Cláudia Abreu
São Paulo – O cenário seco e sem vida de uma fazenda abandonada de caju, no município de Canto do Buriti, no interior do Piauí, começa a ganhar outros contornos. O verde da mamona, variedade usada na fabricação de biodiesel, deu um novo colorido à paisagem local e alegria às cerca de 700 famílias que moram no local. Trata-se da fazenda Santa Clara, mantida pela empresa Brasil Ecodiesel, que aproveitou os incentivos dos governos federal e estadual e está investindo na produção de biodiesel no Nordeste brasileiro.
A área de cerca de 18 mil hectares, segundo André Luis Girdwood, diretor da empresa, era propriedade do governo do Piauí e foi cedida à Brasil Ecodiesel em troca do compromisso de partilha da terra entre os pequenos agricultores contratados para produzir a mamona usada na produção de biodiesel. Girdwood explica que as famílias assinaram um contrato no qual se comprometem a cultivar a mamona durante um período de dez anos em parte de um terreno de nove hectares, que cada um recebe.
Do total concedido a cada agricultor, um hectare tem uso livre, é um quintal para se plantar mandioca, milho, etc. "O morador pode fazer o que quiser nesse espaço", diz Girdwood. Em cinco hectares, a família tem de plantar mamona e feijão. Em mais três hectares, cultiva apenas mamona. Até agora, segundo o executivo, cerca de 5 mil hectares foram cultivados na fazenda. A renda anual de cada agricultor varia entre R$ 2.500 e R$ 3.000.
Os agricultores também recebem uma casa de alvenaria para morar, com luz e água encanada. Em dez anos, se cumprirem o contrato que têm com a empresa, os moradores recebem a escritura de posse do terreno. "As casas são organizadas em círculos, chamados células. Atualmente, são cerca de 18 células, cada uma com 35 famílias, em média, na Santa Clara", afirma o executivo. Na área comum da fazenda existe ainda um mini-hospital, com ambulância, escola para as crianças, cinema, um centro de informática e um centro comercial com mercado e lojas de serviço.
Sucesso
Na Santa Clara, o solo é preparado pelas máquinas da Brasil Ecodiesel. Os agricultores também recebem sementes e orientação técnica para o plantio. Na primeira safra, realizada este ano, algumas famílias colheram mais de mil quilos por hectare. "A mamona é muito adaptada ao clima do semi-árido, são necessários poucos milímetros de chuva por ano para se alcançar uma produtividade razoável", afirma Girdwood.
Outra vantagem da parceria é a garantia de compra da safra. A produção da Santa Clara está sendo utilizada pela nova usina da Brasil Ecodiesel, em Floriano, também no Piauí. A fábrica, inaugurada em agosto deste ano, tem capacidade para produzir 27 mil toneladas de biodiesel por ano.
O grupo também opera na região de Crateús, a 300 quilômetros de Fortaleza, a unidade esmagadora Rio Poty, que beneficia a mamona e produz óleo vegetal. A fábrica tem capacidade para processar 150 toneladas de mamona por dia e alcançar a produção de 60 toneladas de óleo.
Além do trabalho com agricultores da fazenda Santa Clara, a Brasil Ecodiesel possui acordos com pequenos proprietários que não têm condições financeiras para investir na propriedade. Nesse caso, a empresa oferece maquinários, sementes e também garante a compra da safra. "A expectativa é de que 100 mil famílias participem do programa em 10 estados brasileiros até o final deste ano", completa Girdwood. A meta é produzir 300 mil toneladas de litros de biodiesel por ano até 2007.
Dendê
Outro grupo que está investindo na produção de biodiesel por meio de parcerias com pequenos agricultores é o Agropalma. As unidades produtoras da empresa ficam na região Amazônica. Em um dos programas, no município de Moju, 50 quilômetros de Belém, cerca de 150 famílias trabalham com o cultivo da palma para fazer o óleo de dendê. O projeto piloto tem o apoio do governo do Pará, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Banco da Amazônia (BASA).
Em Moju cada família recebe 12 hectares. As terras foram doadas pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa). A Agropalma fornece as mudas, infra-estrutura inicial e ensina as técnicas adequadas ao cultivo da palma. A empresa também se comprometeu a comprar toda a produção dos pequenos agricultores a preço balizado pelo mercado internacional.
Como a palma leva cerca de 36 meses para começar a produzir cachos, o BASA tem financiado mensalmente o equivalente a um salário mínimo para cada família se manter na roça e adquirir os insumos necessários para cuidar da lavoura. O valor total do empréstimo será pago com juros de 4% ao ano, dentro de um prazo de carência de sete anos.
Edmilson Ferreira Barros, chefe comunitário e presidente da Associação de Desenvolvimento Comunitário Arauaí, entidade que reúne os produtores de Moju, conta que antes a maior parte dos agricultores trabalhava com culturas como arroz e mandioca, apenas para subsistência. "Com a palma, a gente espera uma melhora de renda para o futuro, uma vida melhor para nossas famílias. Antes, nós não tínhamos desenvolvimento; desmatávamos muito e colhíamos pouco. Agora, não derrubamos as florestas", diz Barros.
A área desmatada – estimada em 5 milhões de hectares na região norte – inclusive tem aptidão para o cultivo da palma e poderá ser reaproveitada pelos agricultores. O Pará já é o maior produtor da variedade, cultiva 50 mil hectares e tem uma produção anual de 100 mil toneladas de óleo de palma.
Parcerias
Para executar as parcerias com os pequenos agricultores, as empresas Brasil Ecodiesel e Agropalma se apóiam no programa do governo federal, que criou políticas de incentivos fiscais para as indústrias que processam óleo de mamona e de palma nas regiões mais pobres do país – entenda-se Norte e Nordeste – e apóiam a agricultura familiar. Elas têm isenção de impostos como PIS e Cofins.
Outro ponto de apoio federal é a contribuição de instituições como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que desenvolve pesquisas sobre as variedades e métodos para aumentar a produtividade. Os governos dos estados têm contribuído também, têm cedido áreas para instalação das indústrias e terras para o cultivo das variedades.