Débora Rubin
São Paulo – Quando estava desempregado, após anos trabalhando como soldador, o pernambucano José Marcolino da Silva, hoje com 49 anos, resistiu à idéia de se tornar catador de lixo reciclável. Não tinha vergonha, repulsa e nem medo de ser atropelado. "Eu tinha era medo de riscar um desses carrões e não ter como pagar", revela. Hoje, após sete anos como catador, sente orgulho do ofício. Foi com o lixo que ele comprou sua casa após 26 anos pagando aluguel. Na mesma cooperativa trabalham José, sua mulher e dois filhos.
José é um dos 500 mil catadores de lixo reciclável do Brasil. Sua história é parecida com a de outros tantos desempregados que viram no lixo uma solução para a falta de trabalho. Hoje, estima-se que mais de 500 cooperativas estejam em ação no país. Elas atuam em parcerias com ONGs, empresas e poder público – já que ajudam a retirar o lixo das ruas. O que dá emprego também dá lucro. A reciclagem rende algo em torno de R$ 7 bilhões e impulsiona cada vez mais os investimentos da indústria no setor. Além disso, a sociedade está se envolvendo ano após ano, separando o lixo caseiro e exigindo políticas públicas para os resíduos. Esse modelo que envolve toda a população, que gera emprego e dá lucro, vem chamando a atenção de outros países em desenvolvimento, entre eles o Egito.
Em novembro, André Vilhena, do Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), esteve no Cairo para fazer uma apresentação da ONG que existe há quinze anos no Brasil. Bancada por 20 empresas, o Cempre orienta e ajuda a organizar cooperativas em todo o país. Além disso, tem um banco de dados completo sobre a reciclagem e faz campanhas para estimular o brasileiro a separar o lixo. "O modelo de reciclagem daqui é um exemplo porque vai além do meio ambiente. Aqui, ele tem uma função sócio-econômica tão ou mais importante que a ecológica", diz Vilhena. "Por isso os países que também têm muita mão-de- obra sem qualificação vêm se inspirar aqui".
Criado em 1991, a ONG tem entre suas principais funções ajudar a organizar cooperativas. O projeto Cooperar Reciclando – Reciclar Cooperando distribui kits com apostilas e vídeos explicando passo a passo como se monta uma cooperativa. Segundo Vilhena, eles também orientam algumas associações com dificuldades de implementação. A partir de 2003, a entidade passou a doar máquinas e prensas. Desde a criação do projeto, há doze anos, mais de cinco mil cartilhas foram distribuídas.
Os resultados positivos do Cempre começaram a chamar a atenção das matrizes de algumas multinacionais que bancam o projeto, tais como Coca-Cola, Unilever, Alcoa, Nívea, Tetra Pak, entre outras. As matrizes, por sua vez, comunicam suas filiais em países em desenvolvimento que buscam criar "Cempres" locais. Dessa forma, Tailândia, Rússia, China, México, Argentina, Uruguai, Venezuela, Porto Rico e agora o Egito criaram modelos similares nos quais grandes empresas buscam apoiar as cooperativas e associações de catadores.
Segundo o egípcio Samaan Sameh, da Tetra Pak Egito, o modelo brasileiro se encaixa perfeitamente em seu país por ter uma similaridade no que diz respeito aos altos índices de desemprego. No Egito, 80% do lixo caseiro já é reciclado. "O Egito é considerado um dos maiores recicladores do mundo", diz Sameh. Então o que eles têm a aprender com o Brasil? "Ainda não temos esse modelo de cooperativas, que está começando a ser implantado", explica o diretor da Tetra Pak, que esteve no Brasil para conhecer o Cempre e algumas cooperativas.
Agora, diz Sameh, a Tetra Pak Egito está buscando outras empresas parceiras para montar uma ONG similar ao Cempre e assim ajudar a organizar as cooperativas. "Esperamos contar também com a ajuda do governo", diz.
Lula e os catadores
Se o lixo já chamou a atenção dos empresários, também já despertou o interesse do poder público. No dia 25 de outubro, dias antes de ser reeleito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve um encontro com representantes do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, organização criada há quatro anos. Na ocasião, lançou uma linha do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) de apoio a cooperativas de catadores. O programa vai financiar desde projetos de infra-estrutura até aquisição de equipamentos e capacitação dos cooperados em todo o país.
A Caixa Econômica Federal também tem programas de apoio aos catadores como uma linha especial de microcrédito. No ano passado, no entanto, o banco deu um grande salto: lançou uma linha de financiamento para habitação voltada em especial para os catadores. O primeiro contrato do "Programa Crédito Solidário" foi lançado em julho de 2005 na cidade de Formosa, Goiás, com os 60 cooperados da Cooper Recicla, uma associação local. O programa é promissor já que grande parte dos catadores, por serem cidadãos que vivem abaixo da linha da pobreza, moram nas ruas ou em moradias precárias como cortiços, favelas e prédios invadidos.
Mais que ajudar a eliminar o lixo das ruas das grandes cidades, toda essa movimentação vem fazendo com que o catador, normalmente visto pela sociedade como uma extensão do lixo que ele recolhe, comece a ganhar seu status de cidadão. E o que antes era uma sub ocupação, passa a ser vista como uma profissão.

