São Paulo – O Brasil deverá começar uma nova etapa na cooperação com os países árabes, a da cooperação triangular, na qual brasileiros e árabes se unem para o desenvolvimento de projetos num terceiro país. A novidade foi contada à ANBA pelo embaixador Fernando Abreu, subsecretário-geral da África e do Oriente Médio do Itamaraty, que visitou a Câmara de Comércio Árabe Brasileira, em São Paulo, nesta terça-feira (04).
Abreu assume em outubro o posto de representante do Brasil na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), no Programa Mundial de Alimentos (PMA) e no Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), e deixar o cargo atual com a perspectiva de um novo tipo de colaboração entre árabes e brasileiros é algo comemorado por ele. Abreu foi defensor da ideia no Itamaraty e na Agência Brasileira de Cooperação (ABC).
O diplomata assumiu como subsecretário-geral da África e do Oriente Médio do Ministério das Relações Exteriores em 2015 e antes foi diretor da ABC por três anos. A agência é o braço do Itamaraty para projetos de cooperação técnica do Brasil com outros países. Abreu conta que está sendo avaliada a implantação de um projeto por Brasil e Emirados Árabes Unidos em Moçambique. O Brasil já tem esse tipo de parceria com países como Alemanha, Japão, Itália, Reino Unido e EUA.
O embaixador acredita que a realização de um primeiro projeto conjunto de cooperação triangular com um país do Golfo pode ser o pontapé para que ações do tipo ocorram com outras nações árabes. A ideia é que o Brasil entre com sua capacidade técnica e algum recurso financeiro e os árabes com capital para desenvolvimento de projeto de cooperação em um país escolhido de comum acordo.
Segundo Fernando Abreu, o Brasil reage às demandas de cooperação que chegam em áreas nas quais tem experiência e capacidade. “Agricultura, educação, saúde, meio ambiente e formação profissional são as mais demandadas”, afirma. No caso de desenvolvimento de projeto na área agrícola, em cooperação triangular com os árabes, além de gerar renda no país escolhido, o projeto pode ajudar a garantir segurança alimentar para o Oriente Médio, segundo Abreu.
O embaixador afirma que se orgulha do modelo de cooperação Sul-Sul utilizado pelo Brasil e a ABC, “muito mais apreciado, bem mais econômico que o tradicional e muito mais eficiente, se levados em conta os resultados e os meios empregados”, segundo ele. No modelo tradicional, o país doador envia seus consultores para implementação dos projetos, sem participação dos beneficiados, e coloca condicionalidades, como adoção de leis e políticas em direitos humanos ou nas áreas comerciais e de investimentos, entre outras.
No modelo Sul-Sul o que ocorre é uma troca de experiências, segundo o diplomata. “É uma relação horizontal, de benefício mútuo”, diz. O Brasil recebe a demanda e identifica uma possível instituição capacitada no país para ser parceira no projeto. Os técnicos brasileiros vão até o país ou os do país viajam ao Brasil e assim a cooperação acontece. Segundo Abreu, os custos são de passagens e diárias e a cooperação é sem condicionalidades.
O novo representante do Brasil na FAO, PMA e FIDA foi recebido nesta terça-feira pela diretoria da Câmara Árabe, liderada pelo presidente Rubens Hannun, e falou sobre as perspectivas de cooperação triangular com os países árabes. O diplomata deixou aberta a possibilidade de desenvolver, em seu novo posto em Roma (sede da FAO, PMA e FIDA), parcerias com a Câmara Árabe em segurança alimentar, uma das áreas que é foco do trabalho da entidade.
Em entrevista à ANBA, antes da reunião, Abreu afirmou que o desenvolvimento de cooperação triangular com os árabes deve continuar após sua saída da subsecretaria, já que se trata de um projeto de política externa brasileira que vem evoluindo há bastante tempo.
O embaixador fez também um balanço das relações do Brasil com os países árabes ao longo dos anos. De acordo com ele, o Brasil tem tido, desde os anos 1970, uma política muito equilibrada para o Oriente Médio. “Nós, historicamente, conseguimos manter uma posição equilibrada, estável e apreciada por todos os países da região”, disse ele.
