São Paulo – O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Paulo Rabello de Castro, vai fazer uma palestra na Câmara de Comércio Árabe Brasileira, em São Paulo, no próximo dia 19. Nesta segunda-feira (11), ele deu uma entrevista exclusiva à ANBA e antecipou alguns temas que serão apresentados, como o interesse do banco em atrair fundos árabes ao Brasil e a realização de uma missão a países do Golfo em novembro, e falou sobre assuntos atuais do BNDES, como a aprovação da nova Taxa de Longo Prazo (TLP) pelo Senado, na semana passada, em substituição à atual Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).
Castro pretende se reunir com representantes de fundos de nações árabes e oferecer cooperação do BNDES na busca de oportunidades de investimentos no Brasil e também possíveis parcerias em empreendimentos. “Nós vamos captar recursos internacionais por empréstimos e eventualmente por parcerias com nosso capital próprio”, disse o executivo, que quer propor aos árabes a criação de fundos com o banco brasileiro para investimentos em setores específicos.
Ele acrescentou que as pequenas e médias empresas terão grande atenção da instituição daqui para frente, inclusive nas operações de exportação e importação. “Esta é uma das áreas de maior vocação e de maior interesse para o banco nos próximos anos”, destacou.
O economista, que assumiu a presidência do BNDES em junho, minimizou o impacto da nova TLP, prevista para começar a entrar em vigor em 2018 e que, em tese, pode tornar parte dos empréstimos do banco mais caros. “A realidade é que esta nova taxa se circunscreve à aplicação de uma parte restrita das fontes de financiamento do banco”, afirmou.
Em retorno de uma viagem à Ásia, ele ainda comentou sobre a possibilidade de o governo pedir a devolução antecipada de valores emprestados pelo Tesouro ao banco. “É fato que a União Federal precisará de um socorro, mas o banco não provê socorro, nem para seus clientes, nem para a União, o que poderá vir a acontecer é o banco apresentar uma forma financeira de trocar ativos com a União”, declarou. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
ANBA – O senhor estava na China?
Paulo Rabello de Castro – Estava na China e no Japão numa missão internacional, que foi muito boa por sinal, deu para ver como eles estão agindo lá fora em relação ao desafio do desenvolvimento de seus respectivos países e ao mesmo tempo o quanto os brasileiros estão devendo a si mesmos em matéria de desenvolvimento. O BNDES tem que ser colaborador nessa próxima etapa que começa a acontecer com o governo de transição do presidente Michel Temer e que deve trazer novidades positivas, na medida em que haja uma renovação política em 2019 [quando um novo governo irá assumir após eleições em 2018]. É um pouco nesta direção que nós pretendemos retomar o diálogo do Brasil com os países árabes, tendo em vista o alto grau de complementariedade de nossos interesses.
O senhor irá fazer uma palestra na Câmara Árabe no dia 19. É possível antecipar um pouco do que vai dizer?
Nós não vamos inventar a roda, mas constatar duas coisas fundamentais: a primeira, como eu antecipei, é que existem entre o Brasil e o conjunto dos países árabes complementariedades naturais e institucionais, além de financeiras, que estão sendo aproximadas hoje de forma muito insuficiente. E a segunda constatação é que culturalmente o Brasil com os países árabes nutre uma proximidade de caráter institucional e étnico enorme, mas que, tal como no primeiro caso, está sendo insuficientemente capitalizada.
É só ver a corrente de comércio, que se expandiu bastante de 2007 a 2012, mas de lá para cá vem crescendo como “rabo de cavalo”, para não dizer que basicamente estagnou; e desde 2015, em grande medida por causa do próprio Brasil, ela chegou a um processo de regressão que deveria ser objeto da nossa imediata reação. A presença do BNDES na Câmara Árabe e nesta futura missão [a países árabes] tem como objetivo esta reação.
E neste ponto, o que o BNDES pode fazer?
