São Paulo – Nas viagens que fez ao redor do mundo, Maurício Delfino sempre recebia das mulheres da família pedidos de produtos para cabelos e peles negras. Foram essas demandas que despertaram nele a vontade de criar uma marca dedicada à comunidade negra brasileira. Da ideia, surgiu a DaMinhaCor. O primeiro produto e carro-chefe da empresa são as toucas de natação próprias para quem tem cabelos afro e volumosos. A marca já tem alguns negócios no exterior.
Os fundadores da empresa, Delfino e sua esposa, Michele Eduardo, podem inclusive dizer que ela já nasceu premiada. Ainda em fase de testes, ele rodou regiões de São Paulo apresentando a touca. “O que mais ouvi foram brincadeiras de mau gosto. O preconceito começou muito forte ali. Mas em dezembro de 2017 o meu telefone tocou e era uma mulher de um salão de beleza onde eu tinha ido. Ela estava com uma mãe e uma filha. A garota fazia parte da equipe de natação e precisava da touca para competir, ou teria que tirar suas tranças. Eu entreguei a touca e ela ganhou duas medalhas”, revela Delfino.
A história correu e um repórter da Revista Piauí se interessou em contá-la. Assim, em janeiro de 2018, quando a empresa foi aberta, a matéria potencializou o alcance da marca.
Hoje, o portfólio já conta com outros artigos ligados à natação, como maiôs, sungas, óculos, toalha e até pés de pato. E mais, a DaMinhaCor expandiu para setores como alimentação, saúde e beleza, com toucas reutilizáveis para restaurantes e salões, e outras descartáveis para hospitais e consultórios.
História da marca
Nascido na periferia de São Paulo, antes de abrir a DaMinhaCor Delfino foi office-boy, depois iniciou sua carreira na área comercial, onde tem experiência de 20 anos. Quando veio a ideia de montar um negócio o empresário refletiu sobre o setor que abraçaria.
“Sou exceção de uma regra da população negra, porque pude viajar muito internacionalmente a turismo. E sempre tinha alguém da minha família que pedia algo que envolvia cabelo e pele [negra]. E comecei a pensar, será que tem oportunidade dessas coisas virarem um negócio?”, se questionou ele.
Lembrando de sua adolescência, quando via as mulheres da família alisando o cabelo com ferro quente, Delfino decidiu investir em produtos pensados não em mudar, mas sim exaltar os traços desse público. “Naquela época elas tinham que se descaracterizar para serem aceitas. Pensei, vou criar uma marca para desenvolver e pensar produtos para comunidade negra, porque muitas coisas não são pensadas para nós, são pensadas para quem tem cabelo liso”, explicou.
A soma de suas habilidades no mundo corporativo e as necessidades que identificou resultou no que ele classifica como ‘uma empresa especializada em produtos inovadores e socialmente inteligentes para a comunidade negra’.
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Tendo como referência mercados como o dos Estados Unidos, mas partindo da realidade local, Delfino decidiu desbravar um setor. “Quando você olha para a história do Brasil, a maneira como fomos arrancados da África e trazidos para cá foi totalmente cruel e muitos sabiam que um ente querido foi jogado no mar. Quem chegou vivo, depois de tanta brutalidade, ainda sentia falta de um parente que morreu afogado. Só aí o ato de nadar para a população negra é diferente. Hoje no Brasil majoritariamente quem pratica natação e hidroginástica são pessoas brancas, porque aqui piscina é coisa para rico e elite. E pensei: esse é o melhor ambiente para eu chegar me posicionando como marca”, declarou ele.
Na linha de esportes, as toucas são o principal produto e de onde vem grande parte do faturamento da DaMinhaCor. A marca tem contrato com a Centauro, Decathlon e Carrefour.
Expansão: cosméticos e EPIs
Após um ano, a empresa lançou a linha de cosméticos, liderada por Michele Eduardo. Entre os produtos, há máscara e ativador de cachos, além de opções de maquiagem. A oportunidade no setor, inclusive, chamou a atenção do empresário durante uma viagem à Tunísia. “Eu vi muitas pessoas com tonalidades de pele parecias com a minha, e pensei que lá os nossos cosméticos poderiam vender bem”, disse.
Mas foi em 2020, com a pandemia, que a marca ficou seis meses sem fazer nenhuma venda do produto principal, e o casal precisou novamente inovar. “Antes da DaMinhaCor, minha esposa trabalhava com enfermagem, e vimos que não tinha toucas [para cabelo afro] para vender. Compramos tecidos, fomos na fábrica de costureira e pedimos uma touca maior. Esse item começou a ficar importante, e nos reinventamos. Daí, outras pessoas falaram que queriam touca de tela reutilizável para quem trabalha com alimentos também”, revelou ele.
Com a nova frente de trabalho, a marca alcançou clientes como O Boticário e Mondelez. “Quando falamos da nossa linha de EPI [equipamento de proteção individual], o bacana é que grandes fábricas e multinacionais trabalham com [políticas de] igualdade e, em função disso, estão se adequando. Tem uma porção de empresas grandes que compram o nosso produto”, contou.
No total, a DaMinhaCor já conta com 30 revendedores regionais, além de quatro pequenas revendas no exterior. Os pontos estão em Maputo, em Moçambique, na França, em Lisboa, Portugal, e em Miami, nos Estados Unidos.
Planos
Para o futuro o brasileiro quer expansão na linha de natação. “Estamos nos preparando para que uma multinacional invista ou até compre a marca, para que eu consiga definitivamente escoar e expandir para todo o Brasil”, revelou ele.
Além da loja online, Delfino reforça que o foco está nos pontos físicos, que se concentram no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e São Paulo. “Meu grande desejo é expandir para lojas em todo o País. Eu sempre digo que da mesma maneira que uma pessoa branca entra na loja e pega seu produto, a pessoa negra também tem que olhar uma gôndola, pegar um produto e saber que foi feito para ela”, diz.
Falando em exportação, outra meta de Delfino é tornar a marca mais relevante dentro da Decathlon. “A ideia é que eles fechem algum tipo de parceria mundial, e não só Brasil [como é hoje]. Temos feito um trabalho para nos tornar relevantes lá dentro”, contou ele. Já na linha de EPIs o objetivo é entrar em redes de fast-food, para ter possibilidade de uso global do produto.