraia Smaili, diretora do instituto e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). No mês de março, Clemesha esteve na Universidade Americana do Cairo. Dando palestra sobre o que? A Revolução de 1919 do Egito.
Clemesha, natural de São José dos Campos, interior paulista, como o sobrenome indica, não tem origem árabe. O conflito árabe-israelense, no entanto, chamou sua atenção e a fez se voltar para o estudo da história árabe. “É uma questão importante para a paz mundial”, afirma a historiadora, atraída também pelo estudo do pensamento marxista. Karl Marx era de origem judaica. O primeiro livro publicado por Clemesha foi resultado do seu mestrado sobre o marxismo e o judaísmo. O doutorado foi sobre o mandato britânico na Palestina.
No Piauí
No Piauí é Samantha Maranhão o nome lembrado quando o assunto é mundo árabe. Diferente de Clemesha, porém, que fala principalmente de história e política, o tema de Maranhão é a filologia. Mas não é qualquer filologia, é a filologia arabo romanica. Essa ciência estuda uma língua, literatura, cultura ou até mesmo uma civilização a partir de uma visão histórica e de documentação. E foi justamente a herança árabe no vocabulário de Medicina e Farmácia que Maranhão escolheu estudar e pesquisar.
Ela também pesquisou a influência do idioma árabe na terminologia usada pelos afro-brasileiros e atualmente investiga os registros das palavras de origem árabe nos dicionários brasileiros. E sobre estes e outros temas do mundo árabe é possível ver Maranhão falando Piauí afora, em aulas, entrevistas, palestras. Há ainda as questões femininas da região que interessam a ela e também são motivo de suas interlocuções.
A estudiosa não tem origem árabe e é gaúcha. Morou em Porto Alegre até os seus 12 anos e depois foi para a Bahia com a família. Desde 2004 ela vive no Piauí, para onde se mudou após passar em um concurso para professora da Universidade Federal do Piauí (Ufpi).
No Rio
No Rio de Janeiro, outra intelectual também costuma chamar a atenção quando começa a falar sobre o mundo árabe. Cristina Ayoub Riche, ouvidora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ufrj), já teve como atividade principal o ensino e estudo da literatura árabe, depois de se especializar em língua e literatura das arábias, e alguns anos depois o direito islâmico, quando escolheu sua segunda carreira e se formou em Direito.
Hoje Riche é praticamente uma porta-voz em defesa das ouvidorias como instrumentos de democracia participativa, mas continua falando com propriedade também sobre o filósofo e escritor libanês Gibran Khalil Gibran, o escritor brasileiro de origem árabe Salim Miguel , As Mil e Uma Noites, a conotação divina do idioma árabe, o casamento no direito islâmico, entre outros temas que envolvam a região. E faz o link da sua profissão com as origens. “Eu queria aprender a língua do segredo, dos códigos”, fala sobre o idioma árabe, que acabou estudando e que, quando era criança, ouvia a avó falando com os irmãos que haviam ficado no Líbano.
Também a escolha pelo Direito ela afirma que deve aos antepassados, que para ela foram exemplos na “defesa da dignidade das pessoas”. Atualmente Riche faz planos de um trabalho com alfabetização infantil, em conjunto com suas ex alunas do curso de Letras Árabe/Português, no qual pretende usar as fábulas árabes. Levar adiante a cultura da região, aliás, é uma das atividades prediletas da pesquisadora. Dela e das outras orientalistas que, com seu talento e dedicação, nos aproximam do mundo árabe.

