Doha – O mercado de trabalho do Catar está repleto de mão-de-obra estrangeira em todos os níveis hierárquicos, desde operários da construção civil até executivos de grandes empresas. São asiáticos, árabes de outros países, europeus, norte-americanos e também brasileiros que suprem uma demanda não atendida pela pequena população nativa. Só para dar uma ideia, os estrangeiros compõem quase 95% da força de trabalho do país, segundo estatísticas do governo local.
É nesse ambiente multicultural que vivem brasileiros como o técnico de futebol Caio Júnior, do clube Al Gharafa, e os pilotos da Qatar Airways, Cezar Prates e Alexandre Moraes. Além das novas experiências e dos bons salários, a vida em Doha representa para eles garantia de qualidade de vida.
“Eu não imaginava que a qualidade de vida aqui era tão boa”, disse o ex-treinador do Flamengo e do Palmeiras, que acaba de terminar sua primeira temporada no futebol catariano. “Entre as experiências que eu já tive, nunca vi essa tranqüilidade”, acrescentou ele, que, além do Brasil, já morou em países como Portugal e Japão.
Caio e sua mulher, Adriana, têm dois filhos, um de 18 e outro de 13 anos, sendo que o primeiro mora, estuda e treina futebol nos Estados Unidos, e o segundo está em Doha. Um dos grandes diferenciais da cidade, segundo o técnico, é a “violência zero”.
Moraes, que tem uma filha de seis anos, concorda. “No Brasil nós morávamos na Tijuca (bairro na zona norte do Rio de Janeiro), ela (a filha) estaria aprisionada num apartamento entre quatro paredes”, afirmou. “Aqui vivemos em um condomínio que tem várias crianças, a liberdade é total e a segurança absoluta. Ela fica o tempo inteiro na rua”, acrescentou.
O comandante de Airbus A-330 acrescenta que a convivência com crianças de diferentes nacionalidades e culturas é excelente para a filha. Na escola, a garota tem aulas de inglês e francês e quer aprender árabe. “Ela está vivendo a globalização desde pequena”, disse Moraes.
Para Prates, porém, a história é um pouco diferente. Ele tem uma filha já adulta, que mora no Brasil, está em Doha com a mulher arquiteta, que trabalhava no Rio de Janeiro, mas no Catar tem uma rotina de dona de casa e faz cursos de idiomas. Ela acaba ficando só quando o marido viaja. “É um contraste muito grande”, afirmou o piloto de Boeing 777. Suas viagens o obrigam a ficar pelo menos 12 dias por mês fora de casa.
O casal sente falta também da propriedade no Rio, uma casa “no meio do mato”, o que contrasta com o ambiente árido da capital catariana. Os dois pilotos, porém, assim como Caio Júnior, concordam que profissionalmente e financeiramente vale muito à pena trabalhar no Catar.
Ambos os comandantes são egressos da Varig e viram na aviação do Oriente Médio uma saída para o quase fim da outrora grande companhia brasileira. “Eu apaguei a luz e fechei a porta [da Varig]”, brincou Prates, que trabalhou 33 anos na empresa. Moraes tinha 21 anos de casa e os dois contribuíam para o fundo de pensão Aeros. Com a quebra, a perspectiva de receber uma boa aposentadoria foi para o buraco.
Moraes, que tem 49 anos, teria condições de se aposentar pelo Aeros aos 55. Prates, de 57, após a crise da Varig, ficaria só com a aposentadoria do INSS e não teria condições de manter o mesmo padrão de vida. “Esse é o fator que mais pesa”, declarou.
Pelas regras da aviação, pilotos que fazem rotas internacionais devem se aposentar compulsoriamente aos 65. Moraes disse que não pensa em voltar ao Brasil para trabalhar e Prates também não pensa em retorno no momento. “O mercado [de trabalho] no Brasil está muito aviltado”, declarou Moraes, acrescentando que, no Oriente Médio, a aviação está em franca expansão e as empresas buscam profissionais já formados e experientes.
Outra vantagem da vida no Catar é a possibilidade de conhecer novos lugares. Na Varig, de acordo com Prates, a maioria das rotas era para a América do Norte e países de Europa Ocidental, mas o trabalho na Qatar Airways permite conhecer destinos na África, Oriente Médio e Ásia. “Temos a oportunidade de conhecer o outro lado do mundo”, declarou.
No dia 24 de junho, porém, a empresa lança um vôo direto de Doha a São Paulo, e Prates já se candidatou para a rota, já que nela serão utilizadas aeronaves do modelo que ele pilota.

