Isaura Daniel
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São Paulo – O nome do diplomata Edgard Casciano foi aprovado na última semana, pelo Plenário do Senado, para assumir a embaixada do Brasil em Damasco, na Síria. A previsão é que Casciano esteja no país árabe no começo de julho. O embaixador, formado em Direito e Relações Internacionais, vem da chefia de gabinete da subsecretaria geral política para África, Ásia/Oceania e Oriente Médio do Itamaraty.
Nesta semana, Casciano esteve em São Paulo, onde visitou empresas, entidades empresariais e representativas da coletividade síria no país. A agenda foi organizada pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira e pelo Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty. Os encontros serviram como preparação para a atuação do diplomata em Damasco.
Na Câmara Árabe, ele se reuniu com o presidente Antonio Sarkis Jr., os vice-presidentes Helmi Nasr (Relações Internacionais), Rubens Hannun (Marketing) e Salim Schahin (Comércio Exterior), o secretário-geral Michel Alaby, o diretor Bechara Ibrahim e o cônsul-geral da Síria em São Paulo, Ghazi Deeb.
Casciano quer trabalhar pelo aumento das relações comerciais entre os dois países, o que inclui comércio e investimentos, e também do intercâmbio nas áreas cultural e acadêmica. Uma das metas é fomentar as trocas na área musical. Em entrevista à ANBA, o novo embaixador lembrou que já está em operação a usina de açúcar com participação da brasileira Crystalsev no país árabe. Ela deve ser inaugurada oficialmente, até a metade deste ano, com a presença de autoridades brasileiras. Leia a seguir a entrevista:
ANBA – Qual é a sua história na diplomacia brasileira?
Edgard Casciano – Eu comecei minha carreira em 1982, quando concluí o curso do Instituto Rio Branco. Fiquei em Brasília o tempo normal de um diplomata saído do Rio Branco, que é de três anos. Em seguida o meu primeiro posto no exterior foi a missão do Brasil junto à Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, nos Estados Unidos, como terceiro secretário. Lá eu fiquei três anos e então fui para Bogotá, na Colômbia, na embaixada, como segundo secretário. De Bogotá voltei a Brasília, por três anos, e de Brasília segui para a embaixada em Atenas, na Grécia. Fiquei em Atenas três anos, voltei a Brasília, onde estive por mais quatro anos e trabalhei na área de promoção comercial. Fui então para Berlim como conselheiro e chefe do setor político da nossa embaixada, e voltei para Washington, dessa vez como ministro conselheiro da embaixada do Brasil. Fiquei três anos até abril de 2007 e voltei para Brasília, como chefe de gabinete do subsecretário geral político para a África, Ásia/Oceania e Oriente Médio do Itamaraty, que é o embaixador Roberto Jaguaribe.
Qual é a sua formação acadêmica?
Eu fiz Direito aqui na Universidade de São Paulo (USP) e Relações Internacionais em Genebra, na Suíça. Concluí o curso em Genebra em 1980 e em 1982 ingressei no Instituto Rio Branco.
E em Damasco, será a primeira vez que o senhor vai atuar como embaixador?
Sim. Eu fiquei muito feliz quando o ministro (das Relações Exteriores) Celso Amorim decidiu propor o meu nome ao presidente Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) para chefiar a embaixada do Brasil em Damasco. O Oriente Médio é uma área com a qual eu já vinha trabalhando, pela qual eu tenho um interesse muito grande. Eu sempre me interessei pelo Oriente Médio, em meus estudos na área de história no curso de Relações Internacionais, e também por gosto pessoal. O Oriente Médio é o berço da civilização.
Em que data efetivamente o senhor estará na Síria como embaixador?
A previsão é de que eu esteja em Damasco no início de julho.
O senhor está em visita a São Paulo. É uma preparação para o trabalho na embaixada?
Eu estou fazendo uma rodada de visitas em São Paulo, cumprindo uma agenda riquíssima que a Câmara de Comércio Árabe Brasileira preparou em coordenação com o Departamento de Promoção Comercial do Itamaraty. Estive em contato não apenas com empresas e entidades empresariais com interesse nas relações econômicas com a Síria, como também com todas as principais entidades representativas da coletividade síria em São Paulo. Aliás, eu queria agradecer por isso aos diretores e ao presidente da Câmara Árabe, Antonio Sarkis Jr. O meu primeiro contato com a Síria eu estabeleci aqui em São Paulo. A agenda que me foi preparada ultrapassou as minhas expectativas pela sua qualidade.
Em que locais o senhor esteve em São Paulo?
Eu estive na Câmara de Comércio Árabe Brasileira, no Hospital Sírio-Libanês, no Clube Sírio. Visitei o Lar Sírio Pró-Infância, a creche Adélia Curi da Associação Beneficente Feminina Síria-Libanesa, o Hospital do Coração e o Clube Homs. Estive com representantes da Federação de Entidades Americano-Árabes, Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frango (Abef), União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Única), da Crystalsev (usina de açúcar), na Catedral Metropolitana Ortodoxa, com representantes da Sadia e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Em todos os lugares, eu fui recebido de braços abertos. Amanhã (hoje) ainda devo visitar a Mesquita Brasil e a Embraer.
As conversas nestes locais serviram para o senhor planejar o seu trabalho em Damasco?