Abreu afirma que isso ocorreu apesar de pressões de potências de dentro e de fora da região, e que o Brasil não tem um passado colonial e imperialista, nem grandes interesses econômicos e investimentos nos países árabes, o que colaborou para essa política equilibrada. “Ao contrário, o Brasil tem populações que vieram de lá, se adaptaram muito bem, se integraram muito bem e não refletem os conflitos da região no Brasil”, disse.
Abreu assumiu a subsecretaria da África e do Oriente Médio do Itamaraty há cerca de três anos, quando o Brasil passou por momento político e econômico difícil, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a entrada da economia brasileira em recessão. “Isso inegavelmente afeta a política externa, não na sua capacidade de concepção e articulação, mas nos meios para a execução da política externa”, afirmou o diplomata à ANBA.
Apesar desse cenário, ele lembra de avanços ocorridos, como como as visitas do atual chanceler Aloysio Nunes a países árabes. “O ministro Aloysio Nunes Ferreira, que é um entusiasta do relacionamento com a África e o Oriente Médio, se dedicou muito a essa área”, afirmou Abreu à ANBA. Além de visitas ocorridas em países árabes, também foram recebidas lideranças da região no Brasil, segundo ele.
Fernando Abreu foi embaixador do Brasil em Amã, na Jordânia, entre 2008 e 2012, período no qual o Brasil recebeu a primeira visita de um chefe de estado jordaniano, o rei Abdullah II, e no qual houve a primeira visita de um chefe de estado do Brasil, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao país árabe. “Foi uma experiência riquíssima, não só profissional, também pessoal, eu e minha mulher fizemos dezenas de amigos”, afirmou ele sobre o período na Jordânia.
Também falando à ANBA, o vice-presidente de Relações Internacionais da Câmara Árabe, Osmar Chohfi, disse que a presença de Abreu na subsecretaria da África e do Oriente Médio do Itamaraty foi fundamental para a política externa brasileira em relação ao mundo árabe. “Sobretudo para a atuação da Câmara de Comércio Árabe Brasileira naquela região”, disse ele.
Chohfi afirmou esperar que a parceria produtiva não cesse com a partida de Abreu para Roma. “Um dos temas que interessam à Câmara Árabe e ao mundo árabe é a segurança alimentar. O Brasil é um parceiro indispensável e inevitável do mundo árabe no contexto da segurança alimentar”, disse Chohfi, lembrando que a atuação do diplomata na FAO estará ligada à área.
Segundo Fernando Abreu, a FAO se ocupa da alimentação e agricultura e de debates de temas do futuro no segmento que necessariamente afetarão o Brasil. “O Brasil é uma potência agrícola e tem que estar muito centrado e preparado para participar dos debates que definirão as regras de atuação”, afirma ele, citando temas desta agenda, como defensivos agrícolas, meio ambiente e o Codex Alimentarius, programa de normas internacionais em alimentos.
Na reunião com Abreu, o presidente da Câmara Árabe lembrou a larga trajetória profissional do diplomata e afirmou que ele é um amigo dos árabes. “Temos a honra de estar recebendo um amigo, amigo da Câmara Árabe, amigo dos árabes”, disse Hannun. O presidente da entidade definiu o período de Abreu na Jordânia como de grande aproximação do país com o Brasil e agradeceu a parceria do diplomata com a Câmara Árabe.
Fernando Abreu é gaúcho da cidade de São Borja formado em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Com especialização em Engenharia Petroquímica, ele trabalhou por curto período na Petrobras antes de entrar para o Itamaraty. Já na diplomacia, Abreu fez faculdade em Relações Internacionais e em Economia na Universidade de Brasília (UnB) e mestrado em Ciências Políticas na Universidade de Paris I (Sorbonne).
Na carreira diplomática, ele passou pelas embaixadas do Brasil em Paris, em Havana e em Madri, trabalhou em Brasília no Itamaraty na área de organismos internacionais relativo a direitos humanos e depois em planejamento diplomático. Também estão na sua carreira cargos no Ministério de Desenvolvimento Agrário e Ministério da Defesa, entre outras atividades. Abreu já esteve na FAO, há cerca de 20 anos, como primeiro secretário.
Além de diretores e conselheiros da Câmara Árabe, participaram do encontro com novo representante do Brasil na FAO a assessora especial para Assuntos Internacionais do governo de São Paulo, Ana Paula Fava. O diplomata teve um almoço com o grupo, do qual participou também a embaixadora Débora Vainer Barenboim-Salej, chefe do Itamaraty em São Paulo, entre outros convidados.