Isaura Daniel
São Paulo – O Brasil deve ficar com parte do mercado internacional de açúcar da União Européia (UE) se a Organização Mundial do Comércio (OMC) determinar o fim dos subsídios do bloco aos produtores locais. Ontem, a OMC deu um primeiro parecer favorável ao Brasil, Tailândia e Austrália, que fizeram denúncia contra a UE, alegando que os subsídios concedidos pelo bloco, além de estarem acima de acordos estabelecidos no organismo, estão achatando os preços no mercado internacional.
"As seis milhões de toneladas que a União Européia exporta anualmente devem ficar divididas entre outros países produtores, entre eles o Brasil. Sem os subsídios, a União Européia deve sair da exportação", diz o diretor do Departamento de Relações Internacionais da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Pedro Camargo.
Com a concorrência internacional mais acirrada, usinas menos atualizadas deverão deixar de produzir, abrindo mercado para outros países, de acordo com o diretor da entidade.
O parecer da OMC sobre o açúcar é a segunda vitória que o Brasil obteve nos últimos cinco dias na guerra contra os subsídios agrícolas das nações desenvolvidas. No final de semana, na reunião da OMC, Estados Unidos, União Européia e Japão se comprometeram a reduzir os seus subsídios às exportações agrícolas de forma gradual e a diminuir em 20% o apoio interno à produção, dinheiro dado de forma direta aos produtores como complemento de renda.
"Uma maior equidade no comércio agrícola mundial representa chances de desenvolvimento para o Brasil. Os concorrentes em desvantagem vão começar a diminuir sua produção", diz Camargo. A decisão do último final de semana, porém, é apenas uma formalização da disposição dos países em reduzir os aportes dados aos seus agricultores. Os detalhes e a data da entrada em vigor dos cortes ainda serão discutidos até o término da Rodada Doha, previsto para o final do próximo ano.
O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, porém, já falou ontem (4) sobre os ganhos que países em desenvolvimento, como o Brasil, podem ter a partir da decisão. "Nós demos um passo fantástico, na última semana, para que finalmente os subsídios agrícolas deixem de ser impedimento para o desenvolvimento dos países mais pobres", afirmou Lula diante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.
O ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, também disse, no início da semana, que o ganho da agricultura brasileira pode chegar a US$ 10 bilhões no médio prazo com o fim dos subsídios. "O Brasil pode ganhar até mais de US$ 10 bilhões", diz Pedro Camargo, complementado, porém, que não é possível prever em que período de tempo, já que o acordo ainda não foi finalizado e nem tem data para vigorar.
Os subsídios agrícolas dados pela União Européia, Estados Unidos e Japão aos seus agricultores chegam a US$ 350 bilhões por ano. Só no setor de açúcar, as perdas que o Brasil tem, em função dos preços depreciados, são de US$ 400 milhões ao ano, de acordo com estimativas da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica).
As exportações brasileiras do açúcar deverão crescer cerca de 10% já no próximo ano com a decisão anunciada ontem (4), de acordo com projeções feitas pelo ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues.
Segundo informações de técnicos do Ministério da Agricultura, os produtores brasileiros da commodity, ao lado dos de algodão, lácteos, sucos de laranja e carnes devem ser os maiores beneficiados com o fim dos subsídios às exportações.
Comemoração precipitada
Apesar da última reunião da OMC ser considerada uma vitória para a agricultura brasileira, alguns analistas acreditam que a comemoração é um pouco precipitada. "O que se conseguiu foi apenas que Estados Unidos, União Européia e Japão dissessem que vão marcar uma data para reduzir os subsídios", diz o gerente de relações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Christian Lohbauer.
O professor da Universidade Federal do Paraná, Eugênio Stefanelo, lembra que o corte de 20% das verbas que os países ricos usam para apoio doméstico aos agricultores, compromisso assumido na OMC, não chegará a ter efeito, já que hoje esses países não estão utilizando o teto máximo a que têm direito. De acordo com informações do Ministério da Agricultura, a União Européia pode gastar US$ 67 bilhões e os Estados Unidos US$ 19 bilhões em subsídio doméstico, de acordo com acordo estabelecido na OMC.
"O que houve foi um pequeno avanço em relação à estagnação em que a discussão estava antes", diz Stefanelo, a respeito da negociação no organismo. O professor acredita que as exportações agrícolas brasileiras devem aumentar muito mais em função da redução de áreas produtivas em países que estão se urbanizando, como China, Índia e Estados Unidos, do que pelo corte de subsídios.
"O Brasil é o único país do mundo que tem uma reserva de 100 milhões de hectares de terras agricultáveis. Fatalmente nós vamos aumentar nossa presença nas exportações", diz.
Ele admite, porém, o ganho político que a decisão da OMC trouxe ao país. "Os países desenvolvidos não pensavam que os países em desenvolvimento pudessem fazer uma frente tão grande", afirma.
Uma troca?
Fontes do governo brasileiro disseram que os países ricos voltaram a ameaçar a retirar os produtos agrícolas brasileiros do Sistema Geral de Preferências (SGP) na última reunião de Paris. Hoje, o Brasil participa, com os demais países em desenvolvimento, de um sistema de exportação preferencial, pelo qual vende alguns produtos com tarifa zero para países e regiões mais desenvolvidos como União Européia e Estados Unidos. Nesta lista estão produtos industriais e agrícolas.
De acordo com informações da Delegação da Comissão Européia em Brasília, dois terços dos produtos que estão no comércio bilateral do Brasil e UE se beneficiam do SGP. A lista é determinada pelo país importador. "Os Estados Unidos e a União Européia querem considerar o Brasil desenvolvido na área agrícola para retirar o benefício", diz Stefanelo.
Há alguns anos, os dois falam em mudar a forma pela qual se determina se um país é ou não desenvolvido. Em vez de auto-declaratório, como é hoje, o título seria dado à nação pela renda per capita do país. O sistema de importação preferencial foi criado pelos países ricos nos anos 1960 como forma de ajudar as economias mais pobres.
Os analistas, porém, acreditam que a ameaça de excluir os produtos agrícolas do Brasil do SGP é apenas uma forma de pressão de EUA e UE em função da frente que o país está fazendo aos subsídios.

