São Paulo – Em um mundo que teoriza muito sobre a renda que pode advir da preservação, uma startup brasileira está chamando a atenção do mercado por colocar em pé um negócio desse tipo, com atração de investimento e com produto colhido. A Bio2Me produz castanha-de-baru e fava d’anta em áreas nativas do Cerrado nacional.
Disposta a avançar substancialmente nos tipos de produtos obtidos desse bioma e na extensão das áreas que opera, a Bio2Me quer os países árabes como consumidores da castanha-de-baru. Ela vislumbra parcerias de investimento com a região, mas prefere dar um passo de cada vez, começando pelo comércio.
“A Bio2Me é operadora de fazenda, a gente opera fazenda no Cerrado brasileiro olhando para áreas preservadas e conservadas e para degradadas que vou restaurar com mudas nativas também”, afirma um dos sócios fundadores, o CFO Marcio Campos, tendo em mente o leque de produtos que podem ser explorados a partir das seis mil espécies de árvores nativas existentes no Cerrado.
Um dos produtos que já está na mão da Bio2Me, a castanha-de-baru, a startup quer fazer chegar ao mercado árabe já no próximo ano. O objetivo é fornecer para a região entre uma e duas toneladas em 2025. “Os árabes são os maiores consumidores de castanha e amendoim do mundo”, afirma Campos, lembrando que o fato de o Brasil ser um país amigável com o mundo inteiro pode favorecer os negócios com a região.
Atualmente a Bio2Me opera uma fazenda de 200 hectares no município goiano de Luziânia, de propriedade da família de um dos sócios fundadores, Claudio Fernandes, e começa a trabalhar com uma fazenda de 1.700 hectares em Cavalcante, também em Goiás, com a qual assinou contrato de arrendamento com opção de compra. Castanhas-de-baru fornecidas por comunidades também são vendidas por meio da Vista, empresa dos mesmos sócios que cuida da comercialização.
Hoje a castanha é fornecida torrada a distribuidores e empórios brasileiros em embalagens de 50 e 100 gramas com a marca Vista. O objetivo, no entanto, é produzir também derivados do baru e a castanha, como pasta, farinha, farofa e óleo, e exportar 95% ou 100% da produção. A empresa parte da lógica que exportando é possível oferecer melhor remuneração a quem trabalha com o setor e assim proporcionar uma vida de qualidade para as comunidades que produzem para que se mantenham no campo. Contar com mão de obra é essencial para manter um negócio desse tipo, em que o baru – fruto que contém a castanha – é colhido manualmente.
Cariocas fazendeiros
A estratégia sustentável da Bio2Me foi desenhada por Campos e Fernandes pouco a pouco. Cariocas, o primeiro economista e o segundo engenheiro elétrico, o agronegócio chegou na vida dos dois, que são primos, meio que ao acaso, quando Fernandes se deparou com a herança do pai, uma fazenda 100% preservada em Luziânia.
O engenheiro descobriu que ali havia castanha-de-baru e se deu conta da possibilidade que se abria quando, ao lado do primo e então seu sócio em outro negócio, Campos, se deparou com o preço do produto em um mercado: R$ 150 a R$ 200 o quilo. “Aqui pode ser a resposta que temos para ganhar dinheiro preservando a floresta de pé”, relata Campos, sobre o pensamento dos dois na época.
Com muita interface com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), os dois montaram primeiramente a Vista Produtos Sustentáveis, em 2021, para o comércio dos bioativos do Cerrado, mas, ao procurar fornecedores no mercado se deram conta que essa cadeia era muito desestruturada e precisava de avanços. Foi então que criaram, em 2022, a Bio2Me para produzir e cuidar dos demais gaps da área.
Preenchendo gaps
Na maioria das vezes trabalhando em parcerias com instituições, a Bio2Me está atacando uma série de lacunas para estruturar esse setor. Uma delas é a morosidade para quebrar o baru e extrair a castanha, prejudicando a agilidade do fornecimento, o que deve ser resolvido com a criação de máquina eficaz. Também a Bio2Me está desenvolvendo projeto de rastreamento dos bioativos, para que cheguem ao consumidor com origem sinalizada, e estuda como aproveitar partes do baru como a polpa e a casca.
A Bio2Me atua ainda no desenvolvimento de uma rede neural para mapear áreas com uso de drones, identificando as árvores pelas copas e assim entendendo o quão promissor o terreno é para a extração de bioativos. Outras frentes são o treinamento a comunidades que trabalham com os produtos do Cerrado, inclusive em brigada de incêndios – a prevenção aos incêndios é uma atividade de atenção na startup – e o desenvolvimento de viveiro de mudas nativas do Cerrado, pois já encontrá-las no mercado é um problema.
Trabalhando com esse universo, os líderes da startup entenderam que extrair os bioativos é uma solução para as áreas de preservação, já que, por lei, as fazendas precisam manter pelo menos 20% do terreno com vegetação nativa, o que costuma ser considerado custo por proprietários. A possibilidade de retirar dali alguma renda, no entanto, pode mudar esse cenário. “O Ministério da Agricultura está falando que a castanha-de-baru vai ser em dez anos para o Cerrado o que o açaí foi para o bioma Amazônico”, diz Campos.
Filhas do Cerrado
A castanha-de-baru, proteica, é considerada um superalimento e é consumida principalmente por veganos e maratonistas. Por hora, porém, seu mercado consumidor ainda é muito restrito. Já a fava d’anta é fonte de componentes para a indústria farmacêutica. A fava d’anta produzida pela Bio2Me é vendida para indústria brasileira exportadora. A fazenda em operação pela greentech tem 270 árvores de baru e 420 fava d’antas.
O perfil da Bio2Me já chamou a atenção do mercado, tanto que a empresa foi reconhecida por algumas iniciativas voltadas a startups e à inovação. Ela faz parte do projeto Panela Nestlé, uma iniciativa da multinacional de alimentos para acelerar a inovação, e foi uma das sete escolhidas para o projeto Soja Sustentável do Cerrado, da consultoria internacional PwC, de incentivo a soluções para conservação da vegetação em áreas do Cerrado.
O mundo inteiro
No ano passado, a Bio2Me fez um evento de apresentação da sua atividade ao mercado, na sede da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, na capital paulista, da qual é associada. A empresa conta com a instituição para levar a cabo seus planos em relação ao mercado árabe. “Eu quero exportar para o mundo inteiro, mas um foco mesmo de atenção é o mercado árabe, então nossa aproximação com a Câmara Árabe é de longuíssimo prazo”, relata Campos.
Campos e Fernandes são proprietários da Bio2Me, além dos líderes do negócio, e a startups tem dois investidores, que são Antonio Nuno Verças e Vicente Parente. Os dois investidores também têm participação na Vista. Neste momento, a Bio2me está fazendo uma captação de R$ 25 milhões. Até julho do ano que vem, a empresa pretende estar operando 10 mil hectares, de acordo as projeções de Campos. A expansão deve seguir com a estratégia de manter o foco na preservação e na rentabilidade. “Não existe empresa verde no vermelho. Isso aqui precisa ser rentável para todo mundo porque eu só consigo preservar se eu tiver renda”, afirma o economista.
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