Brasília – O vice-presidente Hamilton Mourão (foto) afirma que o Brasil vai manter sua forte relação comercial e cultural com os países árabes. Em entrevista exclusiva à ANBA, ele falou sobre o intercâmbio econômico que há entre as duas regiões, com o Brasil no papel de grande produtor de alimentos e os árabes com demanda significativa na área. “Isso estabelece uma ligação muito forte entre os dois”, disse Mourão.
Com um pouco mais de sete meses no cargo, o vice-presidente já visitou um país árabe, o Líbano, onde a Marinha do Brasil integra uma missão de paz das Nações Unidas. Mourão cogita a possibilidade de mudança na atuação do Brasil no Líbano, da área marítima para a terrestre, em função da necessidade de renovação das embarcações.
Ele defende que o Brasil siga com seu papel de mediador de paz na região da Palestina e diz que o País deve participar da iniciativa do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de ajuda financeira à Palestina. “Acho que a participação no Brasil neste tipo de acordo, como facilitador, é importante”, disse.
De acordo com Mourão, a visita do presidente Jair Bolsonaro aos países árabes, em outubro, será o momento de assinar acordos. “Principalmente com Arábia Saudita, que é uma porta importante para o comércio lá”, disse. Mourão já teve convites para viajar aos Emirados Árabes Unidos e à Arábia Saudita, mas não tem previsão de viagem. Ele quer ver o Brasil atendendo demandas de produtos de defesa nos países árabes.
Leia abaixo a entrevista do vice-presidente à ANBA:
ANBA – Qual é o plano de relacionamento deste governo com os países árabes, o que o governo planeja ou quer da relação com os países árabes?
Hamilton Mourão – Os laços que unem o Brasil aos países árabes são históricos, não vêm de hoje. Nós temos hoje aqui no Brasil 5% ou 6% da população de origem árabe. É um contingente extremamente expressivo. Temos boas relações tanto com os países do Oriente Médio quanto com os do Norte da África, sem problema nenhum. Nós temos uma agenda robusta na área comercial, cultural, política, um intercâmbio dinâmico praticamente com todos os países, temos 17 embaixadas (brasileiras) nos países árabes e aqui há 17 embaixadas de países árabes – não significa que são as mesmas – e o Brasil também é um país observador da Liga dos Estados Árabes. A política do governo, do presidente (Jair) Bolsonaro está em cima desses pressupostos: uma amizade histórica, antiga, e uma forte relação comercial e cultural que vai ser mantida.
Os países árabes podem ter alguma participação nesse momento econômico que o Brasil está vivendo, de tentativa de reativar a economia?
O que eu vejo hoje é que nós temos um intercâmbio comercial muito forte com os países árabes, seja em alimentos de origem agrícola, seja na proteína animal, na carne halal. Temos um intercâmbio forte, um comércio na faixa dos US$ 5 bilhões (exportações do Brasil aos países árabes de janeiro a maio) e uma corrente comercial expressiva. Nesse momento em que o Brasil pode ser o grande celeiro, o grande produtor de alimentos, e no mundo árabe há necessidade desses alimentos, isso estabelece uma ligação muito forte entre os dois. Ao mesmo tempo podemos trazer do mundo árabe o desenvolvimento tecnológico que existe lá. Também tem a questão da indústria de defesa. Nós já fomos grandes exportadores de material de defesa para o mundo árabe e queremos retomar isso aí.
Como militar, o senhor vê algo que o Brasil e os países árabes podem fazer em conjunto na área de defesa? O setor de defesa já participa de feiras nos países árabes, em Abu Dhabi, nos Emirados, por exemplo, mas o senhor tem algum plano, alguma vontade pessoal quanto a isso?
Eu acho que a base industrial de defesa do Brasil precisa ser alavancada e o mercado árabe tem algumas necessidades que nós temos capacidade de produzir, seja o sistema de lançadores múltiplos (de foguetes), o Astros 2020, seja o foguete guiado, seja os blindados sobre rodas, que nós temos o Guarani (veículo militar) com boa capacidade para operar naquele tipo de terreno. Existe um bom espaço para uma cooperação na área de defesa entre os dois mundos.
Já ocorreram conversas ou foi feito algum acordo com países árabes neste sentido?
Não. Os acordos estão andando, já vêm de governo anterior, agora não tem tido nenhum avanço maior do que já havia. Acredito que agora em outubro, na viagem que o presidente vai fazer à China, ele vai passar por três países árabes, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos (e Catar). É o momento de fazer acordos, principalmente com Arábia Saudita, que é uma porta importante para o comércio lá.
O presidente Jair Bolsonaro esteve com o príncipe saudita Mohammed bin Salman, em julho, em agenda paralela ao G20. Por que a aproximação com a Arábia Saudita?
A Arábia Saudita tem se mostrado disponível e receptiva para acordos, tem recurso que pode ser investido e é uma porta de entrada para o mundo árabe.
E os Emirados? É possível perceber uma aproximação do governo brasileiro com os Emirados Árabes Unidos. O ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles) foi para lá, o Marcos Pontes (ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações) também viajou ao país.
É uma questão tecnológica. Óbvio que aí entra a questão do petróleo. Dos dois ministros que foram lá, um é da área de meio ambiente, que é uma questão que aflige nosso país. Hoje existe uma pressão grande por parte das nações europeias em cima da forma como o Brasil conduz a agenda ambiental. O Marcos Pontes é da área de Ciência e Tecnologia, lá há muitas soluções nesta área, pela natureza do terreno, que podem ser empregadas aqui, principalmente no Nordeste.
