Alexandre Rocha
São Paulo – O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse ontem (09) que o governo brasileiro está “trabalhando ativamente” para a realização da reunião de cúpula entre os chefes de estado dos países árabes e da América do Sul, que deverá ocorrer em dezembro no Brasil. Amorim espera que até a 11ª Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), que será realizada entre os dia 13 e 18 de junho em São Paulo, as negociações em torno da pauta e datas específicas da cúpula já estejam “avançadas”.
Amorim ressaltou, porém, que o encontro entre árabes e sul-americanos não faz parte da agenda de discussões da Unctad. No entanto, como a conferência é um evento muito ligado às questões dos países em desenvolvimento, nada impede que ministros envolvidos na realização da cúpula discutam o assunto em conversas paralelas.
A reunião entre sul-americanos e árabes foi idealizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado. Ele enviou correspondência comunicando a proposta para os líderes países dos dois blocos, que foi bem aceita. O presidente aproveitou também a viagem que fez a cinco países árabes em dezembro para tratar do tema.
No início do ano, durante a viagem do presidente e sua comitiva a Genebra, na Suíça, o ministro Amorim reuniu-se com representantes dos dois blocos na primeira reunião preparatória para a cúpula. Em sua vista ao Brasil em fevereiro, o presidente do Líbano, Émile Lahoud, prometeu incluir o tema na Cúpula Árabe, evento que reunirá os 22 países árabes na Tunísia ainda este mês.
Em entrevista à ANBA, o chefe-adjunto da missão permanente da Liga dos Estados Árabes, Sayed Torbey, disse que o tema foi apresentado, pelo ministro das Relações Exteriores do Líbano, Jean Obeid, nos encontros preparatórios para a Cúpula Árabe ocorridos na semana passada no Cairo (Egito).
Livre Comércio
Embora o encontro entre árabes e sul-americanos não esteja na pauta da Unctad, a questão da união entre os países em desenvolvimento poderá ser um dos pontos altos da conferência, cujos acordos para realização foram assinados ontem na sede da prefeitura de São Paulo pelo ministro Amorim, pelo secretário-geral da Unctad, embaixador Rubens Ricupero, e pela prefeita de São Paulo, Marta Suplicy.
Amorim anunciou que, durante o encontro da ONU, será lançada uma nova rodada de negócios no âmbito do Sistema Global de Preferências Comerciais entre Países em Desenvolvimento (SGPC), instrumento criado pela Unctad que prevê trocas de concessões tarifárias entre os 135 países do G-77, grupo formado pelos países em desenvolvimento (Chama-se G-77 porque quando foi criado na década de 1960 eram 77 esses países).
“Poderá até ser um passo para um acordo de livre comércio entre os grandes países em desenvolvimento”, destacou Amorim. Para ele, existem muitas oportunidades ainda “não exploradas” de negociações entre os países em desenvolvimento.
Amorim ressaltou, porém, que embora o presidente Lula fale em “mudar a geografia comercial do mundo”, isso não quer dizer que o Brasil pretenda modificar ou suas relações com os países desenvolvidos, mesmo porque os Estados Unidos e a União Européia são os grandes parceiros comerciais do Brasil.
Ele acrescentou, no entanto, que existe uma “boa parcela” de crescimento nas relações com países em desenvolvimento como a África do Sul, a China e a Índia. “As relações com a Índia triplicaram nos últimos quatro anos”, exemplificou Amorim.
Para o ministro, os países em desenvolvimento, dentro de um acordo de livre comércio, podem “fazer entre si” coisas que não conseguiriam fazer com os países ricos em termos de acesso a mercados.
A princípio, a retomada das negociações do SGPC deverão ocorrer no âmbito do G-20, grupo de países em desenvolvimento que atuam em conjunto na Organização Mundial do Comércio (OMC) principalmente com vistas a eliminar os subsídios agrícolas existentes nas nações mais ricas. Mas o rol não é taxativo.
Amorim ressaltou que o Brasil já tem buscado alternativas junto aos países em desenvolvimento e citou o acordo assinado recentemente entre o Mercosul e os países da Comunidade Andina, os entendimentos com a África do Sul e a União Aduaneira do Sul da África, com a Índia e o Egito. “O Egito já pediu para negociar conosco e com o Mercosul”, afirmou o ministro. “(A retomada das negociações do SGPC) é uma extensão do que já vem sendo feito em boa medida”, acrescentou.