Primeiro, o BNDES é talvez o maior conhecedor de oportunidades de investimentos no Brasil e, mais do que isso, nós somos bons aferidores do risco de investir no País, então eu antevejo a possibilidade de uma cooperação financeira crescente entre os fundos investidores árabes e o BNDES.
Em muitos casos, o BNDES pode ser mais do que um intermediário, pode ser um parceiro nestes investimentos, porque, dentro da nova abordagem que o BNDES terá de 2018 para frente, nós seremos um banco de recursos internacionais do Brasil antes de mais nada.
Ou seja, vocês vão captar recursos externos…
Nós vamos captar recursos internacionais por empréstimos e eventualmente por parcerias com nosso capital próprio. Na realidade, nós vamos ter, ainda mais do que hoje, a mesma visão dos fundos internacionais e a mesma orientação para riscos. Ou seja, o BNDES vai cultivar uma visão que não difere em nada da visão de um fundo internacional que vem buscar oportunidades no Brasil, com a única diferença que o BNDES tem a “pretensão” de achar que conhece mais deste país chamado Brasil.
A missão que vocês pretendem fazer é para a região do Golfo?
Em princípio para a região do Golfo, que obviamente implica em alguns destinos óbvios que são os Emirados Árabes, a Arábia Saudita, o Catar e o Kuwait, mas em seguida nós pretendemos estender para a região Norte da África, assim nós podemos fazer uma segunda abordagem na Argélia, Líbia e Marrocos.
Que áreas podem interessar mais a estes fundos para investimentos?
A área de ganhar dinheiro! A resposta é essa. Nós normalmente fazemos abordagens que pretendem identificar previamente áreas de interesse, e surgem as respostas obvias: no grupo alimentar, no “real estate” (imóveis) – só para citar dois setores em que os investidores árabes têm notável interesse -, mas o principal produto desta aproximação não é isto nem aquilo, é o conjunto de todas as oportunidades onde o capital árabe pode estar junto do capital do BNDES.
Daí eu estar antecipando a possibilidade de desenvolver uma espécie de “fundo de fundos”, capitaneado pelo BNDES, e dentro dele capital do BNDES e de três ou quatro fundos, para não falar cinco ou seis, que queiram vir juntos no exame de projetos específicos.
Vocês pretendem levar projetos específicos ou apresentar um panorama mais geral?
Nós vamos primeiro apresentar um panorama com o modelo de trabalho nesta missão técnica, para começo de conversa, mas na missão da qual eu gostaria que participasse o próprio presidente da República – porque ele me confidenciou este interesse durante nossa viagem à China -, podemos organizar um “business fórum”, tal como aconteceu em Pequim, uma reunião de interessados dos países árabes com interessados do Brasil, tanto na via da exportação como na via da importação, mas como eu disse: o principal produto de exportação dos países árabes é capital, não é nem petróleo, nem fertilizantes, nem isso nem aquilo.
Uma área que eles têm muito interesse é a agricultura, a da segurança alimentar, não só na exportação, mas em investimentos.
Nós não vamos deixar de explorar isso, vamos com certeza explorar e com prioridade, o que eu não quero é que nossa abordagem se circunscreva a este importante setor. Nessa abordagem, nós devemos ser inovadores, porque, no meu diagnóstico, falta um veículo para desenvolver este investimento. Nós já identificamos os alimentos como área estratégica, tudo bem, mas e daí? Como é que a gente investe?
O veículo é o BNDES?
Os veículos são fundos dos quais o BNDES participa, eventualmente como gestor. Mas o BNDES faz isso? A resposta é não, isso é novo para o BNDES também.
É uma iniciativa que pode ser implementada a partir do que surgir nestas conversas [com fundos árabes]?
Pode surgir através desta aproximação com o capital árabe e não com qualquer outro capital. No caso de formação de fundos de investimentos, especificamente, os países árabes são os mais bem organizados, onde a complementariedade é maior.
