São Paulo – Uma carreira dedicada à história do Sudão. Assim é a trajetória profissional de Patricia Teixeira Santos. A doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) pesquisa e produz conhecimento sobre o país árabe da África desde 1997. Hoje, a brasileira é professora associada de História da África do Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo, e pesquisadora ligada a instituições de Portugal, França e Índia.
Os estudos da carioca perpassam temas que vão da história da África contemporânea até as resistências anticoloniais no continente. “Quando iniciei, estava bem longe ainda de ter a discussão sobre ensino universitário de história da África. Mas havia anseio dos movimentos sociais e de algumas áreas, de que pudéssemos abrir o diálogo não só do passado, ligado à história do tráfico, mas também de estudos contemporâneos para compreender os movimentos anticoloniais, a diversidade de sociedades que ali existem, e o Islã africano”, revelou Santos em entrevista à ANBA.
Para chegar aos documentos que reuniu, a professora teve a colaboração de ao menos 60 pessoas de quatro países diferentes. “Tive que desenvolver habilidades e aprimorar algumas que eu tinha para a pesquisa, já que o Sudão é um território ‘multiculturalizado’”, revelou ela sobre a necessidade de avançar em leituras de diferentes línguas.
Além de se debruçar sobre obras em inglês e francês, Santos contou com apoio de pesquisadores e tradutores de árabe. “E só pude fazer tudo isso porque havia universidade pública, e eu pude fazer doutorado em uma excelente instituição, com um orientador muito sensível às questões árabes”, declarou ela.
Dom Comboni
Na busca por abrir mais caminhos, a estudiosa contou com a orientação de mestrado por Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea na UFF. A primeira discussão trazida pelas pesquisas foi a do bispo missionário Dom Comboni, que viveu e escreveu cartas sobre o Sudão no século 19. Já a segunda etapa do trabalho, se aprofundou na expulsão de adeptos do missionário do país árabe.
Os chamados combonianos migraram, então, para locais como o Brasil. “Aqui, muitos se aproximaram da Teologia da Libertação, fazendo trabalho pastoral de assistência com foco na situação do negro brasileiro. A congregação nasce no colonialismo e vai para a América no contexto de questionamento disso”, conta a professora.
O mestrado deu origem ao livro o ‘Dom Comboni: Profeta da África e Santo no Brasil’, publicado pela editora Mauad. O texto veio suprir informações do Sudão, frente à escassez de dados sobre o país. “Não dá para estudar a África sem estudar a história do Sudão. Foi diferente de tudo ali. Foi um condomínio anglo-egípcio, um espaço que lidava com diversos poderes que constroem uma administração rígida, apoiada nas elites locais”, declarou Santos.
Revolta Mahdista
No doutorado, a carioca mergulhou ainda mais na história sudanesa, analisando a Revolta Mahdista. “Demos um salto nesse contexto sudanês para a maior revolta anticolonial que aconteceu lá. Compreender quem foi Mahdi, essa liderança muçulmana, e o papel dele de unir povos tão diversos questionando esse aumento da influência francesa e inglesa na vida e destino das populações”, detalha ela.
Para beber de fontes mais diversas, a pesquisadora buscou diferentes documentos produzidos sobre o Estado Mahdista. “Isso mostrou uma sociedade extremamente rica, que tinha tipografia e circularidade de textos. Nesse percurso da pesquisa, consegui acesso também a cartas do Mahdi que estavam na Universidade de Cartum”, explica ela sobre a instituição da capital sudanesa, com a qual fez contato durante o estudo.
A Revolta, que aconteceu entre 1881 e 1898, alimentou a narrativa do livro ‘Fé, guerra e escravidão: Uma história da conquista colonial do Sudão’. “Conseguimos algo único de fazer um diálogo rico e perceber pessoas de outros espaços que participavam dessa revolta, especialmente a participação dos comerciantes indianos”, explicou a carioca.
Essa última informação chamou a atenção do professor Suresh Kumar, diretor do Departamento de Estudos Africanos, da Universidade de Nova Delhi, na Índia, que propôs a tradução da obra para o inglês. “Preciso agradecer o papel fundamental do Suresh Kumar nessa publicação de ‘Faith, War and Slavery’. Também dediquei esse escrito a todas as mulheres protagonistas da história e suas herdeiras”, afirmou a professora que já levou o trabalho a países como Burkina Faso, Angola, Moçambique, África do Sul, Itália, Inglaterra, França e Portugal. “Um professor me disse uma vez: você veio à Europa para encontrar o Sudão”, lembra.
O que vem por aí
Entre as produções da estudiosa, dois materiais estão para serem publicados de forma digital. O primeiro é nova edição da obra produzida para o mestrado, que deve sair em forma de e-book pela editora da Unifesp. Além deste, uma coletânea dos 20 anos de arquivos e trabalhos sobre o Sudão deve sair pela editora da Universidade de Pernambuco (UPE). O lançamento das obras está previsto para ocorrer entre dezembro e março.