São Paulo – Assim que a bola rolar nos pés da seleção brasileira de futebol, na Copa do Mundo 2022, não será apenas quem mora no Brasil que vai formar a grande torcida verde e amarela. O time brasileiro é um dos preferidos dos estrangeiros, inclusive dos árabes. Neste ano, o Catar será sede da competição, que começa no domingo (20) e terá duração de 28 dias, com a participação de 32 seleções. O Brasil disputa seu primeiro jogo na próxima quinta-feira (24) contra a Sérvia.
O professor de Marketing Esportivo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Ivan Martinho, conta que a equipe brasileira é uma das preferidas das torcidas árabes, principalmente porque os países da região não têm tradição no esporte. Isso se deve principalmente pela consagração que o time brasileiro possui. “A seleção brasileira é o time de futebol mais famoso do mundo, além de ser a única pentacampeã. Apesar do futebol ter sido inventado na Inglaterra, o Brasil é o país do futebol.”
Por isso, apesar de que quatro seleções árabes vão disputar os jogos entre grupos, a canarinha, para Ivan, tem grandes chances de ser acolhida pela torcida árabe, caso passe para as oitavas de final e Marrocos, Arábia Saudita, Tunísia e Catar não continuem na competição. Os três primeiros países conquistaram suas vagas em eliminatórias regionais e o Catar participa porque o país é sede.
O professor da ESPM explica que a fama do Brasil no futebol se iniciou principalmente na época do jogador Pelé, que ainda permanece como uma grande figura do esporte. Além dele, outros dois nomes ajudaram nessa internacionalização: Ronaldo Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho. Por muito tempo, Ivan conta que as populações consumiam futebol levando em consideração o time como um todo, mas as novas gerações passaram a torcer mais pelos jogadores individualmente.
“Pessoas com mais de 35, 40 anos podem, sim, se afeiçoar à seleção brasileira porque tiveram na sua infância o Brasil como referência de futebol. Já a turma da nova geração consome futebol pelas mídias sociais e sem ver o jogo todo. Então vai ser normal pessoas torcendo pelo Mbappé, que é campeão do mundo (jogador da França), pelo Neymar, Vini Júnior e Messi”, diz Ivan. “A geração árabe mais jovem também tem chance de torcer e se identificar com jogadores que têm pais ou avós árabes, como o Zidane (de origem argelina), ex-jogador da França”, afirma o professor.
Jogadores brasileiros também têm chance de se destacar entre a torcida árabe porque atuam em campeonatos europeus, competições que ganham mais presença na TV e celulares, do que a própria Copa do Mundo, que acontece de quatro em quatro anos. Além do Brasil, outros times europeus, como França, Itália, Alemanha e Inglaterra, podem se destacar entre a torcida árabe, porque além de terem grandes times, se preocupam em fazer amistosos em territórios árabes e levam seus produtos para dentro desses países. A Champions League tem loja em shopping de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes.
Personalidades árabes também têm proximidade com alguns times europeus, como é o caso de Nasser Al-Khelaifi, do Catar, que é o atual presidente do Paris Saint-Germain (PSG), da França. Por conta disso, muitos cidadãos do Catar torcem pelo PSG e consequentemente pelos franceses. Os sauditas compraram o clube inglês Newcastle United por US$ 430 bilhões (R$ 2,3 trilhões) no final do ano passado, e a torcida local têm, então, proximidade com a Inglaterra, sede do time.
Torcendo pelo Brasil
Além de ser extremamente popular e ter jogadores que se destacam em campeonatos europeus, o Brasil ganha mais espaço em países árabes por causa das suas grandes comunidades de brasileiros. “O jeito de torcer do brasileiro é diferente de outras nacionalidades, o que acaba atraindo e contagiando outras culturas”, diz Ivan. O Líbano é um desses países que têm uma das maiores comunidades de brasileiros. Além disso, a maior comunidade de libaneses fora do Líbano está no Brasil.