Uma terceira área que nós vamos provavelmente explorar em nossa viagem, como possibilidade de investimento imediato, é o investimento árabe em alguns fundos a serem formados com parcelas que nós detemos de importantes empresas brasileiras. Nós temos posições em JBS (alimentos), em Fíbria (celulose), em Suzano (celulose), em Petrobras, Totvs (TI), BRF (alimentos), a lista é longa. Você pode criar um “fundo Brasil” e ele pode ter um determinado comportamento que interesse a este investidor.
Quando o senhor falou sobre o banco ter um perfil mais internacional com relação à avaliação de risco…
A avaliação de seu próprio risco, no caso.
…isso, de onde colocar o dinheiro, qual deve ser o efeito disso? Inclui, por exemplo, a criação da TLP?
Não querendo colocar água no chope e desfazer a alegria da comemoração que algumas parcelas do mercado tiveram com a aprovação da TLP, a realidade é que esta nova taxa se circunscreve à aplicação de uma parte restrita das fontes de financiamento do banco, que é o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Só que ainda não perguntamos aos “russos” (FAT), como a gente costuma dizer, se eles topam ou não esta nova remuneração, porque pode ser que eles topem um outro tipo de remuneração, que ainda está em estudos, tendo em vista um contrato que está sendo estabelecido entre o BNDES e o próprio FAT.
Deste novo casamento é que vai surgir a forma de remuneração para os recursos que se dizem orçamentários, mas na verdade não são orçamentários, são constitucionais, porque advêm de uma cláusula constitucional que atribui ao BNDES 40% dos recursos do PIS/Pasep (Programa de Integração Social/ Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público), que são alocados em benefício dos trabalhadores através de investimentos que são feitos pelo BNDES. O BNDES não fica com estes recursos, ele trafega com estes recursos dentro do ambiente econômico, remunera esses recursos e devolve isso ao FAT. Hoje, ele devolve com uma determinada taxa pré-fixada que está sendo alterada, amanhã eu posso devolver estes recursos com algum outro tipo de remuneração pactuada entre o BNDES e o FAT. Nesse sentido, os trabalhadores são de fato partícipes do capital do BNDES. Em outras palavras: se o BNDES tem algum dono, antes de ser a União como uma entidade, são os trabalhadores como uma coletividade, e é isso que tem que ser rediscutido no nosso atual ambiente reformista.
Eu diria que com toda a alegria por ter sido aprovada essa TLP, o debate ficou restrito a uma fórmula que supostamente minimizava uma taxa de incentivo.
Se o senhor, por exemplo, captar lá fora num fundo como os dos países árabes…
Eu estou completamente fora do âmbito de uma TLP. Eu posso captar em moedas estrangeiras e correr eu mesmo, como banco, o risco cambial, trocar esses recursos para reais e emprestar em reais.
Não é obrigado a usar a TLP?
Não. É por isso que eu estou dizendo que é muito barulho a respeito de pouca coisa. Qual é o único recado da TLP? É que, em princípio: esqueçam a União Federal como fonte de financiamento daqui para o futuro. Tudo bem, nós não só temos certeza disso como inclusive estamos sendo convocados a colaborar financeiramente com a União Federal.
É fato que a União Federal precisará de um socorro, mas o banco não provê socorro, nem para seus clientes, nem para a União, o que poderá vir a acontecer é o banco apresentar uma forma financeira de trocar ativos com a União, a União apresenta algum ativo e nós ficamos com este ativo.
Mas é possível acontecer o que está sendo dito, do banco ter que antecipar recursos ao Tesouro?
