Istambul – O Chanceler brasileiro, Celso Amorim, participou esta semana, em Istambul, na Turquia, da segunda edição do Fórum da Aliança de Civilizações. O encontro, que terminou nesta terça-feira (07), foi promovido pelas Nações Unidas e Turquia e reuniu chefes de estado, políticos, intelectuais e representantes da sociedade civil dos cinco continentes durante dois dias.
O Brasil deve sediar a edição de 2010 do Fórum e teve destaque no evento. Em entrevista exclusiva à ANBA, Amorim enumerou os esforços da diplomacia brasileira para uma maior aproximação entre o mundo árabe e muçulmano e o Ocidente, dentre os quais o mais recente exemplo é a 2ª Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), realizada na semana passada em Doha, no Catar.
Outro grande exemplo que Amorim apresenta é a criação do IBAS (Índia, Brasil e África do Sul). Para ele, o Brasil é um modelo natural de aliança de civilizações, graças à maneira como é constituída a sociedade brasileira, caracterizada pela diversidade e calcada em valores de tolerância e entendimento entre os diversos grupos que a compõe. “Tenho usado, para ilustrar esta situação, uma expressão de um músico popular brasileiro, que diz que o Brasil se distingue pela ‘graça da mistura’”, declarou, referindo-se à canção “Meninas do Brasil” de Moraes Moreira e Fausto Nilo. Leia abaixo trechos da entrevista:
ANBA – O mundo enfrenta cada vez mais conflitos ligados a diferenças religiosas e étnicas. O Oriente Médio é uma das regiões que enfrenta este tipo de problema. Como Brasil, que é o país que pretende sediar a próxima edição do Fórum da Aliança de Civilizações, se posiciona em relação a esse problema?
Celso Amorim – Acho que muitas vezes as diferenças étnicas e religiosas são utilizadas por interesses que querem fomentar conflitos. Na realidade, eu não vou negar que estas diferenças também acabam ganhando corpo e por isso necessitamos de iniciativas como esta, que é a Aliança de Civilizações. Mas eu acho que, como foi dito aqui em Istambul, por varias pessoas, na realidade as semelhanças entre os povos são muito maiores do que as diferenças. Então o que temos que fazer, através dos trabalhos da Aliança de Civilizações, é deixar isto claro. Por isso é importante que haja um contato e um diálogo entre as pessoas, pois será através deles que poderemos demonstrar que o acirramento de conflitos por motivos religiosos e culturais é algo totalmente artificial, que obedece a interesses econômicos ou geopolíticos. Eu não acredito que as religiões em si estejam umas contra as outras.
Qual o papel que o Brasil pretende ter para melhorar esta situação, no contexto da aliança de civilizações?
O Brasil é obviamente, ele próprio, o fruto desta aliança e combinação entre civilizações. Não que não haja problemas em nosso país, como há em outros, mas de qualquer maneira certamente não há barreiras culturais ou religiosas. Eu acho que o Brasil pode trazer uma contribuição para esta questão, na medida em que gostaríamos de incluir nesse debate a questão da relação com os membros ou representantes dos povos da África negra, por exemplo. Notei que poucos deles estiveram presentes no Fórum de Istambul. Percebo então que existe todo um grupo que ainda não entrou no debate. Por isso acho que o Brasil pode dar uma grande contribuição para que isto ocorra.
Quais são as medidas concretas tomadas pelo Brasil, que em sua opinião, estão contribuindo para a aproximação entre o mundo árabe e Muçulmano e o Ocidente?
Como sabemos todos, o Brasil foi um grande promotor dos contatos feitos pelo Fórum entre o mundo árabe e a Ocidente através das cúpulas feitas entre a América do Sul e o mundo árabe, que são o melhor exemplo desta aproximação. E isso prova também que, na realidade, nossas regiões foram as primeiras a por em prática esta aliança entre civilizações. Lembro-me de ter sido perguntado, logo no inicio deste processo, alguns meses ou quase um ano antes da primeira cúpula, em Brasília: para que uma cúpula com os países Árabes? À medida que a data foi se aproximando, as perguntas que começaram a me fazer foram mudando e se tornaram: por que isso não aconteceu antes?
A resposta do Brasil à questão de aproximação entre culturas também se ilustra por outros exemplos concretos, como a criação do IBAS (Índia/Brasil/África do Sul). Esses três países emergentes importantes, que são caracterizados por seu aspecto multicultural, estão trabalhando numa variedade de temas como a coordenação política ou cooperação Sul-Sul.
Finalmente, um exemplo que também gosto de citar para ilustrar nossos esforços é o fato de termos sediado eventos como o segundo congresso dos intelectuais africanos, incluindo os da diáspora, em Salvador, na Bahia. O primeiro tendo sido acolhido pelo Senegal.
Muitos na Europa, Estados Unidos e no próprio mundo árabe olham para o Brasil com grande admiração quando notam como vivem os árabes e muçulmanos no país. E a pergunta sempre feita é: qual a formula utilizada pelo Brasil para se alcançar esta situação exemplar de convivência entre culturas e etnias? Há alguma explicação para isso?
Na verdade não hesito em dizer que os árabes deram uma contribuição muito positiva para o Brasil. Normalmente as pessoas gostam de citar os políticos ou homens de negócios de origem árabe como exemplo, mas eu gosto de falar também de muitos poetas e escritores brasileiros de origem árabe que enriqueceram a cultura brasileira. Por isso só posso dizer que recebemos do mundo árabe contribuições gratificantes.
Há talvez explicações sociológicas para este fenômeno. O fato do Brasil ser um país novo e que as pessoas vieram sem carregar a bagagem dos conflitos vividos anteriormente. Não se pode nem dizer que o Brasil foi “bonzinho” com os árabes. Nosso país recebeu estes povos e eles fazem parte agora de nosso tecido social e formam nossa cultura, que é caracterizada por sua diversidade e por pregar valores de tolerância e de entendimento entre os diversos grupos que a compõe. Tenho usado, para ilustrar essa situação, uma expressão de um músico popular brasileiro que diz que o Brasil se distingue pela “graça da mistura”. Por isso só posso dizer que o Brasil se reconhece na mistura harmoniosa de sua população e não na ênfase das diferenças.
E qual é a sua resposta aos comentários feitos em outras partes do mundo onde se estranha a capacidade dos brasileiros de poder conviver sem dificuldades entre diferentes culturas?
Eu só posso responder a isso com outro comentário, ou seja: que acho estranho quando as pessoas não convivem dessa maneira.
E em que pé estão os preparativos para a edição do ano que vem do Fórum da Aliança de Civilizações no Brasil?
Já preparamos nosso plano nacional para a Aliança de Civilizações e, como disse na sessão de abertura, o entregamos para o alto representante para a Aliança de Civilizações das Nações Unidas, presidente Jorge Sampaio (ex-presidente de Portugal).