Foi uma rodada de contatos em que a minha principal preocupação foi não apenas aprimorar os conhecimentos que eu tenho da Síria e das relações Brasil-Síria, como também já ir definindo o foco do que será a minha missão. É normal pensar na área econômica e comercial, mas evidentemente ela não será a única área prioritária de atuação na Síria. Eu tenho um grande interesse em contribuir para o desenvolvimento das relações nas áreas acadêmica e cultural. Para isso eu também farei contatos no mundo acadêmico. Quero dar seguimento a várias idéias e programas de cooperação na área educacional que foram propostos durante a visita do ministro da Educação Fernando Haddad à Síria (em 2006).
Já existe na Universidade de Damasco um curso de português, não é?
Já existe, mas a idéia é agora tornar permanente essa presença de um professor de português em Damasco, e se possível em outras cidades da Síria, nas maiores.
O senhor já tem planos de ações na área cultural?
Uma área muito promissora é a troca de grupos musicais. Sobretudo, música instrumental. Eu fiquei muito contente ao saber que a Câmara de Comércio está muito interessada na promoção de uma semana do Brasil em Damasco, que terá um componente importante na área cultural.
E na área econômica, quais são os seus planos para Síria e Brasil?
Na área econômica, tivemos recentemente grandes notícias. Eu me encontrei aqui em São Paulo com o presidente da Crystalsev, Rui Lacerda Ferraz. A empresa está associada a um grande empreendimento na área de refino de açúcar na Síria. Aliás, é a maior usina de açúcar da Síria e será inaugurada brevemente. Ela já está operando, mas será inaugurada oficialmente em breve, em uma cerimônia com autoridades brasileiras, muito provavelmente o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, e outras lideranças. Essa é uma grande notícia no campo das relações econômicas bilaterais porque elas não estão limitadas simplesmente ao comércio, temos agora uma grande operação de investimento.
E o comércio atual do Brasil e da Síria, como o senhor avalia?
Nós deveremos concentrar esforços também na diversificação da pauta síria de exportações para o Brasil, que é muito concentrada em poucos produtos, da indústria de petróleo, sobretudo em nafta. Essa é uma área em que a Câmara de Comércio pode colaborar de forma decisiva. Nós podemos comprar da Síria, por exemplo, frutas secas, setor no qual os sírios têm bastante qualidade e competitividade. Mas caberá aos empresários sírios serem um pouco mais agressivos. A nossa pauta de exportações para lá já é bastante diversificada. Porém, a Síria ainda não ocupa um dos principais lugares, entre os países árabes do Oriente Médio, como parceiro comercial do Brasil. Ela é apenas o 10º no Oriente Médio e há um potencial de expansão muito grande, favorecido, inclusive, pelas políticas de abertura econômica e comercial que vêm sendo implementadas pelo presidente sírio, Bashar Al-Assad.
O senhor tem planos para a coletividade síria que vive no Brasil?
Eu visitei todas as mais importantes entidades representativas da comunidade síria. Visitei os dois grandes hospitais mantidos por sociedades que agrupam descendentes de sírios e libaneses: o Hospital Sírio-Libanês, mantido por descendentes de sírios e libaneses, e o Hospital do Coração, por descendentes de sírios. Ambos são centros de excelência e referência mundiais. Nestas duas instituições eu discuti com a mais alta direção a possibilidade, que já foi cogitada por eles mesmos, de estabelecer intercâmbio com hospitais sírios, inclusive prevendo treinamentos de médicos sírios nestes dois hospitais. E há grande interesse pelo lado brasileiro de levar avante essa cooperação. E eu vou tratar disso quando chegar em Damasco, com os meus interlocutores sírios. Inclusive os dois hospitais estão preparando uma série de contatos na área médica na Síria para orientar os meus contatos. Esses dois hospitais são motivo de orgulho não apenas para a coletividade árabe e sírio-libanesa, mas também para todos os brasileiros.
E na Síria, existe uma coletividade brasileira tão grande quanto no Líbano?
Não é comparada ao Líbano, apesar de existirem muitos brasileiros vivendo na Síria. Um dos resultados de se estabelecer um curso de permanente de português é justamente favorecer a manutenção da língua pelos brasileiros e filhos de brasileiros que lá estão vivendo. Seria uma maneira de eles manterem o contato com o país de origem.
Como é a sua relação pessoal com o mundo árabe? O senhor tem descendência árabe ou tem ligação estreita com a Síria ou mundo árabe?
Como paulistano, eu tenho vários parentes de origem síria e libanesa. Eu não sou descendente direto, mas tenho primos, tios, e fiquei muito feliz em ter reencontrado vários deles em algumas das instituições que eu visite aqui em São Paulo. Eu convivi desde cedo com a cultura árabe.
Há algo em particular que o senhor admira na cultura árabe?
Uma infinidade de coisas. Há grande afinidade entre as culturas do Oriente Médio, de origem mediterrânea, e a nossa cultura predominante no Brasil, que também é do sul da Europa. Cada vez mais descobrimos origens e traços comuns.
Qual é uma das principais contribuições do Brasil, na sua opinião, ao Oriente Médio?
Uma das mensagens que o Brasil tem levado, em todos os encontros internacionais, é esse exemplo de convivência pacífica que temos entre diferentes povos no país. Nos foros internacionais, em que temas referentes ao Oriente Médio – uma região que ainda tem conflitos para resolver – são abordados, uma das principais contribuições que o Brasil tem a dar é demonstrar ao mundo como é possível congregar de forma harmônica e pacífica, em uma só sociedade, pessoas das mais diversas origens, credos e religiões.

