Marina Sarruf
São Paulo – A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB) vai lançar o primeiro dicionário árabe-português na cúpula dos chefes de estado da América do Sul e dos países árabes, que vai ser realizada nos dias 10 e 11 de maio, em Brasília. O dicionário foi organizado pelo diretor da entidade e professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), Helmi Mohammed Ibraim Nasr.
O dicionário conta com mais de 70 mil vocábulos, escritos em 400 páginas. Na primeira coluna está escrita a palavra em árabe, seguida da pronúncia e do significado em português. Para algumas palavras também há plural, conjugações verbais e exemplos de uso numa frase. "Nossa colônia é enorme e muitas pessoas vão precisar. É muito importante para toda comunidade árabe brasileira", afirmou Nasr.
A idéia de escrever o dicionário partiu do próprio professor, que saiu do Egito, sua terra natal, na década de 60 para ensinar árabe na Seção de Estudos Orientais da USP. "Quando cheguei aqui não tinha nenhum material, além de giz e quadro-negro. Aos poucos, o curso tinha muita procura e necessitava cada vez mais de um dicionário árabe-português", disse o professor. Nasr conta que durante as aulas ele utilizava um dicionário árabe-inglês, que tinha sido traduzido de um árabe-alemão.
Segundo Nasr, em dez anos ele juntou um vasto vocabulário, com cerca de 70 mil palavras, que foram datilografadas em máquinas de escrever. Na época, como não existia computador, foi preciso de duas máquinas, uma com grafia em árabe e outra em português para redigir as palavras. Com a ajuda de um aluno do terceiro ano do curso, o professor conseguiu terminar o seu dicionário em 1972. "Foram dois anos seguidos de muito trabalho. Ficávamos, muitas vezes, até meia noite escrevendo", conta.
Como a faculdade não tinha recursos financeiros para publicar o dicionário, o professor distribuía fotocópias para seus alunos estudarem. As folhas originais ficaram guardadas durante 32 anos com o professor, que tinha esperança de um dia conseguir publicá-las.
Foi em 2003, que então o atual presidente da CCAB, Paulo Sérgio Atallah, deu a idéia de tirar do armário as páginas antigas e publicar o dicionário, por meio da própria CCAB. As mais de 70 mil palavras foram redigidas no computador por Abdalla Mansur, tradutor da CCAB, que terminou o trabalho no começo deste ano. "A Câmara pretende distribuir o dicionário durante a cúpula para todos os participantes", disse o professor, que ainda não sabe quando o dicionário estará à venda para o público.
43 anos no Brasil
O motivo da vinda de Nasr para São Paulo é bem diferente das histórias da maioria dos árabes que se mudaram para o Brasil. Em 1961, o atual presidente do país, Jânio Quadros, fez uma visita ao presidente do Egito, Gamal Abdelnasser, e pediu ao egípcio que mandasse um professor árabe ao Brasil para ensinar o idioma.
De acordo com Nasr, na época, não existia nenhum professor que falava português. Ele, porém, falava fluentemente francês, língua mais próxima do português. "Não queria vir para o Brasil de jeito nenhum. Não falava nada de português", afirmou. No entanto, Nasr foi escolhido pelo diretor da Faculdade de Línguas do Cairo e veio com a condição de ficar apenas um ano. Acabou ficando até hoje.
O professor egípcio foi formado no Cairo e concluiu seus estudos de mestrado e doutorado em psicologia e sociologia na França. Em maio de 1962, Nassr começou a preparar na Faculdade de Filosofia da USP, a Seção de Estudos Orientais. Atualmente, com 82 anos de idade, o professor é aposentado, mas continua como professor titular de pós-graduação do curso de Estudos Árabes na USP.
"Continuei aqui porque achei na USP uma atmosfera maravilhosa para ensinar a língua árabe. Os próprios alunos me encorajaram para continuar aqui", afirmou Nasr.
Além do dicionário, o professor egípcio também já traduziu o Alcorão para língua portuguesa, um pedido feito pela Liga Islâmica de Meca. O livro, que tem mais de 600 páginas, demorou quatro anos para ser traduzido, 20 anos para ser revisado e aprovado, porém, ainda não foi publicado.