Neste ano o senhor esteve no Líbano e visitou a Força Tarefa Marítima, liderada pela Marinha do Brasil, na Unifil (Força Interina das Nações Unidas no Líbano). O que o senhor achou da visita ao Líbano? E o Brasil deve continuar colaborando nessa missão e com a ONU na área de segurança?
A passagem no Líbano foi no meu caminho para a China, nós chegamos à conclusão que era um ponto de parada interessante pela visita que poderia ser feita à Unifil e para mostrar ao governo libanês a nossa disposição e boa vontade no prosseguimento das relações que nós temos, até porque aqui no Brasil acho que vivem mais libaneses do que no Líbano. Em relação à participação lá na missão de verificação de paz do Líbano, a Unifil, no braço naval que nós temos – já que na parte terrestre nós temos alguns observadores oficiais do estado maior, é um contingente pequeno, – ela está muito ligada à capacidade operacional da nossa Marinha. E a nossa Marinha está vendo se esgotar um ciclo da frota, ela está nesse novo projeto das corvetas da Classe Tamandaré, que irão substituir essas fragatas que estão operando, então o problema todo está centrado em cima dessa capacidade operacional. Talvez, se por acaso a Marinha tiver que sair, a gente tentaria colocar um Batalhão de Força de Paz na parte terrestre da missão.
Teria que haver um intervalo na participação da Marinha na missão no Líbano?
Até as novas corvetas começarem a chegar, porque a produção delas está recém começando, acho que a entrega das primeiras é em 2023. E essas belonaves que a Marinha tem são do início dos anos 1980, elas já vão completar 40 anos, as peças sobressalentes já não se encontram com facilidade, esse é o problema principal.
O Brasil assumiu a presidência do Mercosul agora e o bloco tem acordo de livre comércio apenas com um país árabe, o Egito, que é um grande mercado. Mas vários países árabes, como Palestina, Tunísia, Marrocos, Líbano, querem acordo com o Mercosul. Com o Brasil na presidência do Mercosul, há possibilidade de fechar algum desses acordos ou pelo menos de dar continuidade à negociação deles?
Durante os últimos tempos o Mercosul ficou muito ligado à questão ideológica em vez de ser mais pragmático, mais flexível na busca de objetivos que trouxessem benefício mútuo, não só para os países que integram o Mercosul como para os eventuais países que fossem objeto de algum tipo de acordo. Nós temos uma capacidade exportadora e uma quantidade de produtos que interessam ao mercado árabe, assim como o mercado árabe tem coisas que nos interessam, então entra aqui o benefício mútuo. Eu vejo que Arábia Saudita, Argélia, Catar, Egito, Emirados Árabes, Omã, todo esse pessoal representa um mercado extremamente compensador para o Mercosul e o que eles têm também nos interessa.
O senhor vê que Brasil e países árabes podem trabalhar juntos em instâncias internacionais como ONU e OMC (Organização Mundial do Comércio)? Há questões que nos unem para isso?
Sim. Em relação à questão política do Oriente Médio, e à parte mais sensível que é a Palestina, o Brasil sempre se pautou pela busca de uma solução pacífica e concertada para a ocupação do território. Aguardamos esse acordo que os Estados Unidos vêm capitaneando, para o qual existe ainda uma parte econômica a ser lançada, que daria na faixa de uns US$ 50 bilhões de ajuda ao povo palestino, de modo que eles possam realmente se reorganizar e ter uma vida estruturada e deixar de viver no conflito. Acho que a participação no Brasil neste tipo de acordo, como facilitador, é importante. Vamos lembrar que nós já estivemos em missão de paz lá, antes da Guerra dos Seis dias. Nossa tropa ficou lá acho que desde 1958, 1959 até 1967. Foram oito ou nove anos da presença brasileira nessa região. Eu acho que nós temos que continuar atuando. Eu vejo que na Organização das Nações Unidas nós temos votado sempre em conjunto, apoiando as moções de um e de outro. Eu vejo uma aproximação muito boa e muito grande entre o Brasil e os países árabes.
O senhor acha que o Brasil vai continuar no papel de mediador de paz na região da Palestina?
Não só acho. Devemos continuar.
E a sua relação pessoal com os países árabes? O senhor já tinha ido para algum país árabe antes do Líbano, tem alguma ligação com a região?
A minha experiência é muito limitada, começa com amizades que eu tenho no Brasil com pessoas que são de origem árabe, tenho grandes amigos e amigas aqui. Mas a primeira vez que eu pisei em território árabe foi agora no Líbano. Já tive convites para ir à Arábia Saudita, aos Emirados, mas vamos aguardar a melhor oportunidade.
Tem a previsão de uma viagem sua a um país árabe?
Por enquanto não há nada de previsto, a não ser que o presidente me dê alguma tarefa neste sentido.
Como vai ser o seu papel nas relações internacionais do Brasil? Não sei se isso é claramente definido ou vai sendo acertando ao longo do caminho.
A minha parte nas relações internacionais do Brasil é de acordo com as necessidades do presidente, de acordo com as tarefas nas quais o presidente me colocar. Hoje, em função do cargo, eu presido as comissões de alto nível com a China, com a Rússia e com a Nigéria. O presidente me deu uma tarefa, no começo do ano, naquela reunião do Grupo de Lima, sobre o assunto Venezuela. Em determinado momento, ele pode me designar para algumas reuniões ou diálogos necessários com determinados países, mas não existe uma missão pré-definida.