São Paulo – Em 2016 o engenheiro agrônomo Alexandre Monteiro Chequim decidiu, junto com seu antigo professor Ricardo Balardin, investir na criação de uma empresa de tecnologia no agronegócio. Nascia, ali, a DigiFarmz, uma das startups que estão ajudando a revolucionar o setor que mais cresce na economia brasileira, o agronegócio.
A empresa gaúcha começou a funcionar em 2017 como uma plataforma que ajuda produtores de soja a ampliar a assertividade do plantio, selecionar os insumos mais adequados, escolher a época ideal de colheita e administrar todo o processo produtivo da cadeia da soja. Hoje, já aplica seus algoritmos em outras lavouras, como milho e trigo. Em 2019, tinha três funcionários, hoje são 21 pessoas trabalhando na empresa.
“O agro chegou mais tarde no desenvolvimento tecnológico que vemos hoje, na digitalização. Veio com a agricultura 4.0 e hoje já está mais avançado com a agricultura 5.0 (que é mais automatizada, utiliza dados matemáticos e inteligência artificial no manejo do campo). Se a gente compara com outros segmentos mais “urbanos” da economia, as iniciativas de startups e tecnologia de ponta chegaram mais tarde ao agro, primeiro porque não é onde a maioria das pessoas está e segundo porque o agro é físico. Você não pode aplicar aqui a desmaterialização de outros setores. O agro precisa de água, de semente, de terra. É mais tradicional mesmo”, diz Chequim.
A DigiFarmz, da qual ele é CEO e co-fundador, ao lado de Balardin, é uma das que leva o conceito de digitalização e uso de cálculos matemáticos avançados para o campo. Mas não é a única.
De acordo com o gerente executivo da EsalqTec, Sergio Barbosa, o setor passa por uma revolução de tecnologia a partir das empresas que são consideradas as “agritechs”, que compreendem também startups do setor. A própria EsalqTec é um ecossistema criado pela Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (USP), de olho na revolução no campo. “O que nós precisamos é de sustentabilidade, e é aí que entra a tecnologia. É poder ser mais produtivo e fazer mais com menos: menos custo, menos terra, menos água, menos insumos, menos energia e reduzir os impactos. Se hoje eu preciso de um hectare para criar um boi, posso tentar criar dois bois na mesma área e, assim, reduzir o espaço utilizado pela metade”, exemplifica.
Como exemplo do que pode ser feito com a ajuda das startups, Chequim cita o setor em que a própria DigiFarmz atua: a soja. “Hoje, se produz em média 60 sacos de soja por hectare. Temos alguns recordes de 129 sacos por hectare e o potencial de produtividade é de 200 sacos por hectare”, afirma.
Onde estão as agtechs?
Desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), pelo Homo Ludens Research Consulting e pela SP Ventures, o Radar Agtech mapeia as startups do agronegócio brasileiro. De acordo com os dados 2020/2021 há, no Brasil, 1.574 agtechs, que são as startups do setor agropecuário. Dessas, 983 estão baseadas na região Sudeste, 397 na Sul, 94 no Centro-Oeste, 72 no Nordeste e 28 na região Norte. E, entre estados, 757 estão em São Paulo, seguido por Paraná (151), Minas Gerais (143), Rio Grande do Sul (124) e Santa Catarina (122).
Uma das startups nascidas no estado de São Paulo é a PW Tech, que é associada à EsalqTec. Ela surgiu dentro da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em 2019 e foi criada a partir de um equipamento capaz de filtrar água que não é própria para consumo em potável. De acordo com o sócio-fundador, ao lado de Maria Helena Azevedo, e CEO da PW Tech, Fernando Marcos Silva, o diferencial do equipamento está na sua portabilidade, na garantia de qualidade de água e na capacidade em trabalhar com diversas fontes de energia justamente para ser adotado onde não tem água potável. O equipamento pode operar com energia de fonte solar, eólica e elétrica e filtra até cinco mil litros de água por dia.
“O primeiro uso dele é o social, afinal temos no Brasil 35 milhões de pessoas sem acesso à água potável, mesmo que às vezes estejam próximas a uma fonte de água. Outros usos podem ser para auxiliar no processo de engorda de gado e no desmame de bezerros”, diz Silva ao citar utilidades do equipamento. Mas outras oportunidades se abrem a partir da ideia surgida dentro dos muros universitários.
Em um projeto com a mineradora Vale, comunidades carentes usam o equipamento não apenas para sustento próprio como para gerar renda a partir de pequenas produções de alimento. Em outro caso, a empresa foi selecionada pela Organização das Nações Unidas para fornecer o equipamento a equipes de combate a incêndios florestais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), além de participar em futuros projetos do governo.
Caminhando ao exterior
A PW Tech já obteve a parceria de aceleradoras para ampliar o leque de atuações do equipamento e participa de um projeto de aceleração em Portugal. Hoje, conta com 11 funcionários e vai crescer, segundo Silva, de acordo com a chegada dos projetos e encomendas. Já conta também com aportes do fundo de investimentos Fram Capital. “Demos dois equipamentos para a Agência Brasileira de Cooperação, que doou recentemente ao Haiti. Temos um plano de internacionalização, mas estamos colocando em prática nossos projetos passo a passo”, afirma Silva.
Quem também já começa a dar os primeiros passos para além das lavouras brasileiras é a DigiFarmz: “A internacionalização está nos nossos planos e já estamos com um projeto no Paraguai e temos uma POC agendada nos Estados Unidos. Estamos aprimorando a plataforma, construindo o time, os processos. Estamos indo rápido”, diz Chequim. “O Brasil tem o maior movimento de agritechs do mundo, de empresas de tecnologia da agricultura. E, entre elas, estão as startups. E não falo só de empresas, mas de ecossistemas de negócios que fazem com que o Brasil continue a ser um provedor de alimentos e de energia de forma sustentável”, completa Sergio. POC é uma prova de conceito.
Reportagem de Marcos Carrieri, especial para a ANBA