São Paulo – Recorde no comércio, realização de um dos maiores encontros entre brasileiros e árabes, um significativo passo em direção ao mercado halal e a modernização das transações comerciais. Esses foram os grandes marcos do ano em que a Câmara de Comércio Árabe Brasileira comemorou seus 70 anos, em 2022, segundo avaliação do presidente da instituição, o diplomata Osmar Chohfi. Faltando poucos dias para terminar o ano, Chohfi fez um balanço positivo das conquistas do período e falou que espera ainda mais das relações Brasil-países árabes em 2023.
Chohfi ressalta que muitos desafios foram vencidos e inúmeras atividades realizadas durante 2022, mas faz questão de destacar os fatos mais significativos que nortearam grande parte das demais ações da entidade: os números expressivos no comércio, a realização do Fórum Econômico Brasil & Países Árabes com a reunião de cerca de mil pessoas, o lançamento do projeto Halal do Brasil em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) e a ampliação da operação da Plataforma Ellos, que digitaliza a transação comercial do Brasil com os países árabes.
Intercâmbio comercial recorde
Apesar dos desafios que o comércio internacional enfrentou neste ano, com algumas consequências da pandemia de covid-19 ainda presentes e a guerra entre a Rússia e a Ucrânia acontecendo, as trocas comerciais entre Brasil e países árabes cresceram 38% de janeiro até novembro e chegaram a US$ 30,1 bilhões. “O intercâmbio econômico bilateral Brasil-países árabes teve um desempenho extraordinário”, afirma Chohfi, lembrando que US$ 30 bilhões são um marco histórico e um recorde para a corrente de comércio entre as duas regiões.
O presidente da Câmara Árabe vê nos números um sinal de complementariedade entre o Brasil e o mundo árabe. “Em primeiro lugar, o Brasil é fundamental para a segurança alimentar dos países árabes”, afirmou Chohfi, reforçando que os produtos do agronegócio, onde estão os alimentos, se destacaram na pauta, entre eles o trigo. O abastecimento mundial de trigo foi dificultado pela guerra Rússia-Ucrânia, já que a região é fornecedora do produto, e o Brasil entrou nessa lacuna, aumentando as vendas do cereal para os árabes.
Entre as exportações dos árabes para o Brasil, se destacaram os fertilizantes, essenciais para manter a agricultura brasileira funcionando. “No contexto das dificuldades criadas no mercado internacional de fertilizantes pela guerra na Ucrânia, o Brasil pôde se aprovisionar em maiores quantidades dos países árabes e isso foi resultado da atuação do governo brasileiro, muito incentivado pela Câmara de Comércio Árabe Brasileira”, falou Chohfi. Quando o problema dos adubos surgiu, a Câmara Árabe fez várias ações junto ao governo brasileiro, que resultaram em uma missão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil (Mapa) ao Marrocos, Jordânia e Egito para verificar possibilidades de importação.
Chohfi entende que o crescimento do comércio entre Brasil e mundo árabe em 2022 também decorreu da recuperação econômica das duas regiões, após a pandemia de covid-19, e de um ambiente positivo nas relações, com o reconhecimento pelos países árabes de que o Brasil é um parceiro confiável, com produtos de qualidade e previsibilidade no fornecimento. “Isso traz um reforço estrutural a esse comércio”, afirma o presidente da Câmara Árabe.
Fórum Econômico Brasil & Países Árabes
Outro marco do ano de 2022 na relação Brasil-países árabes foi a realização do Fórum Econômico Brasil & Países Árabes, que, após dois anos de pandemia, ocasionou o encontro presencial de autoridades, empresários e especialistas das duas regiões, em julho, na capital paulista. O evento teve formato híbrido e reuniu mil pessoas nas duas versões, marcando os 70 anos da Câmara Árabe. “O fórum cria um ambiente de diálogo bilateral, não só na área comercial, mas na política, e nesse [âmbito] político eu incluo a aproximação conceitual de posições, a identificação de novas oportunidades de cooperação, inclusive na área econômica, em diferentes setores”, afirma Chohfi.
Os temas foram diversos, de sustentabilidade e governança a turismo, e todos os demais assuntos que costumam permear a relação do Brasil com os países árabes. “O fórum se realiza a cada dois anos e projeta sua influência nos dois anos seguintes, naquilo que nós fazemos. Ele detecta prioridades e faz com que trabalhemos em torno dessas prioridades nos dois anos seguintes”, afirma. Foram assinados no evento memorandos de entendimento voltados para a atuação no mercado halal, área esportiva e com as câmaras árabes binacionais de comércio, destacando-se as sul-americanas e as europeias. “O fórum dá a possibilidade de que a gente fortaleça os vínculos na área institucional”, diz Chohfi.
Halal do Brasil
O ano de 2022 também presenciou o pontapé de um projeto que promete aprofundar a presença do Brasil no mercado halal, aquele nos quais os produtos são feitos segundo os preceitos do Islã. A Câmara Árabe assinou convênio com a ApexBrasil para executar o projeto Halal do Brasil, que tem como meta levar empresas brasileiras de alimentos, em especial de maior valor agregado, a acessarem o mercado islâmico. “O Halal do Brasil é um projeto de três anos em que vamos capacitar as empresas brasileiras num programa conjunto com a ApexBrasil e financiado pela ApexBrasil. Vamos atingir 500 empresas brasileiras para ajudá-las a acessar não só os mercados árabes, mas os islâmicos em geral”, explica Chohfi.