“Segundo um estudo que realizei, a partir de 1980, muitos libaneses voltaram para o Líbano por questões familiares e de comércio, casados com brasileiras. Essa comunidade hoje tem em torno de 20 mil pessoas, onde a maioria está concentrada no Vale do Bekaa, na fronteira com a Síria. Ainda existem cidades como Sultan Yaakoub, em que 90% dos habitantes falam português”, conta o pesquisador brasileiro Roberto Khatlab, que mora no Líbano, onde é diretor do Centro de Estudos e Culturas da América Latina (Cecal) da Universidade de Saint-Esprit de Kaslik (Usek).
Vivendo no Líbano há mais de três décadas, o pesquisador brasileiro de 60 anos se mudou pela primeira vez em 1983 para terminar os estudos. Porém, acabou ficando por sete anos, casou com uma libanesa e trabalhou na embaixada brasileira. Ele relembra o que aconteceu durante as Copas do Mundo de 1982 e 1986, no período da guerra civil. “Durante a guerra, quando o Brasil jogava, os bombardeios paravam para que as pessoas assistissem aos jogos de todos os lados. Quando o Brasil ganhava, eram disparados tiros de alegria, e nas paredes das ruínas de Beirute era comum ver os nomes Pelé e Sócrates escritos nelas. Os libaneses geralmente sabem os nomes de todos os jogadores da seleção”, relembra Roberto.
Com o fim da guerra civil, aumentou a torcida pelo Brasil, com bandeiras espalhadas pelas ruas e reuniões em lugares públicos para assistir aos jogos. Mas esse ano, a preparação para a Copa do Mundo está diferente. Essa diminuição pode estar relacionada, de acordo com o pesquisador, que retornou ao Líbano para morar em 1995, com a pandemia da covid-19, a explosão do Porto de Beirute em 2020, e as crises políticas e econômicas vivenciadas pelo país árabe atualmente.
Mesmo quando não tem Copa, apesar do futebol não ser o esporte preferido do país, as competições dos times brasileiros são acompanhadas com afinco. Além da afinidade com o Brasil, Roberto conta que os libaneses também têm proximidade com os alemães, franceses e italianos, que têm suas bandeiras hasteadas junto com a verde e amarela quando acontecem os mundiais. Apesar de ter quatro times árabes na lista dos competidores da Copa, Roberto garante que a torcida dos libaneses vai para o Brasil em peso. Torcedor assíduo, conta que sempre acompanhou o Brasil nas copas ao lado dos amigos libaneses e da família, e que esse ano não será diferente.
Nos Emirados
Thiago Rodriguez, engenheiro químico e aromista da International Flavors & Fragrances (IFF), tem 40 anos e mora em Dubai desde 2020. Ele concorda que a torcida do país em que vive vai em parte para o Brasil, apesar de não ter muito convívio com os locais. Além disso, o profissional, que tem amigos de diferentes nacionalidades, diz que eles simpatizam com a seleção brasileira.
“Acredito que o futebol é um esporte que todo mundo gosta e vejo que os árabes acompanham o esporte, com mais destaque as competições da Liga Europeia. Mas o Brasil acaba sendo muito querido por aqui. Toda vez que falo que sou brasileiro, eles associam automaticamente o país ao futebol e aos jogadores, e ao samba.”
Para a Copa, Thiago está empolgado para assistir tanto aos jogos do Brasil quanto de outros times, ao lado dos amigos brasileiros, extremamente patriotas, portugueses, australianos e ingleses. Por conta da proximidade geográfica, ele acredita que os moradores de Dubai também devam torcer pela Arábia Saudita. Por conta das multinacionalidades, podem se inclinar para acompanhar os jogos da Alemanha, Inglaterra e França.
Enquanto morava no Brasil, Thiago relata que sempre acompanhou os jogos da seleção ao lado da família e amigos. Corintiano assumido, também gostava bastante de ver as partidas do time alvinegro. Na última Copa, enquanto vivia na Indonésia, viu todos os jogos ao lado da esposa e dos dois filhos.
*Reportagem de Rebecca Vettore, especial para a ANBA