Ver o lado oculto
Ricupero, por sua vez, afirmou que o principal objetivo da 11ª Unctad será “olhar o lado oculto da lua”, ou seja, procurar discutir como o comércio pode servir de instrumento para o desenvolvimento. Para ele, embora possa parecer, a linha de causa e efeito entre comércio e desenvolvimento “não é óbvia”, é possível haver comércio pujante, com lucro para as empresas, sem que isso reflita no desenvolvimento dos países mais pobres. E é exatamente o que ele e Amorim disseram durante a cerimônia em São Paulo. Há um déficit de desenvolvimento enquanto o comércio se desenvolve.
De acordo com o embaixador, o fórum da Unctad servirá para discutir o comércio e o desenvolvimento aliados a um “compromisso com a ética, com políticas de redução da pobreza e dos desequilíbrios dos sistemas financeiro e comercial”.
Amorim acrescentou que as discussões internacionais sobre o comércio e o desenvolvimento andaram apartadas por muitos anos, tratadas sobre um ponto de vista liberal, mas agora elas voltam a ser colocadas na mesa de maneira interligada. Ele disse que os debates da Unctad não vão se restringir a questões teóricas, mas deverão envolver questões práticas como a OMC, a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e a integração dos países em desenvolvimento.
“Eu vejo um interesse dos países em desenvolvimento de se coordenarem”, disse Amorim.
O ministro afirmou ainda que as decisões tiradas durante a Unctad deverão influir na conclusão da rodada de Doha este ano. “Talvez tenhamos pela primeira vez rodadas de negociação como o desenvolvimento no centro”, declarou.
De acordo co Ricupero, um dos objetivos da Unctad, ao “olhar para o lado escuro da lua”, será justamente “olhar para a capacidade de oferta dos países em desenvolvimento”. Para ele, as negociações como as da OMC giram muito em torno da abertura de oportunidades. “Mas se não for criada capacidade de oferta os mesmo países de sempre vão se beneficiar dessas oportunidades, geralmente os asiáticos”, disse.
A idéia, segundo o embaixador, é justamente, criar ou diversificar essa “capacidade de oferta” entre os países mais pobres.
A agenda do encontro será extensa, mas dentro desse prisma Ricupero disse que três temas centrais serão discutidos: o comércio e a pobreza, porque como ele mesmo disse a relação entre aumento do comércio e redução da pobreza “não é óbvia”; comércio e gêneros, que vai abordar, por exemplo, o papel importante da mulher no comércio; e comércio e indústrias criativas, a indústria cultural compreendida lato sensu.
São Paulo
Ricupero ressaltou que a Unctad será realizada em São Paulo justamente no ano em que a conferência completa 40 anos. Será a primeira vez que o encontro vai ocorrer no Brasil e o maior evento organizado pela ONU no país desde a ECO 92, no Rio de Janeiro. As duas edições anteriores da Unctad foram realizadas na Tailândia e na África do Sul.
O evento ocorre também justamente no ano em que a cidade completou 450 anos de fundação. Ricupero justificou a escolha de São Paulo dizendo que ela é talvez o maior símbolo mundial do fenômeno de urbanização ocorrido nos países em desenvolvimento no final do século 20. “Ela simboliza todas (essas cidades) no que elas têm de melhor e de mais problemático”, afirmou.
A prefeita Marta Suplicy destacou que São Paulo se encaixa perfeitamente no perfil do fórum, uma vez que é uma cidade de contrastes. Ela lembrou que na cidade vive a maior colônia libanesa fora do Líbano, assim como a maior comunidade japonesa fora do Japão e, além disso, é o município brasileiro com o maior número de nordestinos, mais do que qualquer cidade do nordeste do país.
A Unctad é um órgão da Assembléia Geral da ONU e conta com 192 países membros, não só nações em desenvolvimento, mas as desenvolvidas também. Ricupero disse que se trata de uma conferência de nível ministerial, mas isso não impede que vários chefes de estado participem, como ocorre geralmente.