São Paulo – Um fundo poderá ser criado no Brasil para ajudar o Líbano a sair de uma das maiores crises econômicas da sua história. A possibilidade de lançamento de uma iniciativa aos moldes do trust fund, pelo qual os brasileiros poderiam investir em projetos no Líbano, foi discutida por lideranças da diáspora libanesa e árabe e diplomatas nesta terça-feira (06) na sede da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), na capital paulista. O fundo seria uma oportunidade para a comunidade Líbano-brasileira ajudar o seu país de origem.
A ideia foi lançada pela embaixadora Carla Jazzar, encarregada de negócios da Embaixada do Líbano em Brasília, e bem aceita por representantes de entidades da colônia presentes no encontro. O seminário “Unidos pelo Líbano” foi transmitido ao público geral pela internet. A partir da reunião deve ser formado um grupo de trabalho para discutir a implementação do fundo e de outras iniciativas para ajudar o Líbano na recuperação econômica.
Jazzar contou da atual situação do Líbano e sensibilizou os presentes ao apontar as graves dificuldades do país. Abrigando 400 mil refugiados palestinos e um milhão de refugiados sírios, o Líbano já vinha de um cenário econômico complicado, que se agravou com a explosão do Porto de Beirute no ano passado e com a pandemia de covid-19. Após a tragédia de Beirute, o Brasil enviou ajuda humanitária ao Líbano.
O Banco Mundial classificou a crise do Líbano como uma três mais severas do mundo desde a metade do século 19, segundo Jazzar. A diplomata contou que em menos de dois anos, a libra libanesa perdeu mais de 100% do seu valor e a situação pode piorar. Isso fez cair drasticamente o poder de compra do salário médio local. “Isso diminui a capacidade das pessoas de pagarem por comida, moradia, saúde”, falou a diplomata.
O relatório do Banco Mundial estima que mais da metade da população libanesa tem probabilidade de ficar abaixo da linha de pobreza. Segundo Jazzar, uma pesquisa do final de 2020 conclui que 41% dos domicílios no país enfrentam desafios no acesso aos alimentos e outros produtos básicos. Com a baixa das reservas libanesas, há dificuldade de importar itens essenciais como alimentos e combustíveis. “Com a queda nas importações, as farmácias não conseguem mais oferecer medicamentos fundamentais”, diz Jazzar.
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“Hoje essa é a paisagem social que vemos no Líbano, uma paisagem de desolação total. O Líbano está na mesma situação que levou os pais e avós de vocês a migrarem para o Brasil começo do século 20. Então é hora de agir, é hora de devolver ao país dos seus ancestrais, é hora de criar essa grande ponte humanitária que os senhores e as senhoras representam”, disse a embaixadora aos integrantes da comunidade libanesa no Brasil.
Jazzar contou que conversou sobre a ideia da criação de um fundo com o Itamaraty e a Comissão de Relações Exteriores do Senado brasileiro. Diante da receptividade, resolveu avançar e disseminar a ideia também no seminário para a colônia libanesa e o público. A ideia é que o fundo atraia recursos privados e públicos e por meio dele possa ser dado apoio a comunidades, setores ou empresas no Líbano com o objetivo de criar novas oportunidades de emprego, renda sustentável e auxiliar no desenvolvimento de segmentos.
Mais comércio para ajudar
O diretor do Departamento de Oriente Médio do Ministério das Relações Exteriores, Sidney Leon Romeiro, presente no seminário, lembrou que Brasil e Líbano desenvolveram uma relação política constante ao longo dos anos, que não muda apesar das mudanças de governo. “Tem a ver com os laços afetivos que nos unem ao Líbano”, afirmou.
Romeiro citou iniciativas governamentais para incentivar o comércio e os investimentos entre os países e deu uma série de sugestões de como o Brasil pode ajudar o Líbano. Citou a possibilidade de uma presença empresarial brasileira maior no país árabe, a ampliação da pauta de comércio, cooperação em áreas como energia e agronegócio, capacitação empresarial dos libaneses, mecanismo de acordo para facilitação de investimentos, entre outras.
O presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Osmar Chohfi, falou no encontro sobre a história de imigração que une Brasil e Líbano e apresentou os dados do comércio entre os países, o que deixou claro que esse fluxo pode ser maior, principalmente na importação, o que ajudaria o Líbano. Segundo Chohfi, o Brasil exportou ao Líbano no ano passado US$ 157 milhões em mercadorias, basicamente commodities, e importou US$ 3 milhões do país. Ele disse que é preciso introduzir novas mercadorias nesse comércio, inclusive de valor agregado.
O presidente da ACSP, o senador Alfredo Cotait Neto, foi o anfitrião do seminário. Ele cobrou uma aceleração do acordo de livre comércio do Líbano com o Mercosul, que está em negociação, e disse que uma das vias para o Brasil ajudar o Líbano é importando mais produtos do país. Segundo Cotait, o que o Brasil compra hoje é pouco e importar mais é uma das primeiras coisas que se pode fazer. Ele defendeu um regime especial de tributação para isso.
Comissão de trabalho
Rudy El Azzi, cônsul geral do Líbano em São Paulo, chamou os presentes a pensarem juntos em ações. Os empresários e autoridades se dispuseram a ajudar. O presidente da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras), Mohamed El Zoghbi, sugeriu a criação da comissão de trabalho para colocar o fundo em operação. O CEO da Cdial Halal, Ali Saifi, também se colocou à disposição para ajudar o Líbano. O ex-presidente do Brasil, Michel Temer, participou pela internet e sugeriu, inclusive, que o fundo a ser criado seja internacional.
Também participaram do seminário presencialmente o embaixador Affonso Massot, secretário-executivo de Relações Internacionais do estado de São Paulo, Guilherme Mattar, secretário-geral da Câmara de Comércio Brasil-Líbano, Marcos Demetrio Haik, presidente do Esporte Clube Sírio, Mohamad Mourad, vice-presidente de Relações Internacionais da Câmara Árabe, e José Roberto Maluf, presidente da Fundação Padre Anchieta.
Estiverem presentes ainda Ana Cláudia Badra Cotait, presidente Conselho da Mulher Empreendedora e da Cultura da ACSP, o vereador Roberto Goulart, Abdo Hadade, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Wilson Victorio Rodrigues, vice-presidente da Câmara de Arbitragem e Mediação Brasil-Líbano, a diretora de Marketing e Conteúdo da Câmara Árabe, Silvana Gomes, e a gerente de Relações Institucionais da Câmara Árabe, Fernanda Baltazar. A maioria deu contribuições sobre como ajudar o Líbano.