Um memorando de entendimento sobre o assunto, que serviu como um guarda-chuva com os principais pontos em que se pretendia colaboração, foi firmado no Fórum Econômico Brasil & Países Árabes na metade de 2022. No final do ano, a ApexBrasil e a Câmara Árabe assinaram o acordo efetivamente, em Brasília, e já colocaram em prática uma primeira ação como parte do projeto, a participação de empresas brasileiras na feira Saudi Halal Expo, na Arábia Saudita. A presença do Brasil, que já é um tradicional fornecedor de proteína halal, chamou a atenção na exposição. O projeto Halal do Brasil será um dos grandes focos da Câmara Árabe em 2023.
Modernização tecnológica no comércio
Em 2022, a Câmara Árabe expandiu a operação do sistema Easy Trade, que permite a realização do despacho aduaneiro de forma totalmente eletrônica. Isso significou um grande avanço nas pretensões da instituição de modernizar, desburocratizar e digitalizar o comércio com os países árabes. A Jordânia já utiliza o sistema e o Egito anunciou que o fará. O sistema Easy Trade integra a Plataforma Ellos, que faz uso de blockchain e levará para o digital todo o processo de comércio exterior, desde a negociação até o financiamento.
“É o processo de modernização mais importante da Câmara de Comércio Árabe Brasileira. Com ele, a Câmara Árabe assume um papel protagonista na relação bilateral com diferentes países árabes, através de um instrumento extremamente moderno e desburocratizante. Nós vamos transformar em virtual tudo aquilo que hoje a gente faz em papel na tramitação logística”, afirma Chohfi. Segundo ele, a iniciativa envolve não só a Câmara Árabe, mas o governo brasileiro através das suas agências e ministérios, os governos árabes e as empresas.
E muito mais
Além do andamento desses grandes projetos, a Câmara Árabe esteve envolvida ainda em múltiplas atividades, como a participação na exposição universal Expo 2020 Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, e na Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP27) no Egito, ambas com várias ações realizadas; a assinatura de acordo com as câmaras de comércio árabe-sul-americanas para repasse de expertise; apoio e parceria nas realizações de embaixadas brasileiras nos países árabes e árabes no Brasil; e organização de presença brasileira e árabe em feiras árabes, entre elas de empresas árabes na mostra supermercadista Apas Show.
A área cultural e social também teve grandes realizações, segundo Chohfi. A Câmara Árabe foi parceira da Mostra Mundo Árabe de Cinema e do lançamento do projeto Árabe Latinos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco); proporcionou obra artística de homenagem à imigração árabe em São Paulo, apresentou o site do Projeto de Digitalização da Memória da Imigração Árabe no Brasil com a primeira parte do acervo e participou de ação no Museu do Futebol em função da Copa do Mundo no Catar.
O que esperar de 2023?
O presidente da Câmara Árabe espera um incremento na relação do Brasil com os países árabes em 2023. “O governo eleito no Brasil é um governo que já, em suas gestões anteriores, demonstrou grande interesse na aproximação política, econômica e cultural com o mundo árabe. A gente não pode esquecer que a Cúpula América do Sul – Países Árabes (Aspa) foi criada no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Tudo nos leva a crer que a ênfase da nova política externa será de mais aproximação com os países árabes e tudo indica que isso ocorrerá, já que as condições estão dadas para trabalhar em campo fértil”, afirmou Chohfi.
O presidente da Câmara Árabe lembra que os grandes projetos levados adiante pela instituição em 2022, citados acima, terão continuidade em 2023. “Eles terão sua projeção e partes de implementação em 2023, são projetos em curso, não se esgotaram em 2022, são projetos estratégicos e fundamentais”, disse Chohfi. A meta é levar o Easy Trade, por exemplo, para mais países árabes. Há planos de negociações com Emirados, Marrocos, Arábia Saudita e outros. “Queremos incluir cada vez mais países árabes em nosso sistema de blockchain”, diz.
O diplomata que está à frente da Câmara Árabe sabe que 2023 terá seus desafios. “Eu vejo um cenário internacional de bastante incerteza tanto no âmbito político como no econômico-comercial”, diz ele, citando os impactos políticos e econômicos do conflito Rússia-Ucrânia, as mudanças climáticas, o mercado de energia e o comportamento da economia chinesa.
Mas Chohfi tem uma certeza: Brasil e países árabes seguirão sendo grandes parceiros. “Mesmo em contextos de incertezas, o intercâmbio comercial Brasil-países árabes tem uma certa estabilidade, a gente viu que ele é estável. Foi estável durante a pandemia e está estável agora. Eu vejo que, a não ser que haja um fato de extrema gravidade, seja na área política-estratégica, seja na área econômica-comercial, o intercâmbio comercial entre o Brasil e o mundo árabe vai estar estável e eu espero crescimento”, conclui.