Devolver empréstimos? Isso é uma coisa mais complicada. Quando nós captamos recursos por empréstimos, foi por um motivo muito simples: que nós iríamos aplicá-los no mercado a longo ou longuíssimo prazos, e eles estão aplicados. Como é que eu posso devolver um recurso que está aplicado? O nome disso nas aulas de Moeda e Bancos em geral é “corrida bancária”, nós não podemos imaginar que a União Federal estaria fazendo uma corrida bancária em cima do BNDES. É muito importante saber que, se o banco hoje tem fundos, é só por um motivo, que, aliás, muito nos honra: em todos os seus 65 anos jamais passou pela “cabeça” do banco pedir socorro ao seu acionista único, que é a União. Nós nunca pedimos socorro, nem à União nem a ninguém. Nós somos um banco que honra a “placa” de banco. Em segundo lugar, se nós hoje dispomos de um caixa mais volumoso do que o previsto em nosso planejamento financeiro, resulta só da intensidade da recessão brasileira – da qual felizmente já estamos saindo -, o que significa dizer que estes recursos vão ter utilização nos próximos meses e anos, mas esse caixa não decorre de não termos aplicado os empréstimos que foram conseguidos.
Não houve demanda?
Não houve demanda entre 2015, 2016 e 2017, e isso foi suficiente para que o nível de amortizações bem-sucedidas que vêm ocorrendo seja em nível superior aos novos empréstimos, e com isso acumulamos algum caixa, mas ninguém pode ficar olhando gulosamente para este caixa como se fosse uma disponibilidade permanente. Essa é a razão pela qual nós podemos até fazer uma troca, mas não simplesmente devolver como se os recursos estivessem permanentemente ociosos.
De forma geral, o senhor acha que deve haver um aumento da demanda por empréstimos, mesmo com a mudança da taxa de juros?
Conforme eu explique, essa mudança da taxa de juros só mudou na cabeça das pessoas, dos investidores, assustando-os a respeito de algo que provavelmente não vai acontecer: que é eles terem que fechar negócios em TLP, cuja implementação se dará muito gradualmente ao longo dos próximos cinco anos, de forma que essa “suposta” TLP é uma realidade para 2022. Em 2022, voltamos a falar sobre TLP. Até lá, eu imagino que muita água vai ter rolado embaixo da ponte.
Para o banco hoje, o essencial é pensar o Brasil de 2019, pensar a configuração deste país que precisa retomar seu crescimento, ajudar a gerar emprego aos milhões, dar suporte para as pequenas e médias empresas que são altas geradoras de empregos, viabilizando o acesso ao crédito – que neste país é muito distorcido porque estas empresas são justamente as que não têm crédito – e dentro deste contexto, ampliar as fontes de fundos para o banco com um olhar internacionalizante. Voltamos ao tema do nosso banco fazendo uma missão aos países árabes, porque se estamos falando de capitais, temos que falar de países árabes.
Com relação ao financiamento de exportações, a Câmara Árabe tem associados de vários tamanhos, desde grandes empresas até pequenas empresas, como faz um pequeno empresário que precisa de apoio para exportar?
Esta é uma das áreas de maior vocação e de maior interesse para o banco nos próximos anos. Nós, além da ênfase em pequenas e médias, queremos acrescentar a ênfase em pequenas e médias na atividade exportadora, ou eventualmente até na atividade importadora. As nossas linhas [de crédito] chamadas de pós-embarque são muito importantes nesse sentido, e nós podemos desenvolver, quem sabe, algumas ênfases especiais para determinados segmentos ou nichos que venham a ser identificados.
Foi estabelecido recentemente, por exemplo, um “Brazil-China Fund”, que busca neste momento exatamente identificar as primeiras empresas tanto chinesas quanto brasileiras que têm interesse em vender produtos ou trocar capitais entre estes dois países. Por que não pensar num fundo desta mesma natureza em relação ao Brasil e aos países árabes que vierem a aderir? Diferentemente do fundo Brasil-China, este pode rapidamente assumir valores significativos.
Serviço
Palestra com Paulo Rabello de Castro, presidente do BNDES
Dia 19, terça-feira, às 08 horas, na Câmara Árabe
Avenida Paulista, 283, 11º andar, Bela Vista, São Paulo, SP
Apenas para associados da entidade e convidados
Mais informações
Tel.: (11) 3145-3277, com Tâmara Machado
E-mail: marketing@ccab.org.br